quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Um Ano Novo para Mônica




Eu particularmente amo esses dias finais que encerram os anos. Alguns dizem que é apenas uma mudança numérica, nada que vá de fato além do calendário. Para mim é diferente: eu realmente revejo as experiências que vivi e que me fizeram chegar até aqui. Acabo rindo das mancadas e memorizando muito bem as trilhas erradas que peguei, para não ter perigo de cair nelas por distração mais uma vez!  E depois vem a parte boa: os acertos, os progressos, as conquistas, os sonhos realizados, aqueles que ainda estão pela metade mas dos quais não desistirei... Tão bom isso, renovo meu ânimo para o ano que chega e entro nele com a certeza de que vou fazer tudo dar certo!

Mas nem todos têm os mesmos motivos que eu para comemorar, para se alegrarem com o ano que termina e fazerem planos em relação ao ano que vai chegar. Não será assim para Mônica. O rostinho infantil, antes sorridente, agora estampa uma dor que ao invés de amenizar, acentua-se com a chegada do Natal e Ano Novo. A expressão reunião familiar , tradicional nesta épocacausa lágrimas que não encontram motivos pra parar de jorrar. 

E por que o Natal e o Ano Novo de Mônica serão tristes assim? Porque algumas pessoas, ao invés de fazerem sobriamente  suas metas e comemorarem alegremente ao lado de seus familiares, enchem a cara e sobem em seus carros de luxo como se montassem em dragões, prontos pra destilar fogo contra quem cruzar seus caminhos. Jalva, a mãe de Mônica, acordou cedo, feliz por mais um dia de trabalho, por meio do qual trazia o sustento de seus 6 filhinhos. Saiu de casa quando o dia amanhecia, mesmo horário em que as baladas entregavam às ruas seus monstros cuidadosamente produzidos ao longo da noite, com doses fatais de álcool e entorpecentes. Um desses monstros descontrolados arremessou-se sobre Jalva, sugou-lhe a vida abundante, e diante do estrago fugiu acovardado. De dragão tornou-se rato, desapareceu no esgoto de sua existência, deixando-a agonizante numa rua qualquer de Porto Alegre.

Mônica sorria quando enterrou a mãe, tinha apenas 3 anos e não compreendia o significado daquela despedida. Mas neste Natal, já com 6 anos, ela sabe muito bem do que sente  falta e falou sobre isso em lágrimas com sua tia Gabriela: só quero vê-la mais uma vez, só mais uma! Por favor, abram a caixa pra que eu possa enxergá-la mais uma vez!

A caixa não foi aberta e Mônica não recebeu o único presente de Natal que realmente lhe importava: ver sua mãe. Consciente da impossibilidade de tê-la ao seu lado neste estágio de vida,  fez novo pedido a tia Gabriela: queria morrer e ir ao encontro de sua mãe, a fim de estar com ela para sempre. A verdade é que Mônica queria ter partido naquela trágica manhã, junto com sua amada mãe... Como consolar uma criança, tendo ouvido dela tão fortes palavras? Como restituir-lhe um pedaço que brutalmente e sem qualquer aviso prévio lhe foi arrancado?

Não posso eliminar sua dor, embora quisesse de todo meu coração poder fazê-lo. Não posso sequer prometer que, assim como termina um ano e outro começa, cheio de novas expectativas e promessas de grandes alegrias, a felicidade voltará para sua vida. Mas posso refazer minhas metas pessoais com coragem e ousadia, e há muito tempo elas me deixam longe das baladas, dos entorpecentes e do álcool. Termino um ano e recomeço outro com a certeza absoluta de que não serei eu a irresponsável a beber e dirigir, ceifando vidas por aí. Como tenho tanta certeza? É simples: escolhi a abstinência total e absoluta de todas as substâncias mencionadas. E escolhi me casar com um homem que compartilha dos mesmos princípios, de modo que nossos filhos estão sendo ensinados a respeito das consequências destrutivas de tais substâncias, e crescem livres do vício.

Surge então a pergunta típica desta época do ano: mas uma taça de champanhe não faz mal nenhum a saúde e você pode beber, não é? É, eu posso beber. MAS EU NÃO QUERO, e por isso não bebo. Nenhuma gota. Há muitos anos. E NÃO ME FAZ FALTA NENHUMA! Os anos viram, participo da ceia com minha família e me alegro junto com eles, danço e me divirto. SEM CHAMPANHE! Aliás, meu maior orgulho é ser casada com um homem que, assim como eu, não entende nada de marca nenhuma de vinho, espumantes, wisky, cerveja ou qualquer coisa do tipo.  Que bênção para minha família, e para as que nos encontram no trânsito, não entendermos nada do assunto!

Para minha querida Mônica, e tantas outras Mônicas, pequenas vítimas da irresponsabilidade alheia, desejo sinceramente que venha um Novo Ano em suas vidas. Sua dor não será apagada com o desejo de vingança, nem com a reprodução da violência sofrida. Mas nas escolhas adequadas virá a paz, eu tenho certeza, e a possibilidade de alegrias até então desconhecidas. Que nas profundezas de sua dor encontrem a sabedoria e escolham tornar-se exemplos de vida bem vivida.

Para todos nós, um novo ano centralizado mais nas metas e objetivos de vida do que nas celebrações vazias; que antes de virarmos os copos brindando o ano que chega, avaliemos se isso é realmente necessário e importante; se estamos preparados com alguém sóbrio, apto para assumir o volante, havendo a necessidade de locomoção. E se alguém ainda quer beber e sentir fortes emoções, que se atire de uma ponte ao invés de ziguezaguear em alta velocidade pelas ruas – mas que vá a pé até lá e faça isso SOZINHO, deixando as Mônicas e suas mães vivas para celebrarem o novo ano que chega em suas vidas.

Responsabilidade no trânsito, por favor! E um Ano Novo para Mônica é a súplica sincera de meu coração aos céus.



Suzy Rhoden

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Feliz Natal!


Queridos amigos,

Nesta época do ano, meu coração se aproxima de meu Salvador Jesus Cristo, pleno de gratidão. Ele tem sido meu amigo, em cada um dos meus dias. Em Seu evangelho, tenho encontrado a paz que preciso para viver em um mundo que traz, muitas vezes, dores e aflições. Contudo, por tê-lo ao meu lado, sigo sempre sorrindo, sempre feliz! Eu realmente amo Jesus Cristo e sei que Ele vive! Celebro neste Natal o Seu nascimento, a sua vinda a esta terra onde Ele andou fazendo o bem, dando-nos um perfeito exemplo de como viver. Sou grata por isso, alegro-me no esforço diário por seguir Seus passos de retidão.

Compartilho aqui meus sentimentos, e meu desejo de um Feliz Natal a todos que me acompanharam neste ano, que possam desfrutar do verdadeiro espírito natalino e sentir claramente a presença do Salvador em seus corações e em suas vidas. Que alcancem a paz tão necessária e somente encontrada em uma vida de retidão! Sou grata por sua presença e apoio aqui, cada comentário me fortalece - obrigada!

Sem mais palavras, compartilho um belo vídeo que conduz nossos corações ao Menino de Belém - que Ele seja o centro da nossa noite de Natal, e nos encha de amor e luz!

Suzy Rhoden


terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Lembranças de Natal




Tenho observado a correria típica de final de ano: a busca desesperada por presentes que agradem no Natal, os preparativos para a ceia – que  deve ser a melhor de todos os tempos – e uma série de ocupações voltadas para a grande noite de 24 para 25 de dezembro, que precisa ser perfeita. O que muitos não percebem é que nesse empenho incansável para garantir a festa, acumulam também o estresse, terminando o ano fatigados e carrancudos. Vejo muitas pessoas assim, cabisbaixas nesta época linda do ano! Não desfrutam da alegria do Natal, nem da recepção do novo ano que se aproxima, pois para elas tudo tornou-se um fardo pesado demais, um incômodo, uma obrigação indesejada.

