segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Nossas Carências




Inoportunas e indiscretas, é sempre na hora errada que elas se revelam. Gostam de público amplo e variado, dias inusitados, totalmente fora da agenda. Manifestam-se descaradamente enquanto se riem por dentro da vergonha que nos fazem passar. Sua missão é trazer à tona tudo que há de tolo e imaturo dentro de nós, num espetáculo memorável para qualquer platéia – e infelizmente para o protagonista também. Exatamente assim agem contra nós as nossas piores inimigas: as carências.

Momentos de carência são típicos do ser humano. Administrar emoções é algo que se aprende com a prática – não adianta, teoria nenhuma dá conta -, o que significa alguns deslizes amorosos e cicatrizes diversas no coração. Alguns lidam melhor com isso, é fato. Outros vivenciam uma espécie de adolescência tardia, adotando comportamento rebelde e discurso do tipo “sou auto-suficiente, não preciso de ninguém” quando o óbvio está escancarado. Ainda existe um grupo que desaba sobre os primeiros ouvidos que aparecem na frente, vulneráveis e fragilizados, implorantes por atenção. Que risco correm esses! Pois na ânsia de desabafar com qualquer ouvido, esquecem de medir o tamanho da língua do ouvinte...

Há os que optam pelo desabafo com desconhecidos. Jogam tudo para fora, com a certeza de jamais serem cobrados pela insanidade momentânea. Fui, certa vez, surpreendida pelas confidências da mãe de uma aluna no curso de Inglês. Com as malas prontas para retornar a Bahia, seu estado natal, a  mulher fez questão de deixar em terras gaúchas cada uma de suas mágoas: contou-me tudo nos mínimos detalhes. Desde a infidelidade do marido até o doloroso processo de separação. Só fiz ouvi-la. Solteira e sem filhos na época, nada eu teria a acrescentar para aliviar sua dor. E penso que era isso mesmo que ela queria de mim: uma ouvinte solícita e desconhecida, que esquecesse em poucos dias o incidente. Sinto-me uma traidora neste momento.

Antes de julgar a fragilidade alheia, temos que olhar para nosso passado. Quando fomos nós as vítimas das circunstâncias, como reagimos? Fomos invariavelmente maduros e resistentes diante da dor? Ou alcançamos o equilíbrio do qual hoje nos gabamos a custo de amarga experiência? Encontrar uma mão amiga nessas horas vale tanto quanto a famosa tábua de salvação para o náufrago. Nem sempre ela está disponível. Nem sempre nós estivemos dispostos a sustentar silenciosamente um amigo, quando era ele quem se afogava em um mar de desilusões.

Vivi experiência marcante neste domingo.  Habituados a freqüentar a igreja semanalmente, éramos sempre recepcionados pelo sorriso genuíno – dos lábios, dos olhos e da alma – de uma senhora. De sua face irradiava amor na sua forma mais plena: o amor cristão. O tratamento não era dispensado exclusivamente a nossa família, esse espírito angelical veio ao mundo dotado da capacidade de amar sem fazer acepção de pessoas. Éramos todos amados, de forma coletiva e individual ao mesmo tempo.

Mas neste domingo procurei em vão pelo sorriso e pela dona dele. Não estavam na capela. E que falta faziam! Não pude esconder minha preocupação, e logo vi que não era a única com esse sentimento. Felizmente, ao final do primeiro período de aulas, para alívio de nossa aflição vimos adentrar a gentil senhora. Fui depressa ao seu encontro e ao abraçá-la mencionei a falta que senti de seu sorriso. Ela, com a voz embargada pelas tribulações da vida, mas a doçura de sempre, confessou que naquele dia era ela quem precisava de um sorriso e de um abraço.

Observando a fila que se formou após mim para cumprimentá-la, compreendi uma das  verdades sublimes desta vida: aquele que distribui sorrisos em tempos de paz, colhe amor abundante em seus momentos de guerra. Por isso vence a batalha.

Suzy Rhoden

Gravataí, 07 de novembro de 2011

10 comentários:

  1. Nooooossa,Suzy, arrepiei!

    Lindo demais e tão verdadeiro isso!

    E como faz bem o abraço na hora certa, tanto pra dar quanto para receber.

    Que bom que essa linda e boa senhora encontrou tanto calor nos abraços de amigos...


    Legal!!! beijos,tudo de bom,chica

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  2. Suzy, acredito que quanto mais frágil for a nossa estrutura espiritual maior é a chance de ficarmos sujeitos às fragilidades da carência. Uma pessoa de muita fé é capaz de suportar em silêncio as maiores intempéries da vida.
    Seu texto é um primor!

