quarta-feira, 13 de julho de 2011

Vizinhos






Chegamos de mala, cuia e cachorro a nossa nova residência e eles já estão lá, a nossa espera. Para socorro bem-vindo sempre na hora exata, ou então para exercício, por tempo indeterminado, de nossa paciência. O fato é que eles estão lá e farão parte de nossa trajetória, rendendo possivelmente, como neste caso, novas e divertidas histórias... Afinal, quem não tem algo cômico, trágico ou pelo menos memorável para contar sobre seus vizinhos? Eles em geral compõem ótimos personagens, e acrescentam à trama de nossa vida uma variedade de emoções.

A primeira a surgir sorridente é a vizinha trabalhadora. Trabalha tanto, mas tanto mesmo, que mal temos a oportunidade de vê-la, de falar com ela. Quando o fazemos, contudo, é um momento agradável... e breve, claro. Não sabemos ao certo o quanto somos estimados por ela, não enquanto formos seus vizinhos. Mas um dia futuro, em um encontro inesperado na rua, ouvimos surpresos a declaração: “Nunca tive vizinhos melhores! Sinto sua falta.” Pobre vizinha, ocupada demais com os afazeres do dia-a-dia, ama em pensamento, sem tempo para demonstrar o amor que sente. Quando o faz, age como alguém que envia um ovo de Páscoa na noite de Natal.

            Depois vem o casal em crise, que protagoniza os maiores escândalos do bairro. Desses fazemos questão de nos livrar o mais rápido possível, antes que sejamos envolvidos em seus conflitos... ou eles se mudam, ou damos nós um jeito de mudar! E, na mudança, que azar, vamos parar bem ao lado do sujeito misterioso... A casa sempre fechada, como se ninguém vivesse ali. Mas de repente, quando menos esperamos, eis o sujeito sentado, olhar distante, em algum canto de seu quintal. Um piscar de olhos é suficiente para o homem sumir, e, em questão de segundos, reaparecer em alguma janela. Age como se não nos visse, alheio a nossa presença. E nós, sinceramente, não fazemos questão nenhuma de nos tornarmos visíveis ao seu estranho olhar.

            Por outro lado, a comunicação é animadora, embora tímida, com os vizinhos da esquerda. Família alegre, crianças na casa. Mas são reservados como nós, o que faz com que os assuntos não evoluam muito além de: “Como vão as crianças?” “Oh, estão bem. Nada além de um resfriado.” “Normal, considerando este nosso clima.”. Esse é o teor da prosa, cada um colocando-se à disposição do outro em caso de necessidade, mas sabendo que nunca será solicitado. Relação agradável, que cresce gradativamente e poderia se tornar algo que chamaríamos de amizade ao longo de dez ou quinze anos. Mas claro que mudamos dali muito antes disso.

              Na chegada a nova residência, somos recepcionados por duas amáveis senhoras, vizinhas da frente. Apressam-se em acenar para nós, cada uma de seu terreno, do outro lado da rua, distribuindo convites para um chimarrão em sua casa tão breve quanto possível. A recepção é calorosa e naturalmente nos sentimos gratos, felizes por um clima tão amistoso em nossa rua. Temos a idéia de reunir ambas as vizinhas para uma tarde agradável em nossa casa. Infeliz idéia! Pois só então descobrimos que somos alvo da disputa de duas inimigas mortais – inimizade essa iniciada quando um distraído pé de manga fez o favor de nascer no terreno de uma e lançar seus galhos e frutos sobre a propriedade da outra! Triste...

            Enquanto a disputa prossegue sem trégua do outro lado da rua, enfrentamos o inimigo dentro das paredes de nossa própria casa! Sim, as paredes parecem ter ouvidos e deixam a nítida sensação de terem olhos também, pois é constante a incômoda impressão de estarmos sendo vigiados. Não demora muito para compreendermos que os fantasmas têm corpo: ouvidos, olhos e principalmente línguas afiadas! Claro que têm sorrisos também, os quais supomos que tenham sido comprados nos mesmos lugares onde hoje em dia, infelizmente, se consegue identidade ou carteira de habilitação falsa. O jeito é andar na ponta dos pés e evitar todo ruído enquanto fazemos as malas, pois se existe algo que ninguém merece são vizinhos que supervisionam cada passo nosso, dentro de nossa própria casa!

