sexta-feira, 8 de julho de 2011

Era uma vez...



Ainda nem nascemos neste mundo e, graças aos recursos de ultra-sonografia, tão logo constatado o gênero feminino, assumimos a identidade de “princesinhas”.  Somos cercadas de rosa e lilás e, no melhor estilo Aurora, recebemos das fadas-madrinha os dons dos quais precisaremos nesta vida: bondade, beleza, e por aí vai. É isso o que todos que vêm nos visitar nos desejam, com a melhor das intenções, uma vida linda e pura, livre de problemas e fardos a serem carregados.

Durante os breves anos de nossa infância, nós e nossos pais acreditamos piamente nisso, esquecidos da maldição que, mal chegamos à adolescência, se escancara para nós: espetar o dedo numa roca e dormir por cem anos. Mas, no nosso caso, não dormimos, aí é que despertamos e não com uma agulha espetada no dedo, mas com um punhal no coração: a primeira desilusão amorosa. Acordamos para o fato de que a vida de princesas não é tão graciosa assim, mas, como não fomos preparadas para enfrentar as decepções, passamos alguns pares de anos fragilizadas e chorosas, reclamando de nossa triste sina.

Até aí as pessoas ainda insistem que somos princesas, e nós acreditamos. Experimentamos mais do que uma vez da maçã envenenada, oferecida pela madrasta e, ainda mais frequentemente, pela melhor “amiga”. Sonhamos com o príncipe e passamos dias e dias na janela da torre à espera do valente cavaleiro, atrasado por conta de um jogo de futebol, uma pescaria improvisada com os amigos, um torneio virtual de qualquer coisa, mas nós juramos que ele esteve enfrentando dragões para nos salvar. O vivente finalmente chega e nos leva para o castelo, algo tipo pântano do Shrek, mas disso sinceramente não temos motivos para reclamar, pois a referida morada costuma ser muito mais agradável do que a convivência diária, no mais luxuoso palácio, se ele for comandado pelo sogro ou sogra.

Feitos os votos matrimoniais, adeus vida de princesa! Finalmente nos tornamos rainhas... da máquina de lavar, do fogão, da pia. Seria ótimo se nos coubesse apenas a rotina de gata borralheira, mas com a modernidade ganhamos acúmulo de tarefas no lar aliado à vida profissional fora de casa, o que exige de nós, rainhas, jornada diária de 24h. Isso antes da maternidade, pois depois, com o trabalho de preparar as princesinhas sucessoras, fazemos o milagre de estender nosso plantão para 30h por dia, e o interessante é que conseguimos!

É justamente num desses dias de 30h que nos aproximamos do espelho mágico e desabafamos: Espelho, espelho meu, existe alguém mais cansada do que eu? Cansadas das tarefas do dia, das cobranças da sociedade, da rotina, da eterna espera por um príncipe compreensivo, que entenda nosso personagem indefeso e venha voando nos salvar – não dos perigos, mas da vida insignificante que estamos levando.

Esse dia chega à vida de todas as princesas e é decisivo: subitamente vemos no espelho não a imagem de uma vítima do destino, uma princesinha dependente. Visualizamos aquelas em quem nos tornamos. As tranças de Rapunzel se unem num estilo Lara Croft e a “mocinha em perigo” dá lugar à guerreira, à heroína que sairá dali para desbravar e salvar o mundo. E é isso mesmo o que fazemos, ganhamos força incomum não apenas para carregar todo nosso fardo, mas para auxiliar as jovens que ainda não experimentaram seu processo de transformação de rastejantes lagartas em livres e independentes borboletas. Assumimos nosso novo “eu”, radiantes.

Mas a sociedade a nossa volta estará preparada para as heroínas modernas? Afinal, somos nascidas para sermos eternas princesas. Seremos cobradas, denominadas “Nervos de Aço”, consideradas mulheres sem coração em muitas situações, porque somos fortes e isso, por vezes, será confundido com frieza. Quanto a mim, não há aí um problema. É simples: terminado um dia de batalhas, visto meu mais belo vestido de Cinderela, coloco meu sapatinho de cristal, jogo uma corzinha em minha pele branca como a neve, um laço em meus cabelos pretos como o carvão, refaço as tranças de Rapunzel e na janela espero meu Príncipe chegar. Sou e sempre serei  sua Princesa, alegre e sorridente. Com ele, escolhi viver um eterno conto de fadas. Mas para os obstáculos da vida sou forte, sou brava, sou guerreira. Dualidade? Não, maturidade. Afinal, como sabiamente afirmou Adélia Prado: “Mulher é desdobrável. Eu sou.”

Das histórias de princesas de outrora, restou apenas uma frase: “Era uma vez!”

Suzy Rhoden
Gravataí, 08 de julho de 2011

Um comentário:

  1. "Uma caminhada de mil passos começa com o primeiro passo..."
    Seu primeiro passo já foi dado antes mesmo do blog!
    Parabéns e sucesso!

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