Vejo tudo isso de longe. Sim, de longe. Pois me nego a participar da parte comercial do Natal. Enquanto a maioria corre, permaneço serena, experimentando suavemente o espírito natalino. Será isso possível em tempos atuais? Sim, se tivermos disposição e força o suficiente pra nadar contra a correnteza. Pois a moda é comprar, ostentar, extravazar.

Não sigo tendências, faço o que me alegra e eleva a alma. Nesta semana, por exemplo, ao invés de correr atrás de presentes, deixo-me levar pelas doces lembranças de outros Natais, enquanto me preparo tranquilamente para este. Meus pensamentos me levam para a infância, quando o Natal era ansiosamente esperado em nossa casa. A face de meus pais não estampava o estresse que vejo hoje nos semblantes, dezembro era recebido com alegria e satisfação.  Meu pai encerrava novembro com as compras para o mês sagrado, e nossa alegria era visitar a despensa sem tocar em nada, numa expectativa prazeirosa pelas guloseimas que seriam preparadas. A mãe fazia biscoitos caseiros e nós nos encarregávamos de decorá-los, tudo com deliciosa antecipação – o que nos dava a nítida impressão de que o Natal durava o mês inteiro!

Também me lembro do Papai Noel, que naquela época entrava pela chaminé. Era querido, mas ao mesmo tempo temido, pois sabíamos que investigava rigorosamente nossa conduta durante o ano. Saber da existência dele sem nunca conseguir vê-lo era a melhor parte para mim, pois me fazia traçar mil planos para capturá-lo no ano seguinte, no instante exato da entrega dos brinquedos. Nunca consegui, ele era incrivelmente rápido e silencioso, e por isso eu o amava. O Papai Noel hoje entra pela porta da sala, carregando um saco de brinquedos caros, e ai dele se não forem do gosto da criançada! Corre o risco de sair linxado, o pobre velhinho... 

Nunca reclamei de nenhum brinquedo que recebi, lembro-me de ter sido ensinada a ser grata. Além disso, ainda na infância aprendi que a aniversariante não era eu, mas um menino especial que nascera em Belém para ser nosso rei: o menino Jesus. Para Ele iam as honras daquela noite especial e o motivo da comemoração. O hábito de trocar presentes funcionava apenas como um lembrete de que havíamos sido presenteados por Deus, recebendo Dele um Salvador. Assim, a comercialização do Natal nunca ofuscou, em nossa casa, os propósitos de adoração na noite encantada.

Mas foi na juventude que minha concepção do verdadeiro espírito do Natal se solidificou: compreendi que não basta adorar a Cristo e receber presentes – é preciso doar, sacrificar por outros, para que minha noite e minha vida sejam infinitamente mais significativas! Lembro do dia em que acompanhei um grupo de missionários a um asilo em Santa Maria, levando cada dupla uma pequena árvore de Natal enfeitada. Deixamos uma árvore em cada quarto visitado, e o nosso carinho por aqueles idosos. A melhor parte foi quando um dos missionários cantou Jingle Bell Rock com voz de trovão, e todos encontramos um par entre os velhinhos. Eles riam, dançavam como podiam. Outros sacudiam apenas as mãos, mas sentiam e  movimentavam-se no ritmo. E nós, moças e rapazes presentes, chorávamos sabendo que aquela tarde especial nunca mais seria esquecida.

Não tive uma experiência isolada, tornei a dedicação ao próximo parte importante de minha vida, de várias maneiras, conforme conseguia. E não somente no Natal, mas em especial nessa data tão significativa. Um desses Natais passei em Belo Horizonte, MG, distante dos amigos gaúchos e de minha família. Poderia, pelas circunstâncias, considerá-lo o Natal mais triste e solitário de minha vida, mas foi exatamente o contrário: foi o Natal no qual consegui esquecer completamente de mim mesma para alegrar outras pessoas, e isso me acrescentou alegria genuína.

Junto com minha companheira de trabalho e 2 outras duplas de missionários, saímos ao longo do dia 24 a cantar canções de Natal na casa daqueles que conhecíamos – membros ou não de nossa religião. Levamos, através do canto, a paz natalina a todos que nos receberam: alguns em prédios  luxuosos, outros em casas humildes; algumas famílias bem-estruturadas, já reunidas em seus preparativos para a ceia, outras completamente destruídas pela violência ou pelo abandono, sem qualquer pretensão de celebrações naquela data. Cantamos igualmente para todos o nosso canto de amor, às vezes com voz embargada ou então provocando lágrimas, mas com uma certeza muito íntima e muito real: cantava conosco um coro celestial.

Desde então, quando chega o Natal e o mundo corre, eu paro e escuto as lembranças do passado: elas me ajudam a saber o que realmente vale a pena na Noite Especial, e aquilo de que me alegrarei em lembrar no Natal do ano que vem. E então tranquilamente ajo.

Suzy Rhoden

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Oportunidades de Fazer o Bem


O Bom Samaritano


Recentemente, enquanto passeava pelos canais de TV com o controle a mão, um filme deteve minha atenção. Não havia nada de surpreendente na trama da história, que apresentava o esforço pessoal de um menino para abrandar o amargo coração de um velho rabugento, rejeitado por todos no pequeno vilarejo onde viviam. Diante de um acidente que quase custou a vida do idoso, o menino foi o único a se importar com o ocorrido. Desejava uma aproximação, que era sempre rejeitada pelo velho ranzinza. Não recolhia sequer os alimentos deixados pelo garoto do lado de fora de sua porta, não queria a piedade de ninguém, e em nada amenizava a grosseria e antipatia que o descreviam bem. Os adultos aconselhavam: desista, rapaz, se esse homem não mudou até hoje, não há nada que você possa fazer para mudar sua mentalidade.

Claro que o menino mudou tudo. Histórias assim têm sempre um final feliz, o milagre acontece na ficção. Surpreendente seria ver atitude semelhante a do menino na vida real: quem ainda acredita na capacidade de mudança do ser humano? Principalmente em se tratando de um sujeito vivido, anti-social e com ares de vilão. A idéia que se propaga é justamente esta: que colha o que plantou!

Não pensava assim o menino. Olhou para o passado daquele homem, e na infância dele descobriu um histórico de violência, tortura física e psicológica que lhe era imputada pelo próprio pai. Cresceu assim, sem estrutura familiar, sem uma referência pela qual se guiar. Como poderia ser, na idade adulta, julgado pela incapacidade de amar, de dar um afeto que ele próprio nunca conheceu?

Triste realidade: a vítima de hoje é o vilão de amanhã. Poucos nessas circunstâncias conseguem por si mesmos quebrar o ciclo. Geralmente precisam de ajuda, mas quem se habilita? Não me refiro somente à ajuda profissional, sugiro especialmente aquela que está relacionada à dignidade humana: a pessoa saber-se e sentir-se alguém digno de respeito e da atenção de outrem. Nesse aspecto nós, os bem-estruturados, falhamos grandemente.

Claro que vem a mente a cautela exigida pelos tempos atuais, o medo de o bom samaritano descobrir que seu viajante ferido é na verdade um farsante, pois há quem se aproveite justamente da bondade alheia. Porém, se os bons se recolherem em suas casas amedrontados, a que fim estará esta humanidade fria condenada?! Ainda que o bom senso prevaleça em  situações claramente perigosas – e deve mesmo prevalecer! – há outras nas quais podemos agir sem risco a nossa integridade física. O menino do filme, por exemplo, escolheu seu método: passou a escrever cartas para o idoso!

