terça-feira, 19 de julho de 2011

Ousadia




Passei o fim de semana ponderando o significado dessa palavra no contexto atual em que vivemos: ousadia. Ela, pelo que ouço e leio por aí, está vinculada à idéia de coragem para fazer algo, ainda que isso seja chocante ou contradiga a opinião de muitos. Ousada, portanto, na versão moderna, é a mulher que exagera no decote ou na transparência, que se utiliza de seus atributos físicos para ascender socialmente e também aquela que se autodenomina independente, acreditando que sua liberdade justifica qualquer atitude que lhe der na cabeça, afinal, ela é livre e não deve nada para ninguém.

Tais são os reflexos da ousadia em nossos dias. Incluem-se os relacionamentos que não perduram, porque não precisam perdurar: ser ousado  é ser livre  para trocar de parceiro a qualquer tempo, quando ele não mais servir para os propósitos egoístas de um dos pares, desde que se observe rigorosamente a questão da prevenção às doenças venéreas. Para a não contaminação  sexual existe a camisinha, mas que filtro vem sendo usado para a não contaminação moral, para a preservação de valores pessoais se esta dama chamada Ousadia ascendeu socialmente e simplesmente permite tudo? 

Não, eu não vou contestar a Ousadia, porque não acredito que seja ela a vilã causadora de tamanha inversão de valores. Seus intentos são bons, mas os homens erram propositadamente na sua interpretação, fazendo com que ela se pareça com outra dama, essa sim errante, a Libertinagem. Definir-se como ousado parece mais elegante do que se confessar publicamente um libertino. E daí vem a confusão e a má interpretação. Pobre Ousadia, se vivesse nos tempos da inquisição seria proclamada herege e queimada em praça pública!

Ousar não é um problema. Há que se ter coragem para muita coisa nesta vida! Mas chamar de ousadia o ato comum de sair na rua em trajes mínimos? Poucas mulheres não o fazem hoje em dia. E se é algo comum, não é ousado. Não são questionadas, caçoadas e muito menos injuriadas. Sofrem simplesmente, em minha opinião, da falta de recato e decência, o que não é um crime considerando a dádiva do livre arbítrio. Mas ousadia aí? Sinceramente, não há.

Ousar é ter a coragem de ter padrões e valores elevados, num mundo que zomba deles. É escolher a virtude como qualidade máxima e não se importar com os títulos de “certinha” ou de “crente”, que certamente acompanharão essa decisão. É usar de sua liberdade para dizer não às drogas, bebidas alcoólicas e cigarros aí incluídos, mesmo quando é grande a pressão. É considerar o corpo sagrado demais para exibi-lo como se fosse vitrine ambulante da última moda, caso ela não esteja do tamanho dos padrões estabelecidos. É professar ser seguidor de Jesus Cristo e realmente guardar seus mandamentos num mundo cético e cheio de filosofias dos homens. Essas, sim, são escolhas ousadas, incomuns, requerem coragem e disposição de suportar perseguições, pois elas existirão e virão de todos os círculos sociais.

E se for para falarmos de pessoas ousadas, que seja de uma senhora que recentemente conheci. Tomada de compaixão por uma família com muitas crianças que, durante inverno rigoroso, não tinham além de mantas leves para se cobrir, foi para casa de onde retornou com um saco enorme de acolchoados. A família ficou emocionada com o presente, pois é raro encontrar pessoas caridosas que compartilhem parte daquilo que elas têm de sobra. O que a família presenteada nunca soube foi que argumentos essa senhora usou para explicar ao marido que dera a crianças carentes todos os cobertores de sua própria casa. Não compartilhou da sobra, deu tudo o que tinha. Quem de nós teria semelhante ousadia? Pensaríamos nos filhos dos outros antes de pensar em nós mesmos? Para os que questionam o extremismo da decisão dessa mulher, informo que ela e o marido sobreviveram. São mais felizes hoje por terem essa experiência do passado para compartilhar. E continuam ousando!

Está certo, nada tenho a ver com o tamanho da roupa alheia, com as decisões quanto a relacionamento amoroso, opção sexual ou de diversão. Mas, por favor, usem a palavra certa. Deixem a qualificação de ousados para aqueles que corajosamente tomam a decisão de serem incomuns, não para promoção pessoal, mas para trazer um pouco de decência e dignidade a este mundo conturbado.  Chocar a opinião pública é coisa de divergente, rebelde ou revoltado. Ousados fazem mais e melhor do que isso: arriscam-se. E se é para arriscar, que seja numa nobre causa Que seja para fazer, mesmo que da maneira mais humilde ou simples, deste mundo um lugar melhor para se viver.

Sinceramente, se quer ousar, ouse ser útil para alguém.


Suzy Rhoden
Gravataí, 19 de julho de 2011

2 comentários:

  1. A atitude, dada como ousada, da senhora que deu os cobertores aos pobres evoca um poema de Ghiaroni, que, se não me falha a memória, diz

    Da de ti. Da de ti quanto puderes,
    O talento, a energia, o coração.
    Da de tí para os homens e as mulheres
    Como as árvores dão e as fontes dão.

    Não apenas o sapado que não queres
    Ou a capa, que não usas no verão.
    Darás tudo o que fores, e tiveres:
    O talento, a energia, o coração.

    Darás serm refletir, sem ser notado
    De forma que ninguém diga obrigado
    Nem te deva dinheiro ou gratidão

    E assim, surpreso, tu verás um dia
    que viveste fazendo economia,
    de talento, energia e coração.

    Parabéns pelos teus textos, primorosos, que convidam à reflexão.
    Obrigado por testemunhar, que num mundo globalizado (teria a ver com a Globo/), onde muitos se empenham em banalizar os costumes, ainda há pessoas bem intencionas, e, graças a Deus, armadas da palavra facil, precisa, edificante, encorajadora. Deus, que te outorgou o porte, possa conservar sua preciosa arma, sempre engatilhada.

    E assim, surpreso, tu veras um

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  2. Angelo,

    Lindo o poema de Giuseppe Ghiaroni, complementou com exatidão e brilho a ideia do texto!
    Lindas tuas palavras, motivadoras, inspiradoras para eu me empenhar em usar cada vez mais, e com sabedoria, esta arma que é a palavra.
    Percebo que também tens o porte precioso da arma que não fere, mas penetra a alma humana com poder para curá-la...
    És convidado a retornar sempre ao blog, para enriquecê-lo com teus comentários!

    Suzy

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