segunda-feira, 11 de julho de 2011

Amanda

Hospital Universitário de Santa Maria - HUSM


A noite caía lentamente sobre Santa Maria, em contraste com meus passos apressados. Era domingo e eu retornava de uma reunião na igreja. Queria chegar logo a meu apartamento na Casa do Estudante. Assim eu planejava, no exato momento em que,  em frente ao Hospital Universitário, fui interceptada pela súplica de uma senhora aflita:

- Moça, você pode me ajudar a encontrar minha passagem? Ela caiu de minhas mãos, e como enxergo pouco não consigo encontrá-la. Não tenho mais nenhum dinheiro comigo.

Eu, nas mesmas condições, não tinha passagem ou dinheiro para dar àquela mulher, então orei silenciosamente ao Pai Celestial para que nos ajudasse em nossa busca. No mesmo instante em que encerrei a oração, meus olhos fixaram a passagem no chão, bem aos meus pés. Vi nos olhos da senhora o tamanho de sua gratidão. Esquecida dos motivos que  me levavam para casa com tanta pressa, ouvi atenta sua explicação: acompanhava a netinha de dois anos, internada nos hospital há vários dias. A situação da avó era angustiante, pois, terminado o dia, tinha que deixar a pequena sozinha no hospital e retornar a casa, onde seis outros netos a esperavam. Naquele dia, contudo, a pobre mulher tinha recebido da equipe médica um ultimato: Amanda precisava de acompanhante durante as 24 horas, pois entrava em crise nervosa toda vez que a avó a deixava, e ninguém no hospital tinha disponibilidade para cuidar exclusivamente dela. Com esse relato, a mulher justificava seu estado emocional, que fez com que quase perdesse sua única passagem.

Hoje olho para trás e compreendo o porquê de minha pressa. Nenhum compromisso realmente importante em casa me esperava. Mas havia com essa senhora um encontro marcado, e eu não poderia me atrasar para ele, pois então perderia algumas das mais ricas bênçãos de minha vida. Falei para a avó que me esperasse no dia seguinte, eu iria conhecer Amanda e passar a noite com ela no hospital.

Se existem palavras para descrever Amanda com exatidão, ainda não tive o privilégio de encontrá-las. Mas a sensação era a de encontrar um anjo nesta terra. Ela trazia em seu semblante a pureza celestial. Tinha o rosto mais doce e angelical que eu já tinha visto em toda minha vida! Era a personificação da meiguice e da ternura. Dentro de meu coração, eu soube que estava diante de um espírito valente, nobre e grande, que eu já conhecia e amava desde a vida pré-mortal.

Foi muito fácil conquistá-la, mas quando a avó partiu, eu soube a extensão da crise nervosa da menina: ela chorava sem cessar, a plenos pulmões. Meus esforços para acalmá-la eram todos vãos, Amanda não silenciava e assim perturbava todo hospital. Eu já estava entrando em pânico, quando subitamente veio a inspiração: comecei a cantar a canção de Natal, Jesus num Presépio, com voz suave, pouco mais do que um sussurro. Aqueles grandes olhos negros fixaram-se em mim e nossos espíritos se comunicaram. O pranto cessou de imediato e enquanto lágrimas emocionadas rolavam por minha face, Amanda adormeceu.

Passei a noite ao lado de sua caminha, estudando as escrituras. Lia um versículo e olhava para Amanda, e cada vez compreendia mais as qualidades divinas de Jesus Cristo. Aproximava-me Dele e entendia porque Ele ensinou que dos pequeninos é o reino dos céus. Tinha a impressão de que Amanda não era deste mundo, mas viera de algum lugar mais elevado para me ensinar  a ter vontade de trilhar o caminho dos céus.

Estive com Amanda por mais alguns dias e algumas noite, sempre que meus compromissos na faculdade me permitiam. Ela já não chorava quando a avó partia, mas continuei cantando canções da Primária para ela. Ela adorava. As enfermeiras diziam que Amanda estava mais feliz, sorria, brincava, encantava todos que a conheciam. Através de Amanda, também conheci e fiz amizade com todas as outras crianças e suas mães – cada uma com seu problema, sua provação terrena, e todas com o semblante de Jesus Cristo. A cada mãe eu buscava levar uma palavra de conforto, um sorriso, ou simplesmente um gesto de amor. Via em seus olhos o brilho da gratidão, e minha alma é que transbordava de felicidade por levar força e paz a almas atribuladas. 

Amanda recuperou-se, foi para casa e nunca mais a vi. Continuei visitando as outras mães, as outras crianças, e por elas soube um dia que Amanda voltara para o hospital e estava internada na Unidade de Tratamento Intensivo. Era grave o problema da menina. Porém, meu coração não se abalou: tinha a impressão de que Amanda não era mesmo deste mundo... E como toda estrela brilhante deixa após si um rastro de luz, Amanda deixou brilhando em mim o desejo de ser pura de coração, como  são as criancinhas.

Suzy Rhoden
Gravataí, 11 de julho de 2011

2 comentários:

  1. E quando eu digo que tu é um anjo tu não acredita!! Lindaaaa!!! Te adoro!
    Claudia V.F.

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  2. Claudinha, que amor você!!! Essa é da nossa época de UFSM... guardada para um momento oportuno... rsrsrsrsrs
    E se sou anjo, aprendi com certas pessoas com as quais convivi naquele tempo...
    Beijo, minha amiga amada!!!

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