Sempre acreditei no poder da palavra escrita. Ela vai direto ao coração. As interrupções da palavra falada não cabem para uma carta: ela somente encerra seu recado com o ponto final, quando tudo já foi dito. E ainda concede ao destinatário o momento precioso da reflexão, quando as palavras escritas  repetem-se mentalmente, cumprindo de vez seu propósito. Uma visita pode até ser rejeitada, pode-se levar uma porta na cara. Mas quem resiste a uma carta sem lê-la? A palavra escrita atrai, e se for inspirada planta ali mesmo, naquele momento, a semente do amor!

Assim agiu o protagonista do filme, escolheu seu método e atingiu seu alvo: derreteu um coração aparentemente petrificado. Mas não vem da ficção meu melhor exemplo nesse assunto,  e sim de uma pequena cidade ao sul de Minas Gerais, chamada Três Corações. A mesma terra que gerou o rei Pelé e lançou-o para o mundo, foi o berço de uma rainha que preferiu reinar no anonimato, aliviando feridas da alma do povo tricordiano: Érica Terra. Enquanto Pelé comandava a bola com perfeição, Érica fazia também os seus dribles com a caneta a mão: escrevia e enviava 5 cartas por dia! Não, não havia jogada repetida para a jovem, as cartas eram únicas e individuais, escritas sob inspiração. Escrevia o que sentia, sem uma lista fixa estipulando quem seria o felizardo naquele dia, simplesmente deixava a escolha ser feita por seu coração. E seu coração naturalmente era imenso, incluía desde a mais simples e humilde conhecida até as pessoas ilustres de seus contatos: todos eram contemplados com a inspiração de suas palavras!

Conheci Érica pessoalmente durante missão religiosa que realizei na cidade. Conheci também muitos dos destinatários, abençoados com suas palavras edificantes. Eram unânimes em declarar: as cartas pareciam mágicas, chegavam como recados dos céus, levando paz e conforto em momentos de dificuldade, como se Érica tivesse a capacidade de ler os corações! E tinha mesmo acesso a eles, pois levava consigo a chave universal capaz de abri-los: amor cristão.

A cidade não ostenta uma estátua de Érica como a dedicada ao rei, na Praça Pelé, mas estou certa de que como ele, ela passou dos 1000 gols. Coleciona vitórias nos sorrisos que brotaram de cada carta lida. Formou não apenas um time, mas uma legião de amigos gratos pela sua presença fortalecedora em suas vidas. Incluo-me nesse grupo, tendo sido eu mesma contemplada com suas doces palavras e gentilezas. Foi Érica quem, no dia de meu aniversário e  também minha despedida da cidade, preparou um bolo enorme e organizou para mim linda festa surpresa. Isso depois de escrever suas 5 cartas naquele dia, sem qualquer dúvida.

Exemplos como esse me dão uma certeza:  não há justificativa para a apatia, temos sempre pelo menos uma oportunidade de fazer o bem. Se não tenho dinheiro sobrando para doá-lo a uma instituição de caridade, tenho meu tempo e posso utilizá-lo fazendo algo de útil por alguém. Se não tenho o dom da escrita para as 5 cartas de Érica, posso simplesmente dizer um sonoro e alegre bom dia ao morador de rua, do qual desvio constrangida na calçada. Será que ele sabe que é alguém? Se eu não disser isso a ele, ele talvez nunca saiba... Nem eu saberei quem é Jesus Cristo, e o que Ele sentiu toda vez que fez o bem.


 Suzy Rhoden

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Aos Meus Desafetos




Enfim, dezembro. Aproxima-se o Natal, e com ele ressurgem os bons sentimentos ignorados o ano inteiro. Quem nunca fez caridade, agora se lembra dos pobres, separa brinquedos velhos para doação; prepara, quem sabe, alguma cesta com alimentos não perecíveis; ou qualquer coisa que o faça se sentir digno do espírito natalino. O que não pode é dezembro passar em branco. A apatia social dos 11 primeiros meses é facilmente apagada por um ato de amor, um único ato, desde que seja amplamente divulgado – e as redes sociais estão aí para isso!

Mas há ainda um problema: o que fazer com os desafetos, colecionados primorosamente ao longo do ano? Foram cuidadosamente alimentados com palavras mordazes, rigorosamente alfinetados de tempos em tempos, um trabalho perfeito de terror. Mas  aproxima-se o Natal e o discurso não muda, fala-se sempre em perdão. E agora, como driblar essa situação? Seria possível um acordo temporário de paz? Ignorar a criatura é opção descartada, pois desafeto que honra o título  é colega de trabalho, membro da família ou alguém do círculo inevitável de convivência diária. Não é pessoa distante, da qual se pode livrar facilmente. É alguém próximo, é parente, é ‘amigo’.

O desencargo de consciência em relação aos pobres  é coisa prática, dá-se um jeito. Mas um desafeto causa muita dor de cabeça nesta época do ano. Quem agüenta receber o ano novo ‘de mal’ com alguém? Dá azar, do pior tipo! E o Natal, então, quando são relembrados cada um dos atributos de Cristo, com ênfase especial para Sua capacidade de perdoar até mesmo os algozes que o crucificaram! É desesperador passar o Natal com um desafeto, é garantia inequívoca de crise existencial, de dramas de consciência e terrível sensação de fracasso. É muito triste ver chegar a noite de Natal e, ao invés do Ho ho ho! do Papai Noel, ouvir o riso sarcástico do desafeto deixando claro que ele é o próprio presente grego da noite, incansável, dentro de nossa consciência pesada.

Pensando em tudo isso, e em outros Natais, neste me antecipo e mando um recado aos meus desafetos: queridos, neste ano vocês não me atormentarão, não roubarão nem um segundo sequer da minha paz! E sabem por quê? Simplesmente porque vocês não existem!  Pela primeira vez em minha vida, considerando a fase adulta, termino o ano zerada nesse quesito!  Nenhuma mágoa mal resolvida, nenhuma história inacabada. Tudo em ordem, ficha limpa, só esperando o Natal!

Logicamente não foi sempre assim. Mas a gente cresce, amadurece e tem a obrigação de aprender. Quando recebi  minhas rasteiras, pensei que nunca fosse superar; que jamais fosse perdoar aqueles que me traíram. Mesmo já bem crescidinha, minha reação imediata foi tola e imatura: excluí todos que me fizeram sofrer de meus contatos virtuais. Foi um ato simbólico indicando que estavam igualmente excluídos de minha vida. Hoje, ao invés da opção pela exclusão, vejo a rede social sendo utilizada como meio para atingir publicamente os desafetos. A roupa suja já não é lavada em casa, mas na lavanderia social diante de todos os olhos.  Não basta resolver o problema ‘cara a cara’, é preciso garantir o  rol de testemunhas online. Excluir pra quê?! Melhor é atormentar. E então 500 contatos lêem 500 vezes no dia o que deveria ser dito a uma única pessoa, na página dela...

Voltando ao meu caso, é claro que eu afirmava que tudo estava bem e que aquelas pessoas não faziam falta a minha vida. Declarava minha indiferença a elas, que estava bem, estava feliz. Mas quem acredita nisso? Ilusão de magoado é assim, engana a si mesmo fingindo que indiferença é solução em relação a um desafeto. Não é verdade. Enquanto não acontece o perdão, toda noite, antes de dormir, tiramos as ataduras e colocamos o dedo na ferida. Ninguém vê ou sabe, mas é assim dentro de nós. Mais  corrosiva do que a própria traição, é a mágoa que nos envenena.

Mudei minha visão e minha vida quando um amigo inspirado, ciente de minha situação, me ensinou através de um relato bíblico. Relembrou a história de Caim e Abel. O primeiro matou o segundo, embora fossem irmãos. O que somos todos nós aqui nesta terra? Exato, somos irmãos. Quando eliminamos alguém de nossa vida, motivados pelo orgulho, seguimos o princípio de Caim e ‘matamos’ nosso irmão. Ouvir isso foi como levar um choque! Não consegui parar de pensar... Eu fazia mal a mim mesma guardando tanto rancor, sentia-me de fato uma assassina! Sabia que precisaria me esforçar muito para trazer de boa vontade aquelas pessoas de volta ao meu convívio, mas decidi que  iria me empenhar nesse sentido. Se era um ato de caridade, eu o fazia por mim, pela minha paz. Queria de volta a minha liberdade!

