sexta-feira, 29 de julho de 2011

Pé na Estrada!



Sou do tempo em que o ‘trevo do Castelinho’ de Santa Maria ficava repleto de estudantes, aos finais de semana, todos munidos de mochila, plaquinha informando a cidade pretendida e visível sede de aventura. Isso mesmo, na época era apenas uma aventura, raramente perigosa para o que oferecia ou para o que recebia a gentileza de uma carona. Os estudantes, divididos em duplas ou trios, se enfileiravam à margem da rodovia, ocupando os melhores lugares os que chegassem primeiro. Os últimos, coitados, ficavam na posição central, onde raramente um carro parava, e aí é que entrava a graça: conquistar o condutor, em questão de segundos, com a simpatia ou então com a criatividade, que era o que mais dava resultados. Perdi a conta de quantas vezes, ao lado de meus bons amigos aventureiros, protagonizei esse espetáculo.

Antes que um jovem desavisado, sentindo-se incentivado com esta crônica, vá fazer sua mochila e plaquinha personalizada, ouça a dica de alguém experiente no assunto: esqueça! Isso funcionava em outros tempos. Não se passaram tantos anos desde a minha época de universitária, mas a violência andou a passos largos, fazendo aventuras de dez anos atrás hoje parecerem loucura completa e absoluta. Infelizmente é o caso das caronas. Mas, se não podem ser vividas, por que não lidas? É apenas um outro meio para se empreender a mesma viagem...

Minhas melhores aventuras aconteceram na companhia de Gabriela. Tanto que planejávamos escrever um livro, intitulado Suz’n Gab: On the Road. Espero que minha amiga não fique muito frustrada ao ver nosso ‘best seller’ reduzido a uma crônica, isso é o melhor que meu cérebro consegue fazer em tempos atuais, considerando que não ficaram registros daqueles momentos. Para compensar, ficaram as mais divertidas lembranças, e terei o prazer de compartilhá-las, até onde minha memória alcança.

Certa vez, decidimos visitar amigos em Lajeado. Mochila nas costas, plaquinha, sorriso no rosto e pose de moças comportadas. Esse sempre foi nosso estilo, nada de extravagante ou que levasse à má interpretação de nossa situação à beira da estrada. Éramos estudantes, e deixávamos isso claro em nossa aparência modesta e recatada. Um jovem senhor nos deu seu voto de confiança e assim viajamos sãs e salvas até Lajeado. Tão logo descemos do carro, Gabriela agradeceu a gentileza e buscou-me com o olhar para também me despedir do bom rapaz que nos ajudou, mas... cadê eu?! Foram alguns instantes de procura até seus olhos encontrarem meus braços que acenavam de um buraco, à margem da rodovia, onde caí no instante em que descia do carro. Gabriela e o moço, já não tão gentil, explodiram numa gargalhada, e não sei quanto a ele, mas minha amiga bem sei que ri de mim até hoje...

Não costumo ser vingativa, mas confesso que adorei dar o troco na viagem seguinte. Lá fomos nós para Sant’Ana do Livramento, cidade natal de Gabriela. Eu, que não sou daquelas bandas, mal sabia por onde andava. Aceitamos uma carona que, de antemão, nos informou que seria difícil conseguirmos carona direta até a cidade pretendida. Sugeriu que viajássemos com ele até Rosário do Sul e nós, querendo sair de Santa Maria de uma vez, aceitamos a oferta. Que idéia infeliz! Fomos parar bem no meio do nada, nem em uma cidade, nem em outra. Lá, chegamos à conclusão, nem mosca passava, quanto mais carro, e o que é pior: carro com dois lugares vagos! Já tínhamos colocado a fé em prática através da oração, contado piada para aliviar a tensão, e então só faltava chorar, quando finalmente uma criatura vivente passou por aquelas estradas!