    Beijos

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  3. Amei o texto tão comovente...*
    Como disse a Chica é bom demais um abraço nas horas* em que mais precisamos...
    *amigos são pedras preciosas.
    "Antes de julgar a fragilidade alheia, temos que olhar...*)
    Bom ler esse relato, obrigada por partilhar conosco. Te sigo.
    Beijo da Mery*
    Se puder, me faz uma visitinha, ok.

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  4. Oi, Suzy, todos temos nossas carências e elas muitas vezes nos surpreendem, aparecem quando menos esperamos. Uns se dão conta, outros não. Todos nós precisamos de alguém, achar esse alguém não é fácil. É claro que quando a coisa extrapola, fica difícil de aguentar certas carências; existem pessoas que parecem que são o centro do mundo e que os outros são meros figurantes. E querem atenção demais. Aí a coisa fica feia... Insuportável, pois ninguém quer ser bobo de ninguém. E nem psiquiatra de alguém; só pagando.

    Como temos de administrar nossos ouvidos, acho que também temos de administrar nossa língua e nossas atitudes; não é assim, ir chegando e despejando... Já escrevi sobre uma pessoa assim, inconveniente. Ter 'tato' é muito importante; o meio-termo em tudo. Assim seremos ouvidos, seremos queridos e bem-vindos, sempre. Até acho que ouvirmos alguém, muitas vezes, é um ato de solidariedade - pois ninguém está muito a fim - mas que não abusem!

    Beleza de texto, amiga.
    Beijão.

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  5. Tais, muito prudente seu comentário, chamando atenção para o 'outro lado', um ângulo da situação que não abordei no texto. Optei por falar das carências de modo generalizado e num contexto leve, desconsiderando os casos que indubitavelmente requerem ajuda médica - e não de meros figurantes!

    Concordo integralmente com você, que a fragilidade momentânea e até algum disparate ocasional estão justificados, merecem nosso esforço por empatia. Mas quando o carente se torna um fardo que insiste em ser carregado para todo lado, sai o amigo de cena e entra o psiquiatra.

    Grata por sua opinião e complemento perfeitos. Beijos!

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  6. OI SUZY!
    TEU TEXTO FALA, SOBRE CARÊNCIAS,
    TODOS AS TEMOS,CLARO ALGUNS CONSEGUEM CAMUFLÁ-LAS, OUTROS AS EXPÕEM,MAS FAZEM PARTE DE SERES QUE SOMOS, SEMPRE EM EVOLUÇÃO.
    ESTA SENHORA DO SORRISO,COMO DIZES, É DAQUELAS LUZES QUE VEM PARA A TERRA FAZENDO A DIFERENÇA, QUE BOM TERES A SORTE DE CONHECE-LA.
    GOSTEI, VOU VOLTAR, AINDA MAIS QUE SOMOS CONTERRÂNEAS.
    SOU DE POA, "TRI LEGAL"
    ABRÇS
    . http://www.zilanicelia.blogspot.com/

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  7. Suzy,
    Somos todos carentes, não é verdade? Quem não gosta de um abraço, um sorriso, um carinho. Eu por exemplo vim até aqui agradecer seu doce comentário em meu blog,e encontrei esse texto tão lindo.
    Um beijo
    Denise

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  8. Oi Suzy!

    Muito interessante sua postagem.

    Penso que nós mulheres contamo com um item que interfere muito em nosso estado emocional.
    Bom..eu sofro. A TPM.
    Sei que sua abordagem está longe disse.
    Mas eu nesta fase fico transtornada.
    Se a carencia é momentanea nesta fase ela se alastra.. e deixa num estado que é dificil explicar pela razão.

    Em maior ou menor grau todos sentimos fata de algo em determinada época. Por isso é bom sempre manter a mente ativa, ler, passear, ter amigos..
    Não deixar que estes sentimentso fiquem por muito tempo em nosso coração....


    Um beijo..

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  9. Olá Suzy!
    Vi seu comentário escrito tão lindamente no Blog da Néia "Eterno" e resolvi conhecer seu espaço,que por sinal é uma graça!
    Gostei muito!
    Textos lindos,sensíveis,e coerentes.
    "Nossas Carências",é uma postagem emocionante.
    Já virei fã!
    Bjs!

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  10. Querida Suzy,

    primeiramente obrigado pela linda mensagem em "Por um amor que se vai". Sua inferência acerca do assunto é clara e precisa: parti porque não havia outra opção. E quanto mais me distancio, mais percebo a ilusão do momento vivido, e com alívio vem a certeza que uma nova aportagem me aguarda. Quanto ao seu texto, a carência afetiva é um mal dos novos tempos. E suprir a carência muitas vezes não é tarefa fácil. Mas uma palavra amiga, uma mensagem simples e afetuosa, um toque sutil ou um abraço sincero como no caso, são suficentes para nos transbordarem de afetividade. Lindo texto, onde vejo nas entrelinhas o magnífico ser humano no todo que é você. Beijos

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