domingo, 5 de fevereiro de 2012

Aventura na Serra



Lembro de minha vida de universitária com saudades. São muitos os episódios memoráveis, dentro e fora de sala de aula. Quando chegavam as férias, a cidade universitária ficava deserta, permanecendo ali somente os bolsistas envolvidos em pesquisas. Era o meu caso e o de alguns amigos. Para não surtar, elaborávamos programas alternativos para o fim de semana, incluindo boa dose de aventura e adrenalina.

Numa dessas ocasiões, decidimos subir a Serra de Santa Maria e explorar as diversas cachoeiras existentes na região. Enchemos uma caixa térmica com carne para o churrasco, outra com bebidas, e mais algumas mochilas com água e lanche. E lançamo-nos à aventura.

O passeio ia muito bem, as cachoeiras eram incrivelmente lindas! Tão lindas que nos estimulavam a pensar nas mais ousadas poses para fotos... Uma delas, fizemos de mãos dadas de um a outro lado do rio, sobre a represa improvisada poucos metros acima da queda das águas. Tenho vontade de gritar de pavor quando relembro a cena em minha mente, pois bastaria o desequilíbrio de um de nós, para todos cairmos e sermos engolidos pelas violentas águas a nossa frente. Se o trágico desfecho não se deu conosco, tivemos a demonstração exata do que aconteceria quando a caixa de bebidas escapou das mãos de Giovano e precipitou-se cachoeira abaixo... Assistimos de longe à explosão das latas quando se chocavam com a água, após a queda.

Mas a aventura ainda não estava completa: faltava chover. E choveu, apesar do sol com o qual deixamos o centro de Santa Maria. As escadarias que ligavam uma cachoeira a outra, antes seguras, agora eram lisas e escorregadias. Um passo em falso e seríamos lançados no precipício. Sem nossas bebidas, tínhamos também o churrasco comprometido em função do mau tempo. Ainda assim, confiantes numa passageira chuva de verão, avançamos.

Finalmente chegamos a um afluente do rio principal, e decidimos nos aventurar por ele, com água ora pela canela, ora pelo pescoço. Ao longo do rio, encontramos bifurcações, para as quais fazíamos escolhas ao acaso. Depois de algumas horas, alguém se lembrou de perguntar: para onde exatamente estamos indo? E como retornamos? Então veio a brilhante constatação: estávamos perdidos!

Não tínhamos a menor ideia de nossa localização. A aventura começou a ganhar ares de filme de terror, só faltava a mansão mal assombrada... Não faltava mais, acabamos de vê-la! Bem a nossa frente, imponente, num ponto alto da serra. Atraídos por ela, alcançamos a margem do rio e subimos na direção da casa de pedras. Matos crescidos em volta davam indícios de abandono, como se nenhuma alma habitasse ali. Ou, pior, de que talvez somente as almas se sentissem à vontade naquele lugar...

Corajosamente avançamos. A construção era impecável, no melhor estilo medieval, o que causava sobre nós fascínio absoluto. Recoberta por pedras grandes, apresentava torres nas suas laterais, simulando um castelo dos contos-de-fadas. As janelas ogivais  não deixavam dúvidas quanto à inspiração no estilo gótico, embora o vidro transparente insinuasse a influência renascentista. Curiosos, contemplamos a mobília, numa vã tentativa de precisar há quanto tempo não era utilizada. Meses, anos, talvez décadas? Assim deliberávamos, até sermos interrompidos pelo grito abafado de Danni, pálida, apontando para o alto da escada...

Era um caixão, não havia dúvidas! Na parte superior da casa, mas perfeitamente visível para nós, que nesse momento tínhamos os rostos colados ao vidro. Não ousávamos falar, sufocados tanto pelo medo, quanto pela adrenalina do momento. Muitas vezes ouvíramos histórias sobre casas mal-assombradas, e todas incluiam um caixão. Mas nunca levamos a sério, discerníamos perfeitamente bem realidade e ficção. Agora tudo parecia confuso, como se tivéssemos sido subitamente projetados em um filme de terror.

Finalmente, o silêncio foi rompido. Considerando a tensão na qual nos encontrávamos, ouvir algo foi um alívio... Até darmo-nos conta de que nenhum de nós havia falado! Como numa coreografia ensaiada, giramos nossas cabeças na direção da voz inquiridora, e nos deparamos com um homem em pé entre as hortênsias, a fitar-nos com seriedade.  Há quanto tempo nos observava? Ou teria se materializado ali naquele instante? Um calafrio percorreu-nos a espinha enquanto ele repetia, com voz que parecia vir de outro século, a pergunta intimidadora: “O que vocês procuram aqui?”

- Não procuramos nada não, senhor! Apenas nos perdemos de nossa trilha, mas não se preocupe que já estamos indo.

E fomos. Em disparada, sem olhar pra trás. Talvez porque o olhar do homem não fosse muito amistoso... Ou porque ele parecesse tão antigo quanto as pedras do local. Seria ele o caseiro? Ou quem sabe o dono do caixão... Definitivamente, não queríamos saber a resposta: há momentos em que a dúvida é o melhor que se tem.

Pelo menos para algo serviu o episódio com o homem: encontramos rapidamente o rumo de casa. A partir de então, toda vez que alguém teve a ideia de me convidar pra subir a Serra, respondi com convicção: Eu adoraria, mas sabe como é vida de bolsista da faculdade, muita pesquisa pra fazer... Vai você, depois me conta como foi!  

Suzy Rhoden
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