Na mesma noite, mandei convite para todos, trazendo-os de volta aos meus contatos nas redes sociais. Voltamos pouco a pouco a interagir, e eu nada cobrei em relação ao passado. Alguns perceberam o quanto erraram e me pediram perdão, outros nunca se retrataram. Que importa? Não estava neles a cura para minha ferida, estava em mim mesma! Quando decidi vencer meu orgulho e realmente perdoar e esquecer o que tanto me feriu, a ferida cicatrizou. Tudo ficou para trás e nunca mais me incomodou. Junto com a capacidade de perdoar, recebi a capacidade de suportar ofensas, críticas e injúrias sem deixar que elas me atinjam. Não significa que sofro tudo calada: reivindico meus direitos, exijo sempre  justiça. Mas sofrer com a imperfeição dos outros? Não, eu não sofro. Aprendi de certa forma, e em certos aspectos, a ser inabalável.

Por isso comemoro este Natal que se aproxima. Ofender-se é uma escolha – não é a minha! Prefiro a sabedoria de compreender que vivo entre seres imperfeitos, que ora erram comigo, ora eu erro com eles. Alguns até se esforçam, eu percebo, pra encabeçarem minha lista de desafetos. Mas respondo com um sorriso e muitas vezes com o silêncio. Funciona, pois segue em branco minha lista.

Para os que não sabem o que fazer com seus inimigos nesta época do ano, fica aqui  minha dica: nada poderia ser pior para um desafeto do que perder o título pelo qual tanto se esforçou ao longo do ano, com suas pitadas de maldade. Perdem o chão e a força quando se transformam subitamente em ‘afeto’. Afogam-se sozinhos no próprio veneno. E nós ganhamos a paz, curamos a ferida.

Que venha o Natal!



Suzy Rhoden

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

A Conversão – Parte III




Obter o conhecimento de que existe um Deus e de que, além do Ser Supremo, Ele é de fato um Pai e um amigo foi essencial para mim, mudou os rumos da minha vida. Falo aqui sobre conversão. Mas engana-se quem imagina uma mudança drástica da noite para o dia, não foi assim. E, de acordo com minha concepção do que significa a conversão, não poderia ser dessa forma: a conversão é um processo.

Existe, sim, a experiência espiritual desencadeadora. Mas afirmar que houve vida nova a partir de então é algo que somente o tempo – significando os frutos observados ao longo desse tempo – dirá. E terá que ser, obrigatoriamente, mudança positiva que converge para o que é bom e mais elevado, em termos de sentimentos e atitudes. Parar de fazer algo, em função da punição talvez, não é indicativo de mudança real. As obras diárias, inclusive aquelas feitas em segredo, é que confirmarão a escolha de um novo estilo de vida, ou não.

Da mesma forma, não associo o fanático ao convertido. Esse é um erro comum, por sinal: a pessoa converter-se a uma religião e pensar que todos devem aceitá-la pela imposição. Nesta semana, uma amiga reclamava disso: não suportava mais os ataques de outra, fanática, que impunha suas verdades de maneira ofensiva. Passei por isso e sei o quanto é desagradável, não é certamente o método do Senhor, pois nem Ele age dessa maneira conosco: enviou-nos o filho Jesus Cristo para convidar-nos a segui-Lo. Um evangelho nos foi ensinado, bem como as conseqüências da desobediência a essa lei divina. Mas a escolha é nossa, e será respeitada – lembrando que cada escolha traz atrelada a si uma conseqüência, um resultado. O livre arbítrio é, portanto, um dom precioso e nos foi dado por Deus. Quem não compreende isso, não experimentou integralmente um processo de conversão.

Tenho esses pontos como premissa básica. Respeitar o livre arbítrio alheio, contudo, não me impede de ter minhas próprias convicções e meus padrões firmemente estabelecidos. Preciso que eles sejam respeitados também! Mas quanta pressão sofre uma pessoa que ousa acreditar em Deus e ajustar sua vida aos padrões estabelecidos por Ele ao invés de andar segundo os caprichos do mundo! Sei bem disso, fiz minha opção religiosa justamente quando cursava uma faculdade e circulava no meio acadêmico. Para muitos mestres, a crença na deidade vinha junto com um atestado de ignorância. A seu ver, era um retrocesso. Nunca me deixei intimidar por essas opiniões. Não me sentia ignorante, muito pelo contrário: sentia-me em plena expansão de conhecimentos, que não se limitavam a este universo. Eu começava a conhecer também os mistérios da criação, os propósitos desta vida, os mistérios do depois... Intrigava-me justamente como pessoas tão cheias de títulos conheciam tão pouco de sua própria existência espiritual!

Compreendi logo depois de minha primeira experiência que não bastava saber da existência de Deus: era preciso comprometer-me com o plano que Ele tinha para mim – e certamente há um para cada pessoa. Não falo de um destino já escrito. Mas de um motivo muito especial pelo qual estamos aqui, já que definitivamente não viemos a passeio. Compreendi que não bastava uma vivência correta, mas que eu precisava de uma religião onde fundamentar minha fé. Meu modelo era o Salvador Jesus Cristo e sendo que Ele próprio, embora perfeito, submeteu-se ao batismo e outras ordenanças, entendi que deveria eu também realizá-las.

A escolha de uma religião é coisa sagrada. Não se trata de uma roupa que posso comprar e, se descobrir logo depois que não gostei do modelo, esquecer no closet ou ignorar. Eu sabia que deveria escolher e ‘vestir a camiseta’. Sempre me incomodou a ideia de professar uma crença que não fosse verdadeira, ou de citar uma religião como minha se eu de fato não estivesse comprometida com seus princípios. A comodidade nesse aspecto não me servia, e ainda penso que não será aceitável no grande e último dia como justificativa para uma vida de apatia espiritual... Mas cada um que cuide de si mesmo nesse quesito!

Tratei de buscar o caminho que fosse de todos o mais excelente. Como alcançar essa certeza? Ora, eu já conhecia o segredo! Sabia que poderia ir diretamente à fonte da verdade e obter dos céus uma resposta. Sabia que não precisava confiar em opiniões divergentes ou filosofias de homens, mas que poderia escolher conscientemente segundo a resposta que recebesse de meu Pai Celestial. Em Tiago 1:5, na Bíblia, eu tinha a promessa de que, havendo em mim falta de sabedoria, deveria pedir a Deus, e Sua resposta me seria dada. Não duvidei, perguntei.

Embora muitos proclamem que não importa o caminho, sinto em meu coração que nos enganamos quando nos agarramos a essa idéia. Ela é cômoda, conveniente. Pois posso adequar o caminho as minhas expectativas. Ouvi, certa vez, de um jovem, que ele gostava da idéia de ter uma religião, mas que não aceitava pagar por um pacote inteiro de mandamentos. Ele queria crer em Jesus Cristo e seguir somente alguns pontos de Seu evangelho. Fiquei imaginando se ele tinha essa mesma idéia a respeito das regras de trânsito...

Obedecer somente ao que convém no momento parece interessante, mas nos conduzirá  ao aperfeiçoamento necessário para o próximo estágio de vida? Por isso pondero muito a respeito do caminho. Procuro o que me aproxime ao máximo de meu Salvador Jesus Cristo, pois uma passagem bíblica reproduz as palavras do próprio Senhor, declarando: “Eu sou o caminho, e a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, senão por mim”(João 14:6). Ele, portanto, é o caminho. Seu exemplo de vida é seguramente o mais acertado para se escolher. Qualquer coisa que fuja disso, em minha opinião, é um atalho e pode não me levar de volta ao meu lar eterno.

