Eu
particularmente amo esses dias finais que encerram os anos. Alguns dizem que é
apenas uma mudança numérica, nada que vá de fato além do calendário. Para mim é
diferente: eu realmente revejo as experiências que vivi e que me fizeram chegar
até aqui. Acabo rindo das mancadas e memorizando muito bem as trilhas erradas
que peguei, para não ter perigo de cair nelas por distração mais uma vez! E depois vem a parte boa: os acertos, os
progressos, as conquistas, os sonhos realizados, aqueles que ainda estão pela
metade mas dos quais não desistirei... Tão bom isso, renovo meu ânimo para o
ano que chega e entro nele com a certeza de que vou fazer tudo dar certo!
Mas nem
todos têm os mesmos motivos que eu para comemorar, para se alegrarem com o ano
que termina e fazerem planos em relação ao ano que vai chegar. Não será assim
para Mônica. O rostinho infantil, antes sorridente, agora estampa uma dor que
ao invés de amenizar, acentua-se com a chegada do Natal e Ano Novo. A expressão reunião familiar , tradicional nesta época, causa lágrimas que não encontram motivos pra parar de
jorrar.
E por
que o Natal e o Ano Novo de Mônica serão tristes assim? Porque algumas pessoas,
ao invés de fazerem sobriamente suas
metas e comemorarem alegremente ao lado de seus familiares, enchem a cara e sobem
em seus carros de luxo como se montassem em dragões, prontos pra destilar fogo contra
quem cruzar seus caminhos. Jalva, a mãe de Mônica, acordou cedo, feliz por mais
um dia de trabalho, por meio do qual trazia o sustento de seus 6 filhinhos.
Saiu de casa quando o dia amanhecia, mesmo horário em que as baladas entregavam
às ruas seus monstros cuidadosamente produzidos ao longo da noite, com doses fatais
de álcool e entorpecentes. Um desses monstros descontrolados arremessou-se
sobre Jalva, sugou-lhe a vida abundante, e diante do estrago fugiu acovardado. De dragão tornou-se
rato, desapareceu no esgoto de sua existência, deixando-a agonizante numa rua qualquer de Porto Alegre.
Mônica
sorria quando enterrou a mãe, tinha apenas 3 anos e não compreendia o significado
daquela despedida. Mas neste Natal, já com 6 anos, ela sabe muito bem do que
sente falta e falou sobre isso em
lágrimas com sua tia Gabriela: só quero vê-la mais uma vez, só mais uma! Por
favor, abram a caixa pra que eu possa enxergá-la mais uma vez!
A caixa
não foi aberta e Mônica não recebeu o único presente de Natal que realmente lhe
importava: ver sua mãe. Consciente da impossibilidade de tê-la ao seu lado
neste estágio de vida, fez novo pedido a
tia Gabriela: queria morrer e ir ao encontro de sua mãe, a fim de estar com ela
para sempre. A verdade é que Mônica queria ter partido naquela trágica manhã, junto com sua amada mãe... Como consolar uma criança, tendo ouvido dela tão fortes palavras? Como
restituir-lhe um pedaço que brutalmente e sem qualquer aviso prévio lhe foi
arrancado?
Não posso
eliminar sua dor, embora quisesse de todo meu coração poder fazê-lo. Não posso
sequer prometer que, assim como termina um ano e outro começa, cheio de novas
expectativas e promessas de grandes alegrias, a felicidade voltará para sua
vida. Mas posso refazer minhas metas pessoais com coragem e ousadia, e há muito
tempo elas me deixam longe das baladas, dos entorpecentes e do álcool. Termino
um ano e recomeço outro com a certeza absoluta de que não serei eu a
irresponsável a beber e dirigir, ceifando vidas por aí. Como tenho tanta
certeza? É simples: escolhi a abstinência total e absoluta de todas as
substâncias mencionadas. E escolhi me casar com um homem que compartilha dos
mesmos princípios, de modo que nossos filhos estão sendo ensinados a respeito
das consequências destrutivas de tais substâncias, e crescem livres do vício.
Surge
então a pergunta típica desta época do ano: mas uma taça de champanhe não faz
mal nenhum a saúde e você pode beber, não é? É, eu posso beber. MAS EU NÃO
QUERO, e por isso não bebo. Nenhuma gota. Há muitos anos. E NÃO ME FAZ FALTA
NENHUMA! Os anos viram, participo da ceia com minha família e me alegro junto
com eles, danço e me divirto. SEM CHAMPANHE! Aliás, meu maior orgulho é ser
casada com um homem que, assim como eu, não entende nada de marca nenhuma de
vinho, espumantes, wisky, cerveja ou qualquer coisa do tipo. Que bênção para minha família, e para as que
nos encontram no trânsito, não entendermos nada do assunto!
Para
minha querida Mônica, e tantas outras Mônicas, pequenas vítimas da
irresponsabilidade alheia, desejo sinceramente que venha um Novo Ano em suas
vidas. Sua dor não será apagada com o desejo de vingança, nem com a reprodução
da violência sofrida. Mas nas escolhas adequadas virá a paz, eu tenho certeza,
e a possibilidade de alegrias até então desconhecidas. Que nas profundezas de
sua dor encontrem a sabedoria e escolham tornar-se exemplos de vida bem vivida.
Para
todos nós, um novo ano centralizado mais nas metas e objetivos de vida do que
nas celebrações vazias; que antes de virarmos os copos brindando o ano que
chega, avaliemos se isso é realmente necessário e importante; se estamos
preparados com alguém sóbrio, apto para assumir o volante, havendo a
necessidade de locomoção. E se alguém ainda quer beber e sentir fortes emoções,
que se atire de uma ponte ao invés de ziguezaguear em alta velocidade pelas
ruas – mas que vá a pé até lá e faça isso SOZINHO, deixando as Mônicas e suas
mães vivas para celebrarem o novo ano que chega em suas vidas.
Responsabilidade
no trânsito, por favor! E um Ano Novo para Mônica é a súplica sincera de meu coração aos céus.
Suzy
Rhoden