            Dessa vez, vamos parar bem em frente à cantora mais famosa da região, e bem ao lado do local onde ela e sua banda fazem seus ensaios. Na verdade, estamos cercados pela família e nos sentimos, de certa forma, intrusos no ninho de músicos. Felizmente, a música é agradável aos ouvidos e a relação entre vizinhos amigável. Não temos queixas uns dos outros durante os memoráveis dois meses que ali moramos. Isso mesmo, dois meses. Esse é o problema de se nascer com asas, é preciso usá-las.

            E em nosso novo vôo, vamos parar ao lado de uma adorável e inesquecível senhora, chamada Júlia. Quantas vezes nos falamos por cima do muro! Mas o que ela mais gosta mesmo é de falar com as crianças através de um buraco, que os coloca em condição de igualdade. Para os meninos, aquela é uma passagem secreta que os leva direto para bolachas e guloseimas de todo tipo. Basta que eles pronunciem o código secreto “viziiiiiiiinha” e imediatamente algo delicioso e surpreendente aparece diante de seus olhos, e um sorriso puro de criança é observado tanto de um lado, quanto do outro do muro. Querida Júlia, sentimos saudades! Neste momento, somos nós que lhe enviamos a mais bela cesta de Natal, na manhã de Páscoa.

            Como os bons vizinhos não duram para sempre, a fila anda. Temos então que rever nossos gostos musicais – já que o novo vizinho não nos dá opção, sobretudo nas madrugadas – e chegamos a seguinte conclusão: detestamos funk bem mais do que pensávamos! Passamos a detestar pagode também. E definitivamente dance music é um estilo interessante nas danceterias, mas insuportável no nosso quarto, em volume exageradamente alto, às três horas da madrugada!

            Afortunadamente, assim como existe o adolescente rebelde, existem os bondosos avôs na vizinhança. Sempre amáveis e sorridentes, solicitam nossa ajuda para trocar lâmpadas, programar a televisão, e coisas do tipo, fazendo questão de pagar o serviço – não importa quantas vezes informemos que a ajuda é gentileza – com os mais deliciosos bolos e quitutes. Vizinhos assim não têm preço! Mas são os poucos, em uma vasta lista de lembranças, que para nós têm nome, telefone e endereço.

            Nova mudança e dessa vez quem se destaca é a vizinha da direita. É aquela que parece estar de plantão, sempre a espera de uma solicitação para servir, inclusive nos horários mais surpreendentes. Ela simplesmente está lá, disponível, alegre e sorridente, cheia de gentilezas... para o marido da gente!!! Esse tipo perigoso e venenoso, infelizmente,  encontra-se em todas as esquinas nos tempos atuais. E elas nem disfarçam a preferência, quanto mais “casado”, melhor! Como elas são ágeis, o que inviabiliza uma nova mudança imediatamente, a sugestão é investir no muro... ou no marido, de modo que ele literalmente não tenha tempo de olhar para os lados.

            Mas também existem as vizinhas que se tornam nossas melhores amigas, nossas cúmplices e confidentes. Que ouvem, que aconselham, que dão palpite. Também levam bronca nossa quando julgamos necessário! Tornam-se, pouco a pouco, a nossa família, a nossa referência, dando-nos a confortante sensação de que, onde quer que estejamos, não somos estrangeiros, pois encontramos um lar. São raras, como tudo que é precioso nesta vida, mas existem, e mais do que uma vez tive o privilégio de ir parar bem ao seu lado.

            E assim, de casa em casa, de cidade em cidade, eles se multiplicam. São únicos e inconfundíveis, das mais diversas idades, raças e perfis. Em minha mente, eles chegam como quem vem para uma festa à fantasia, cada um encenando seu próprio papel em minha vida. Impossível não sorrir, não me divertir com seus personagens ao vê-los de repente todos juntos! É exatamente neste momento que me dou conta de algo da máxima importância: E eu, que espécie de personagem componho como vizinha dos meus vizinhos?



Melhor eu descobrir o que eles andam escrevendo por aí...

                                                                          Suzy Rhoden
Gravataí, 13 de julho de 2011

Um comentário:

  1. rsrsr... Ótima! Mas eu nunca tive vizinho algum para me orgulhar ou sentir saudades, Suzy! Entendo bem esta sua crônica, cruz-credo. Como toda boa libriana e gentil... os tiros sairam pela culatra. E como a dor ensina a gemer, não dou nada além de um Bom Dia a toda a vizinhança do condomínio. Tenho uma crônica sobre vizinhos que deixo aqui pra você. Um beijão, amiga, adorei estas suas vizinhas, principalmente os músicos! rsrs. Seus textos prendem do começo ao fim, um ritmo delicioso.

    http://taisluso.blogspot.com/2010/05/nossos-vizinhos.html

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