Minha resposta à procura de uma religião foi clara e indescritível. Não tentarei reproduzi-la aqui. Basta dizer que no dia 30 de outubro de 1999 filiei-me à Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias tendo absoluta certeza de minha escolha. Sou membro fiel e ativo dessa igreja – o que é o oposto de fanático – desde então. Casei-me dentro desse evangelho com um homem que compartilha da mesma fé, e seguimos juntos, olhando na mesma direção: a eternidade. Recebemos filhos amados em nossa união, que estão sendo criados na nossa fé, mas que terão sua oportunidade de orar e receber um testemunho pessoal, fazendo por si mesmos a escolha do caminho pelo qual desejarão seguir. Acreditamos que a linda família  que construímos aqui perdurará além desta vida, devido aos convênios que temos com o Senhor, e que teremos a oportunidade de continuarmos juntos por toda eternidade. Cremos firmemente nisso, vivemos por esse maravilhoso conhecimento!

Mas antes de qualquer outra coisa, cremos em Jesus Cristo como o salvador deste mundo. Eu, particularmente, sei que Ele veio a esta terra com a missão de nos resgatar do pecado, para que possamos ser dignos de habitar na presença Sua e do Pai Eterno depois desta jornada terrena. Sei que por meio de Seu sacrifício supremo podemos vencer nossos erros, nossas dores, nossas angústias e nossas imperfeições  e alcançar esperança na vida eterna. Eu obtive essa esperança, e vivo para torná-la real. Em minha escolha, não me sinto privada de nada que seja realmente importante, uma vez que tenho vida pessoal, social, familiar e profissional. Contudo, tenho sérios princípios morais, e ando rigorosamente de acordo com eles. São como as leis de trânsito para mim: não existem para me limitar ou restringir, mas para garantir meu retorno seguro ao lar celestial. Sigo firme e convicta nesse caminho, comprometida com ele integralmente. Sei exatamente de onde vim, porque estou aqui e para onde vou. E quando sinto me faltar a sabedoria – quando as perguntas retornam! – não hesito: dobro meus joelhos e humildemente pergunto àquele que tudo sabe: meu Pai Celestial e meu Criador!

Suzy Rhoden








segunda-feira, 28 de novembro de 2011

A Resposta – Parte II


A dúvida é a substituta imediata da fé. Onde se instaura a dúvida, não pode haver a fé: ela cede espaço e desaparece. A primeira coisa que eu tinha a fazer, então, em minha busca pela verdade, era acreditar que receberia uma resposta e comprometer-me com essa resposta – fosse ela agradável ou não aos meus propósitos. Afinal, de que adiantaria saber, se não estivesse disposta a viver segundo o conhecimento adquirido?

Não podia confiar em meras palavras de homens, posto que cada um defendia sua religião e os princípios por elas estabelecidos. Eu precisava confiar no Pai Celestial e aceitar Sua resposta, que viria por meio do Espírito Santo, trazendo-me bons sentimentos e a paz tão desejada, conforme me fora ensinado pelos missionários.  Sentimentos não podem ser forjados, portanto aquilo que eu sentisse em meu coração poderia ser facilmente discernido a partir da lógica: boas sensações vêm de Deus, a fonte da retidão; tensão, apreensão, confusão seria certamente uma resposta negativa.

Coloquei à prova as palavras de meus amigos numa noite singular de minha vida. Ponderava suas mensagens enquanto via, da janela de meu quarto, a escuridão derramar-se sobre a terra, encerrando  um dia que havia sido turbulento para mim. Vivia distante da família em função dos estudos, e sentia-me sozinha em minha busca espiritual. Era algo pessoal, não havia como compartilhar minhas dúvidas com ninguém. Profunda solidão me assaltou diante desse pensamento: sentia-me abandonada, desabrigada e exposta a todos os perigos noturnos. Tive medo. O quadro que se estendia diante de meus olhos era assustador, por isso fechei-os num impulso.

E assim, de olhos fechados para o mundo, consegui finalmente abrir meu coração para o Criador. Falei-Lhe como se falasse a um amigo. Expus meus medos, minhas dores, minhas dúvidas. Revelei meu desejo de conhecê-Lo, e meu comprometimento com a verdade, tão logo viesse a conhecê-la. Queria simplesmente ter certezas em meu coração, saber o caminho mais excelente para que pudesse, exercendo meu livre arbítrio, escolhê-lo ou rejeitá-lo – já sabendo de antemão qual seria minha escolha: a verdade.

Foram apenas alguns minutos até que, tendo encerrado minha súplica, abri os olhos para a mesma paisagem, a mesma penumbra. Mas que visão além das trevas me foi concedida! Na noite que se derramava, vi um quadro perfeito pintado pelas próprias mãos do Criador, e senti Sua paz se derramando sobre todas as Suas criações – inclusive eu. Senti-me cheia dessa paz. A sensação de medo foi substituída pela de aconchego e proteção. As sombras desapareceram e a noite, antes inimiga, agora me convidava a fazer parte daquele cenário de perfeição. Senti claramente que eu não estava só.

Alguns talvez esperassem uma manifestação angelical ou coisa assim. Eu não. Não precisava de mais do que recebi para crer na existência de um Deus. Visões falam para os olhos; sentimentos falam ao espírito, deixam seus registros diretamente no coração. Nada externo se viu ou ouviu, mas dentro de mim a voz era clara e inconfundível: “Você não foi esquecida só neste mundo escuro e triste: Eu estou aqui!” E isso foi suficiente para haver  paz e luz em todos os lugares.

Naquela noite eu soube por mim mesma – e não porque alguém testificou para mim. Eu soube, com meu próprio testemunho, que existe um Deus e que Ele me ama e se importa comigo. Aprendi que Ele responde orações de fé e conduz Seus filhos à verdade, se diretamente Nele buscarem as respostas. Soube que esse Pai amoroso não silenciou, mas continua a falar com todos que O procuram com sinceridade de coração. Fala, porém, através de sussurros do Espírito, numa voz mansa e delicada, que poucos são capazes de ouvir, por estarem demasiadamente envolvidos com os ruídos do mundo. Sua voz, contudo, é clara e inconfundível, pois deixa registro indelével no coração dos que a ouvem.

Recebi a resposta que tanto buscava, os céus se abriram para mim e recebi a revelação. É possível que alguns duvidem da veracidade do relato ou então que atribuam minhas declarações a alguma alucinação. Não importa: sei exatamente o que vivi e o que senti, e isso me basta.

A questão a partir daquele momento passou a ser outra: e agora, que faço eu com o conhecimento que adquiri?!


 Suzy Rhoden



sábado, 26 de novembro de 2011

A Dúvida - Parte I



A sequência de textos a seguir – apresentados em 3 registros distintos, mas interligados entre si – faz parte de narrativa pessoal intitulada Relatos de Fé. As postagens acontecerão em dias intercalados.



Fui criada dentro de uma religião, ensinada conforme a crença de meus pais desde o berço. Cresci participando ativamente da igreja, tanto quanto me era permitido. Mas vieram os questionamentos da juventude, e com eles uma sede da verdade que não se aplacou onde eu me encontrava. Toda resposta que eu buscava em vão era creditada aos mistérios da deidade, e assim esperava-se que eu me resignasse e seguisse tateando por meu caminho, como uma cega conformada com sua falta de visão.

Não podia ser assim. Havia em mim uma ânsia de conhecer que não me permitia aceitar o mistério como resposta máxima. Com essa sede espiritual implacável cheguei à faculdade, onde foram jogadas sobre mim as mais diversas filosofias – filosofias de homens, o que eu definitivamente não aceitava como verdade suprema. Contudo, influenciada por tudo que ouvia e vivia, acabei me afastando de minha primeira religião, permanecendo apática por alguns anos. Por dentro, esperava por respostas que não vinham; ansiava por uma verdade que não se revelava.