No carro, três moças e um condutor. Mal conseguíamos nos mexer lá dentro de tão apertado, mas não estávamos em condições de reclamar ou de esperar até a próxima semana, quando por ali passasse outro ser vivo. Esses inconvenientes fazem parte da aventura que é viajar de carona. E que aventura nesse caso! Gabriela logo começou a tagarelar, falava com o motorista, falava com as moças. Logo soube que as jovens eram dançarinas e que viajavam para um show. Gabriela ficou extasiada, dançar era uma de suas atividades favoritas! Começou a trocar dicas com as meninas. Para o rapaz ela, como boa anfitriã em sua cidade, deu sugestões de lugares para visitar com as amigas. E a conversa ia assim animada quando meus sentidos aguçados deram sinal de alerta. Liguei fatos e nomes, e tive uma certeza: o homem era proprietário de uma casa noturna, onde as moças iriam dançar. Elas, na verdade, eram prostitutas de uma conhecida zona de meretrício de Santa Maria, sobre a qual eu já tinha ouvido falar. Tinham sido contratadas para um show em Rivera, para onde o homem as conduzia. E nós junto com elas!!!

A essa altura eu nem respirava mais, a imaginação fértil foi longe: eu estava apavorada! E se fôssemos sequestradas e obrigadas a dançar em trajes mínimos?! Queria evitar compartilhar qualquer informação a nosso respeito, mas a essa altura Gabriela já estava convidando a turma para tomar o chá da tarde em sua casa. Recorri, com riscos de ser compreendida por algum dos ocupantes do veículo, ao Inglês que Gabriela e eu dominávamos, e da maneira mais discreta e autoritária  que consegui, despejei o meu ‘shut up!’. Gabriela ficou muda. De um minuto para o outro. Nem às perguntas mais simples ela respondia a partir de então, e eu mais apavorada ainda pensava: agora é que eles vão encafifar conosco!

Por sorte, o condutor fez uma parada num posto de gasolina e todos saímos do carro para tomar um ar. Consegui contar para Gabi sobre minhas deduções e pedi a ela que fosse discreta, mas que não mudasse radicalmente de atitude para não criar desconfianças da parte deles sobre nós. Mas quem disse que ela queria voltar para o carro? Queria fugir correndo num momento de distração do grupo, ou então informar que nos enganamos e que nosso destino final era ali mesmo, naquele lugar nenhum.

Não teve jeito, voltamos para o carro. Felizmente, Livramento já se avistava e logo estaríamos em casa. Ou não. Eis a questão! Os quilômetros finais foram decisivos, dentro de cada uma de nós a luta interna contra o pânico. Até que, mediante nossa solicitação, o carro parou. E gentilmente o condutor do veículo abriu a porta para que descêssemos, expressando gratidão por nossa companhia tão agradável ao longo da viagem. As meninas, também sorridentes, se despediram. E, naturalmente, o olhar fulminante de Gabriela me atingiu: belo julgamento, hein, dona Suzy!

Já nos afastávamos do carro, quando o homem nos chamou de volta: “Ei, esperem! Tenho um convite para vocês. Adoraria vê-las protagonizando um espetáculo em minha casa de shows, aqui vocês têm meu contato”. Ficamos com um folheto na mão e eles partiram em gargalhadas. A imagem no folheto não deixava dúvidas quanto ao tipo de show. Foi a minha vez de fulminar minha amiga com o olhar, pronunciando: quanta ingenuidade, hein, dona Gabriela!

E encerramos o assunto com uma gargalhada que dura até hoje.

Suzy Rhoden
Gravataí, 28 de julho de 2011



3 comentários:

  1. kkkkk, muito boa, Suzy! Comecei a rir imaginando a cena. Também pensei se entraria no carro novamente. Mas e se a próxima carona fosse pior?
    Estas suas histórias levam a gente num ritmo só até o final. E com plaquinha??? Essa eu desconhecia.

    Um beijão pra você! E outro pra sua amiga, afinal... também foi protagonista. E ótima.

    Tais luso

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  2. Suzy!!! Como você não me deu do link do blog antes???? Menina, eu não conhecia esse seu talento! Vou divulgar no meu (pobre) blog e na minha lista de e-mails, ok? bjs

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  3. Juliana, criei o blog recentemente e aos poucos vou divulgando entre os amigos. Fico muito feliz com seu apreço por meus escritos, agradeço a gentileza de incluir em sua lista de emails e por compartilhar em seu blog.
    Volte sempre, com seus lindos comentários!
    Beijos,
    Suzy

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