quinta-feira, 7 de julho de 2011

O Menino que Sabia Javanês




A história já foi divulgada no Facebook e amplamente comentada nesta manhã, mas guardei as reflexões que ela me proporcionou para este momento e para este espaço, já que para isso exatamente ele foi criado: compartilhar as grandes experiências que se escondem atrás dos pequenos e aparentemente insignificantes detalhes do cotidiano. Hoje experimentei algo desse tipo.

Eu utilizava o computador, cercada por meus filhos menores. Um deles, de 4 anos, mexia nos meus livros, retirando um após outro da estante,  e pronunciava palavras que eu não conseguia discernir o significado, de forma lenta e cadenciada. Perguntei-lhe o que estava fazendo, ao que recebi como resposta: “Lendo, mamãe. Estou tentando ler.” Era isso, ele lia os títulos das obras.

Sua resposta nada tinha de extraordinário, considerando as respostas perspicazes que temos recebido de crianças bem pequenas, em nossa época, para os mais diversos assuntos. Sua atitude também seria facilmente justificada no fato de ser ele filho de professora de Inglês, o que explica, além do interesse pelos livros, a pronúncia “estranha”, num outro idioma. Mas minha resposta e minha atitude diante de sua sutil solicitação, essa sim suscitaria, pelo menos para mim mesma, séria e ponderada explicação.

Não havia em suas palavras, alegres como foram ditas, qualquer forma de cobrança. Mas vi-me cobrando a mim mesma: o que estou fazendo de mais importante, que não estou ensinando meu filho a ler?! Sem culpas, foi essa a primeira vez em que ele manifestou claramente esse desejo. Sem receios também, eu realmente queria saber como estava empregando meu tempo, não para atribuir a mim mesma o prêmio de mãe relapsa do ano, mas para entender em que pontos específicos eu poderia me aperfeiçoar e melhor corresponder às expectativas de meus filhos. O que haveria de mais importante do que estar com eles e viver com eles cada nova fase, cada descoberta, cada progresso, seja no mundo das letras, seja no mundo das dores e frustrações a que todos nós estamos submetidos? Que privilégio acompanhar, viver de perto tudo isso, como intermediadores, facilitadores do acesso por onde eles, por seus próprios passos, no futuro andarão.

As ponderações não acabam aí. Coincidentemente, li ontem        um conto de Lima Barreto, O Homem que Sabia Javanês. O autor extrapola em sua crítica bem-humorada ao valor do “título” e do “status” em nossa sociedade, em detrimento do real saber, o que permite que malandros como seu protagonista Castelo alcancem situação privilegiada com base na mentira e na astúcia. O conto data de 1911, mas poderia ter sido escrito nesta semana, substituindo simplesmente o personagem Castelo, que se autodenominou professor de Javanês sem jamais ter conhecido o idioma, por um certo Leonardo que exerceu ilegalmente a medicina por 10 anos no nordeste brasileiro! A pergunta é: quando meu filho solicita meu tempo para aprender a ler, ou seja o que lhe interessar, estou concedendo isso a ele ou permitindo que ele atinja seus objetivos pelos piores meios, tal qual um Castelo da ficção, ou um Leonardo da vida real?

O assunto é recorrente, eu sei. E não tenho a pretensão de dar lição de moral em ninguém. Mas humildemente venho alertar a mim mesma que, na qualidade de mãe, estou formando cidadãos  conscientes de seus direitos e deveres em uma sociedade, ou então o oposto: pessoas somente conscientes dos benefícios que poderão ter, não importando os meios para isso. O tempo que dispenso na formação do caráter dos meus filhos, não tenho dúvidas, é fundamental para as escolhas que eles farão na vida e para aqueles em quem eles se tornarão.

Com todas essas considerações em mente, nesta manhã, não hesitei em sair do computador quando meu filho verbalizou seu desejo de aprender a ler. O tempo que passamos juntos não mudou muito a sua situação em termos de alfabetização, ele continua apenas “tentando” ler. Mas  agora ele sabe que estarei “tentando” junto com ele, por mais difícil ou cansativo que  esse processo possa ser. Não quero encurtar caminhos para ele. Se realmente desejar ser médico ou professor de Javanês, terá que trilhar o longo caminho que o leva a esse destino. E terá uma mãe ao lado, atenta, para cobrar quando for necessário, e aplaudir quando for merecido.

Suzy Rhoden
Gravataí, 07 de julho de 2011

2 comentários:

  1. Nossa é verdade amiga as vezes me pego nesse dilema quando vejo meus filhos fazendo coisas incríveis e eu alheia muitas vezes a essa experiências, muito bom teu texto e tentarei mudar pra formar cidadãos melhores pra esse nosso MUNDO carente de decência.Bjsssss e parabéns teu blog esta maravilhoso !!!!!!

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  2. Jana,
    Obrigada pelo elogio ao Blog, e pelo comentário que faz a proposta de reflexão acima ter valor =)
    A ideia é essa, que nós mães possamos rever nossas atitudes no dia-a-dia, pois atribuladas com mil coisas às vezes nem nos damos conta das pequenas grandes oportunidades de ensino informal!
    Beijos,
    Suzy

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