Por fim, esqueci-me das perguntas que carregava e tratei de viver a vida como eu a tinha. Até ser encontrada por dois jovens missionários, dispostos a compartilhar comigo os princípios de sua religião. Por educação, aceitei as mensagens. Mas fui clara ao dizer a eles que não buscava uma religião. Afinal, depois de tantos anos convivendo com um Deus silencioso, não seria agora que Ele iria revelar Sua face e dar-me as respostas antes tão procuradas.

De fato, não vieram as respostas: as perguntas é que voltaram! Aqueles jovens sensatos não vinham jogar conhecimento sobre minha mente assoberbada, mas aquietavam minha alma enquanto falavam de um Deus que eu desconhecia: um Deus de perfeito amor, atento a mim e minhas necessidades; um Pai disposto a falar comigo de acordo com minha fé. Ensinavam-me também a respeito de um Salvador, que veio a terra com a missão de resgatar a humanidade do pecado e de levar-nos de volta a presença de nosso Pai Celestial. Sua crença centralizava-se claramente na fé em Jesus Cristo.

Na mesma época, aproximou-se de mim um colega de faculdade, pastor em outra denominação religiosa. Suas visitas eram freqüentes, mas observei que ao invés de compartilhar comigo a doutrina que acreditava, limitava-se a atacar a doutrina pregada pelos jovens missionários. Situação inversa, porém, jamais ocorria. Os  missionários não atacavam qualquer denominação, tampouco tentavam impor sobre mim a sua verdade. Ao invés disso, ofereciam sua doutrina como um convite para quem desejasse investigá-la, não exercendo sobre mim qualquer pressão. E isso fez com que eu quisesse saber cada vez mais.

Observando meu interesse, meu colega passou a atacar não apenas a outra religião, mas a mim também. Questionava meu padrão de vestimenta, meu hábito de usar maquiagem e o estilo de vida que eu levava. Perguntei-lhe  porque, sendo nós colegas há tantos anos, jamais me falara de sua religião. Sua resposta foi estarrecedora: você não parecia uma pessoa interessada em coisas espirituais. Confesso que fiquei chocada com o pré-julgamento que recebi e considerei que uma religião que faz acepção de pessoas não está, definitivamente, preparada para conduzir ninguém a salvação. Descartei imediatamente qualquer possibilidade de filiar-me a essa igreja e, como era de se esperar, enfrentei a partir daí intensa perseguição.

Ainda assim, eu não estava convencida quanto à religião dos rapazes missionários. Nem eles  tinham a pretensão de me convencer: convidaram-me a orar e perguntar diretamente a Deus a respeito das coisas que me intrigavam. Que existia um Deus eu sabia, jamais duvidara ou deixara de crer. Mas... Ele me ouviria? E falaria comigo? Afinal, são tantos filhos problemáticos neste mundo aos quais dar atenção... Seria eu importante a tal ponto para Ele? Sentia-me pequena e, acostumada que estava a um Deus distante e misterioso, nunca tinha me ocorrido a idéia de me aproximar e buscar diretamente  Seu conselho. Será?!

                                                                                                       Suzy Rhoden

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

A Exposição nas Redes Sociais



A internet trouxe o universo para dentro de nossas casas. A frase, em linguagem figurada, cabe bem aos nossos dias, considerando a abrangência das redes sociais. Mas que tal avaliarmos essa frase sob a perspectiva literal? No meu caso foi quase isso: a internet esteve prestes a trazer, se não o universo, pelo menos a população da região metropolitana de Porto Alegre para dentro do meu lar. Se não fosse o quase, eu teria tido meus 5 minutos de fama em rede nacional, quem sabe até internacional, como aconteceu com a jovem inglesa que divulgou no Facebook  sua festa de aniversário e teve a mansão  invadida pelos convidados de todos os lugares da web.

Imagine que, num momento de suprema inspiração, você que raramente participa de forma ativa das redes sociais – porque tem mais o que fazer – resolve checar se por um milagre alguém postou algo importante  lá, e dá de cara com um convite. Normal, se não fosse um detalhe: A FESTA É NA SUA CASA!  Pois é, aconteceu. E lá estava, divulgado para quem quisesse ler e anotar, meu endereço com os devidos pontos de referência. Como todo convite, trazia data e horários específicos – por sinal, um horário em que eu tinha outro compromisso agendado e nem estaria em casa!  As autoras da promoção do evento, facilmente identificadas pela postagem, eram amigas minhas. Organizaram a despedida de um amigo comum e decidiram que minha casa era o melhor local. Só esqueceram de solicitar minha aprovação, SÓ ISSO! Detalhe tão insignificante... Afinal, por que eu precisaria saber, não é mesmo? Festa surpresa é coisa tão divertida... Fica ainda mais divertida se o anfitrião é convidado assim, via internet, numa rede social que ele raramente utiliza!

Nesse dia, pensei seriamente: para que preciso de uma rede social, afinal de contas?! Para isso?! Mas então lembrei dos amados amigos distantes, espalhados pelas tantas cidades onde já morei; dos familiares queridos, contatados frequentemente graças à tecnologia; dos leitores diligentes, sempre visitando meu blog e minhas páginas... E concluí: o perigo não está nas redes sociais, nossa ingenuidade é que é perigosa!

Expomos nossa vida como se ela fosse um livro aberto, e até nos orgulhamos dessa frase. Mas isso virtualmente. Pois fisicamente nem as penitenciárias de segurança máxima se utilizam de tanta tecnologia para manter o perigo distante quanto nós o fazemos. Estamos presos dentro de casa, mas flertando todos os dias com o perigo. Atrás das grades que erguemos em volta de nossa propriedade, mas abrindo as portas para o inimigo e convidando para um chimarrão. Tão fácil é o acesso de qualquer um a nossa vida pelos meios virtuais!

É preciso cuidado com o que postamos, ali deixamos nossa assinatura. Quantas moças já ouvi lamentando a imagem denegrida pela opinião alheia, procurando fofoqueiros e culpados. Mas que cuidados tiveram com as fotos que divulgaram? E com as afirmações que acompanharam seu nome em cada postagem? Se a atualização é feita, imagina-se que seja para gerar comentários. Que paradoxo tentar, por não gostar dos resultados, tolher a crítica dos outros! A discrição é a regra número 1 para quem quer desfrutar somente dos benefícios das redes sociais. Aliás, é o segredo para o sucesso em tudo nesta vida.

Voltando ao incidente com as amigas, uma maldade me ocorreu: eu poderia devolver o favor divulgando os nomes delas agora mesmo! E elas nem poderiam sentir-se ofendidas, pois estariam no lucro já que eu preservaria seu endereço. Ao invés disso, prefiro dar-lhes o exemplo daquilo que solicito para mim: por favor, respeitem minha privacidade e tomem somente a liberdade que eu lhes der no que tange meu lar e minha família. E, se lhes parecer sábio, ajam com a mesma cautela quanto a suas próprias vidas e suas declarações públicas.

Logicamente, as meninas retiraram o convite da web e foram perdoadas pelo deslize duplo de agendar algo em minha casa sem que eu fosse consultada e, pior, divulgar o convite pelos quatro cantos do mundo antes de minha aprovação – que obviamente elas nunca tiveram! Espero que tenham aprendido algo com isso. De minha parte, aprendi: para algumas pessoas é preciso dizer claramente até que ponto permitimos sua interferência em nossa vida. Não é que haja nelas maldade. Sua ingenuidade já é o suficiente para nos acarretar sérios problemas.

Se grandes são os riscos de equívocos na vida real, olho no olho, quanto mais na vida virtual! Ser precavido – como diz um amigo meu – não é defeito. Contudo, a liberdade existe e há quem goste de compartilhar cada passo que deu dentro de casa, e em que direção foi. Tudo bem. Mas não reclame depois!

