quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Em cada desastre, uma arte!



É praticamente uma arte.

Existe uma graça, uma leveza, até mesmo um certo charme. Como se aquele improviso fosse necessário ao espetáculo, porém não poderia vir planejado. Ele simplesmente acontece, na hora exata. E confere toda graça ao show, justamente por ser espontâneo. O público aplaude.

Mas nem sempre é assim tão divertido para o artista, o desastrado nato.

Percebi que havia algo de errado ainda em minha infância. Como se estímulos cerebrais andassem para um lado, braços e pernas para o outro. Por que não se entendiam? Não sei, fato é que enquanto estes últimos protestavam, copos e pratos caíam, espatifavam-se no chão. Desastrado que é desastrado mesmo faz barulho. Tenta consertar. E aí é que aumenta mais o estrago.

Não é um simples ‘cair das mãos’, brusco, seco. Não; é um deslizar quase irônico, suave. Como se o objeto ainda risse antes de saltar de nossas mãos, e fizesse questão de chegar ao chão com todo estardalhaço. A mesma coisa pode ser dita das placas, dos postes e muros que cismam em se posicionar bem a nossa frente. Ou dos buracos no caminho. Ou aquelas portas de vidro, de alto a baixo, que eu chamo de ‘detector de desastrado’!

Bem, na adolescência o drama se confirmou. Numa linda manhã de verão, na praia. Fui, toda bela e sorridente, para a aeróbica com as senhoras da terceira idade. Éramos todos convidados a participar, sem preconceitos. Mas logo recebi uns olhares atravessados das senhoras, e certamente o título nada elegante de ‘atropeladora de velhinhas’. Um fiasco!

Mas não sou de traumatizar com qualquer coisa. Voltei a investir nos exercícios físicos e nos esportes durante a faculdade. Na aula de aeróbica, eu era muito esforçada. Lembrava do episódio com as vovozinhas e dava tudo de mim, até decorar os passos. O problema é que quando eu finalmente conseguia, o professor anunciava: atenção para a nova sequência! E recomeçava meu dilema.

Com o jumping foi a mesma história... Comecei lá na frente, toda animada, bem perto da professora; terminei no fundão, escondida, e de mal com os espelhos.

Tentei certa vez o futebol, e foi muito instrutivo. Para que eu não terminasse o jogo sem encostar o pé na bola, me deram a chance de cobrar uma falta. Eu acho que fiz gol, pois ao final do jogo recebi um elogio: você se sai muito bem com bola parada! Fiquei muito feliz com a observação, pois todos sabemos que futebol é um esporte estático... não voltei aos estádios.

Mas comecei o judô. E nesse me dei muito bem. Tinha a agilidade necessária para render qualquer adversário. Desastrado é assim, é ágil, faz o que tiver que fazer. Mas se tiver que parar no meio do exercício para pensar onde coloca perna, braços, essas coisas, adeus! Tudo sai errado. Nas atividades em aula, eu era um fracasso. Maior chatice contar passos para cá, passos para lá, e então aplicar o golpe. Mas na disputa no tatame, nenhuma moça me vencia! Pelo menos não naquela turma, composta por mim, minha amiga Danni, e os rapazes.

Chegou o momento de obter minha tão sonhada CNH! Exame médico, teste psicológico, prova teórica: gabaritei. Modéstia a parte, sempre fui aluna nota 10. Não seria agora que eu experimentaria a sensação do fracasso, não é? Sim, seria agora. Imaginem o quanto é exigido de um desastrado numa aula prática de direção: olhos à frente, no espelho interno, retrovisor; mãos na direção, no câmbio de marchas, para acionar faróis, piscas, e etc no painel; pés ora no acelerador, ora no freio e embreagem. É demais para uma descoordenada como eu! Em algumas aulas, eu já estava em pânico. Penso que meu instrutor também, revisou todos os seus métodos didáticos e ainda teve tempo e oportunidade para a inovação. E eu  lá, praticando...

Mas como todo desastrado é um artista, na hora certa dei meu show. Não passei na primeira prova, é verdade. Mas então me indignei e fui para o segundo exame com a sede dos perfeccionistas! Comecei o temido teste da baliza e já de início passei dos pontos de referência, tão ensaiados durante as aulas. Erro fatal, e agora?! Tive a impressão de ver, ao longe, meu instrutor sacudir a cabeça negativamente, e aí foi uma questão de honra! Agi como no tatame: sem nem pensar nos detalhes, cheguei para a luta propriamente dita. Ou, melhor ainda, inspirada na última cena de Memorial de Maria Moura, dominei meu cavalo e fui para o ‘tudo ou nada’ contra minhas limitações. Aprovação com excelência, 0 pontos negativos.

É praticamente uma arte. Desperta o riso, provoca o artista e suscita o aplauso. Sempre na hora exata.

Suzy Rhoden

Gravataí, 19 de agosto de 2011






5 comentários:

  1. Sou assim, sempre me considerei um desastre, mas em certas artes dominei, sou professora de classe de alfabetização, e adoro, interajo muito bem com as crianças.
    Quanto a CNH, "um desastre", na última prova arrasei, adoro dirigir.
    É bom nos arriscarmos em tudo,tentar, porque se queremos, é possível, sim.
    Beijos da Mery.

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  2. Ah, não: eu sou genial, amiga!! Aprendi a dirigir com meu pai, calmo, dirigia muito bem. Só que ele não se deu conta de que a filha não era igual: usava a buzina pra tudo, achava que buzinando o outro entraria em alerta. Foi quando uma vaca atravessava, camalmente a estrada para Viamão! Usei da buzina e ela nada: insisti e nada! Meu pai teve de abraçar a direção e usar o pedal sobre o meu pé, e fazer uma parada estratégica!

    Porém, consegui tirar minha carteira! rsrs. Aprendi que com vaca não tem diplomacia.

    beijos!

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  3. Lendo a tua cronica me deu uma saudade imensa.. Lembrei das aulas de judo, "daquela turma". Eu assistindo você praticando.
    Lembranças boas de um tempo que não volta mais, mas que certamente te ajudaram a ser esta pessoa que és hoje.
    TU éS o que escreve.
    Beijo e aquele abraço bem apertado cheio de saudade.
    Lu

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  4. Queridas Mery, Tais e Lu:

    Mery, é isso mesmo, penso que temos que ser corajosos o suficiente para arriscar, buscar novos conhecimentos e muitas vezes superarmos nossas próprias limitações, como foi para obtermos nossa CNH!Atualmente também amo dirigir... já pensou se tivéssemos desistido?! Felizmente aqui estamos, contando nossa história com final feliz!

    Tais, até agora estou rindo da vaca desavisada que foi se atravessar na sua frente! rsrsrsrs Que buzina, que nada! rsersrsrsrs Adorei!!!

    Lu, saudades é pouco para aqueles bons tempos de UFSM... e nosso bolo de aniversário para Marcelo, no judô??? kkkkk Você lembra de um dos rapazes da turma, chamado Sergio Renê? Acabei sendo vizinha da mãe dele em Santa Maria e eu e ele nos reencontramos e relembramos os tempos de judocas... bom demais reviver tudo isso!
    Beijão, querida!!!

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  5. Suzy, a cada crônia, história que tu contas, vejo a grande escritora que és. Realmente és o que esrceves. Isso faz uma baita diferença no sentido das histórias. Muito bom mesmo! Dei risada ao te imaginar nas aulas de judô. Agora, sobre a auto-escola, eu já sabia!!!kkk

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