Suzy Rhoden
Gravataí, 21 de novembro de 2011


segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Crianças precoces: como lidar com elas?





Já não nos causa assombro: crianças inteligentes e dotadas de habilidades variadas vêm a este mundo a todo instante. São consideradas prodígios pela precocidade com que desenvolvem certos talentos – às vezes vários ao mesmo tempo! Assim como as crianças especiais, elas requerem de nós uma atitude diferenciada. Mas... Diferenciada em que sentido? A questão é: estamos sabendo lidar com os gênios modernos,  cada vez mais comuns nas escolas e em praticamente todos os lares?

Vivi ontem experiência que trouxe esse assunto ao centro das conversas em minha casa: meu segundo filho, 4 anos, começou inesperadamente a ler e a escrever, tudo ao mesmo tempo. Já presenciávamos seus ensaios para a leitura há alguns dias, estimulado pelo irmão, que lê desde os 5. Mas normalmente há um intervalo entre a leitura e a escrita. Para Gabriel não, pronunciava a palavra e ia reproduzindo as letras, conforme o som delas, por escrito. Então lia o resultado.

Não sei se o encantamento é comum a todos os pais ou se é exclusividade de mãe professora, fato é que esse processo me fascina. Eu realmente vejo as portas do mundo abrirem-se para a criança que aprende a ler. O conhecimento dos livros não lhe poderá mais ser negado, a não ser que ela própria o rejeite. É como se de repente asas crescessem e, pequenos pássaros que são, até então alimentados culturalmente por nós, eles agora se lançassem sozinhos num vôo de aprendizagem que durará toda a vida.

Como essas experiências surgem cada vez mais cedo, trazem consigo a dúvida: as instituições de ensino estão preparadas para lidar com crianças que já chegam a pré-escola alfabetizadas, enquanto que outras sequer conhecem as cores? As diferenças existem, não podem ser ignoradas. Cada  criança precisa ser valorizada em sua individualidade, sem que haja prejuízo para uma ou para outra. Isso acontece na prática escolar?

Recentemente uma amiga, cuja filha apresenta maturidade impressionante para seus 12 meses de vida, foi orientada pelo pediatra a cessar o estímulo cognitivo, a fim de evitar problemas futuros, em idade escolar. Como assim?!  Não posso parar meu filho no tempo, impedir o acesso natural à informação, que produz, ao longo do tempo e da experiência, o aprendizado! Percebo aqui um equívoco, uma inversão, já que cabe à instituição de ensino rever sua metodologia até adequá-la à necessidade de seu grupo escolar – e não o contrário.

Meu primeiro filho mostrou-se precoce de várias maneiras. Aos 5 meses, incapaz de engatinhar, seguia-me pela casa rolando como se fosse uma bola. Nessa mesma idade, despedia-se de mim acenando quando eu saía para trabalhar e com 8 meses começou a reconhecer e reproduzir o som da letra inicial de seu nome. Com 12 meses falava frases e se comunicava como um adulto, tão amplo era seu vocabulário. Aos 15 meses conhecia todo o alfabeto, fazendo associações do tipo B de bola. Com 18 meses deixou as fraldas completamente, sem necessitar de um processo de adaptação. A mudança se deu literalmente da noite para o dia. Nessa época, ele também já tinha, por iniciativa própria, abandonado a chupeta –  jogou no lixo – e recusado o seio materno. Sua precocidade era visível e tive que aprender a lidar com isso.

Quando ele recebeu um irmão, aos 19 meses, a lição que a experiência nos deu foi a de jamais comparar personalidades distintas. O irmãozinho levou o dobro do tempo para sair das fraldas, quase isso para começar a andar e não estava nenhum pouco preocupado com o alfabeto aos 15 meses. E nem nós preocupados em impor a ele algo para o que não estivesse preparado. Oferecemos estímulos a um e a outro, e esperamos que se desenvolvessem em seu próprio ritmo, interferindo somente em caso de necessidade. Contudo, agora nos surpreende aos 4 anos, lendo e escrevendo de maneira espontânea e natural – ainda mais cedo do que o primeiro, que se mostrou precoce em vários outros aspectos.

Estímulo de nossa parte? Nem demais, nem de menos. São crianças, não precisam dominar a gramática da Língua Portuguesa para serem considerados inteligentes, não lhes cabe isso agora. Mas naturalmente crescem cercados de livros, familiarizados com eles, para que possam fazer por conta própria suas descobertas, ao seu tempo. Nosso amado filho fez a sua ontem e estamos muito felizes por isso.

Importante não cobrarmos demais de nossos pequenos prodígios. Muitas vezes nos equivocamos pensando que, por seu raciocínio rápido, estamos lidando com adultos em pequena estatura. Não são adultos, e emocionalmente são como qualquer criança de sua idade. A maturidade para compartilhar, por exemplo, lhes falta muitas vezes. Também é comum a dificuldade para aceitar derrota em jogos, sentem-se profundamente frustrados. Não podemos ressaltar esse aspecto negativo, aumentando a pressão ou  a cobrança sobre eles. Enchê-los de atividades e cursinhos, roubando o tempo das brincadeiras também me parece um erro. Porém, atividades baseadas na ludicidade são sempre bem-vindas, tal qual o Inglês, a música, o balé, o teatro – com a devida atenção para a escolha dos métodos didáticos.

Aos que se perguntam qual minha formação dentro da psicologia para fazer aqui afirmações categóricas, informo que os anos de atuação  na Educação Infantil me garantiram a especialização em Psicopedagogia. A maternidade me acrescentou os demais títulos:  mestrado,  doutorado e o PhD. Não aceito facilmente as teorias sem ir a fundo nelas para certificar-me de sua validade, pois se existirem erros que não seja justamente na educação e na formação de meus ‘pequenos prodígios’. Palavra de mãe leoa!


Suzy Rhoden

Gravataí, 14 de novembro de 2011

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Nossas Carências




Inoportunas e indiscretas, é sempre na hora errada que elas se revelam. Gostam de público amplo e variado, dias inusitados, totalmente fora da agenda. Manifestam-se descaradamente enquanto se riem por dentro da vergonha que nos fazem passar. Sua missão é trazer à tona tudo que há de tolo e imaturo dentro de nós, num espetáculo memorável para qualquer platéia – e infelizmente para o protagonista também. Exatamente assim agem contra nós as nossas piores inimigas: as carências.

Momentos de carência são típicos do ser humano. Administrar emoções é algo que se aprende com a prática – não adianta, teoria nenhuma dá conta -, o que significa alguns deslizes amorosos e cicatrizes diversas no coração. Alguns lidam melhor com isso, é fato. Outros vivenciam uma espécie de adolescência tardia, adotando comportamento rebelde e discurso do tipo “sou auto-suficiente, não preciso de ninguém” quando o óbvio está escancarado. Ainda existe um grupo que desaba sobre os primeiros ouvidos que aparecem na frente, vulneráveis e fragilizados, implorantes por atenção. Que risco correm esses! Pois na ânsia de desabafar com qualquer ouvido, esquecem de medir o tamanho da língua do ouvinte...

Há os que optam pelo desabafo com desconhecidos. Jogam tudo para fora, com a certeza de jamais serem cobrados pela insanidade momentânea. Fui, certa vez, surpreendida pelas confidências da mãe de uma aluna no curso de Inglês. Com as malas prontas para retornar a Bahia, seu estado natal, a  mulher fez questão de deixar em terras gaúchas cada uma de suas mágoas: contou-me tudo nos mínimos detalhes. Desde a infidelidade do marido até o doloroso processo de separação. Só fiz ouvi-la. Solteira e sem filhos na época, nada eu teria a acrescentar para aliviar sua dor. E penso que era isso mesmo que ela queria de mim: uma ouvinte solícita e desconhecida, que esquecesse em poucos dias o incidente. Sinto-me uma traidora neste momento.

Antes de julgar a fragilidade alheia, temos que olhar para nosso passado. Quando fomos nós as vítimas das circunstâncias, como reagimos? Fomos invariavelmente maduros e resistentes diante da dor? Ou alcançamos o equilíbrio do qual hoje nos gabamos a custo de amarga experiência? Encontrar uma mão amiga nessas horas vale tanto quanto a famosa tábua de salvação para o náufrago. Nem sempre ela está disponível. Nem sempre nós estivemos dispostos a sustentar silenciosamente um amigo, quando era ele quem se afogava em um mar de desilusões.

Vivi experiência marcante neste domingo.  Habituados a freqüentar a igreja semanalmente, éramos sempre recepcionados pelo sorriso genuíno – dos lábios, dos olhos e da alma – de uma senhora. De sua face irradiava amor na sua forma mais plena: o amor cristão. O tratamento não era dispensado exclusivamente a nossa família, esse espírito angelical veio ao mundo dotado da capacidade de amar sem fazer acepção de pessoas. Éramos todos amados, de forma coletiva e individual ao mesmo tempo.

Mas neste domingo procurei em vão pelo sorriso e pela dona dele. Não estavam na capela. E que falta faziam! Não pude esconder minha preocupação, e logo vi que não era a única com esse sentimento. Felizmente, ao final do primeiro período de aulas, para alívio de nossa aflição vimos adentrar a gentil senhora. Fui depressa ao seu encontro e ao abraçá-la mencionei a falta que senti de seu sorriso. Ela, com a voz embargada pelas tribulações da vida, mas a doçura de sempre, confessou que naquele dia era ela quem precisava de um sorriso e de um abraço.

Observando a fila que se formou após mim para cumprimentá-la, compreendi uma das  verdades sublimes desta vida: aquele que distribui sorrisos em tempos de paz, colhe amor abundante em seus momentos de guerra. Por isso vence a batalha.

Suzy Rhoden

Gravataí, 07 de novembro de 2011

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Travessuras





Não sei se o Dia das Bruxas tem algo a ver com isso, fato é que minha caçulinha Sofia, 2 anos, aplicou-me uma de suas travessuras neste domingo: num piscar de olhos – e realmente não mais do que isso – ela desapareceu. Sofia é dessas crianças silenciosamente travessas, a espécie mais perigosa que existe! Não dão aviso prévio, nem qualquer sinal da arte planejada, fazendo-nos crer em sua completa absorção numa atividade. Basta um instante de vacilo, um flash de pensamento, para a pessoinha deslizar sem qualquer ruído rumo ao portal de aventuras que se abre diante de seus olhos, e ali desaparece.

Fiquei pensando a quem puxou essa criança... Filha de pai centrado e mãe muito calma, tranqüila e ponderada. Alguém acredita? Nem eu. Se travessura constasse na ficha policial, a minha seria quilométrica. Minha mãe descreve exatamente as mesmas características de Sofia em mim, nos meus longínquos 2 anos: perfeitamente ágil, rápida em manobras e, claro, adepta do silêncio dos profissionais. Pois travessura com barulho e estardalhaço é coisa de amador, não rende créditos ao travesso.

Uma de minhas primeiras ousadias, conforme relato materno, foi escalar as paredes do quarto do casal e me instalar sobre o alto roupeiro de meus pais. A casa, antiga, era feita de madeira, mas ainda assim é um  mistério como uma criança menor de 2 anos conseguiu tal proeza. Minha mãe tinha certeza de que eu estava no quarto, mas não podia me encontrar em lugar algum. Para seu chamado, a resposta era o silêncio. Eu já sabia falar, claro, mas que graça haveria em denunciar meu perfeito esconderijo? Não o fiz com o uso da palavra, mas fui traída (leia-se salva) pela providência divina: esbarrei na bíblia de minha mãe, lá em cima guardada, que desabou com estrondo revelando o meu segredo. Os olhos assustados de minha mãe pousaram então sobre uma menininha sorridente, que feliz parecia dizer: “Ok, você venceu o esconde-esconde desta vez. Mas me aguarde na próxima!”

Entre as peripécias mais lembradas por minha mãe estão as que datam da época em que eu, filha primogênita, recebi um irmãozinho. O quarto materno  se transformava em laboratório de experiências para mim diante da menor desatenção de minha mãe. Não queria fazer mal ao bebê, meu intuito era sempre o de cuidar dele tal qual cuidava de minhas bonecas. Assim, fui flagrada alimentando o pequenino numa ocasião; em outra, eu estava a medicá-lo com os remédios de minha mãe, obtidos graças a minha técnica de spider-girl. Por sorte, minha ação foi obstruída no momento em que eu me preparava para administrar a primeira dose. Mas o ato supremo de carinho foi minha mãe ter encontrado o berço móvel, de vime, onde o bebê dormia, em posição vertical, sendo que a criança estava com as pernas para o ar e eu a acariciá-la e beijá-la na face, que ficou a centímetros do chão.

Minhas aventuras preferidas, contudo, foram as vividas em companhia de meu cachorrinho Zumbi. Tínhamos a mesma idade e éramos grandes amigos. Ele era meu guia nas fugas freqüentes, me levava segura pelo vasto mundo proibido por papai e mamãe. Segura? Nada além de algumas lavouras e potreiros que atravessamos. Preciso confessar que alguns riachos também. Zumbi e eu tínhamos uma técnica infalível: assim que mamãe ouvia o choro do bebê e ia ao quarto para alimentá-lo,  nós íamos sem remorsos ao mundo para explorá-lo!

Eu seguia o cãozinho, onde quer que ele se metesse. Confiava integralmente nele, afinal era o cúmplice perfeito, aquele que jamais me trairia. Se corria perigos, não sabia. E se soubesse, não me importaria com eles. Queria fazer  minhas descobertas de criança, nasci com sede de aventura. Não me bastava o mundo limitado do quintal de casa, eu queria as emoções da viagem ao exterior – além dos campos e lavouras da família.

O cúmulo das fugas aconteceu quando ultrapassei os limites das terras vizinhas e cheguei a estrada principal, onde pelo menos uma vez por dia passava um carro – não apenas as habituais carroças ou o maquinário dos agricultores locais. Aquilo aos 2 anos era a triunfal descoberta de um novo planeta! Olhei extasiada para a rua que vinha, passava por mim, e seguia rumo ao infinito. Tal qual Neil Armstrong a pisar na lua uma década antes, aventurei meus passinhos pelo mundo mágico que se estendia a minha frente. E teria ido além, conquistado quem sabe até o sol, se não fosse interceptada por meu pai e seu olhar fatal de ‘jamais, JAMAIS tente isso novamente’. Se não sou hoje uma famosa cosmonauta como outras valentes Valentina’s, meu pai é o grande culpado. Imperdoável.

Sim, lembro bem da visão de uma criança travessa. Não existem obstáculos para ela. A lembrança desse fato me fez gelar diante do sumiço repentino de minha caçulinha. Teria ela ido desbravar a lua e os planetas sem fim?! Entendi perfeitamente os sentimentos de  minha mãe durante minhas fugas, a dor absurda, o medo da perda, o pânico que se instaura e os segundos que parecem eternos até reencontrar o pequeno aventureiro. Negligência? Talvez. Quem mandou, afinal, a mamãe exausta piscar os olhos?! Mas acima nos céus há um Pai Celestial atento que, como protegeu a mim no passado, garantiu meu reencontro quase imediato com minha travessa, sã e salva. Desvendei-lhe o esconderijo.

Em seu olhar, reconheci um familiar: “Ok, você venceu o esconde-esconde desta vez. MAS ME AGUARDE NA PRÓXIMA!”

Suzy Rhoden

Gravataí, 31 de outubro de 2011


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