domingo, 4 de março de 2012

Cavalheirismo: alguém viu por aí?



As facilitações do mundo moderno nos privam, muitas vezes, de experiências significativas. Quem, por exemplo, trocaria o conforto de seu carro, equipado com ar condicionado, entre outros tantos benefícios, pelos sacolejantes coletivos urbanos? Nem eu. Mas penso que se vivêssemos uma única vez no mês essa experiência, teríamos outra visão de mundo e talvez até mudássemos atitudes diárias. No mínimo, daríamos mais atenção àquilo que é nosso dever, como pais, de transmitir a nossos filhos em casa.

Fiz isso recentemente, troquei o carro pelo coletivo. Estava a caminho de um curso, pensando no quanto seria instruída ao longo daquele dia. Só não imaginava que as maiores lições viriam antes do ingresso na sala de aula, e que teriam um impacto grandioso em minha vida.

Tudo começou na parada de ônibus – desses intermunicipais, que circulam pela região metropolitana. Juntamente comigo, havia uma fila de adolescentes, provavelmente a caminho da escola. Eu disse ‘uma fila’? Não, sonho meu. Não se sabe o que é isso em paradas de ônibus. Ao invés de fila e organização, havia uma manada de elefantes correndo para seu objetivo – os poucos assentos ainda disponíveis – dispostos a atropelar quem quer que cruzasse seu caminho. Como eu não tinha planos de terminar pisoteada já na primeira hora da manhã, afastei-me e deixei que os jovens levassem a cabo seu intento.

Mas eis que surge uma luz no fim do túnel: um rapaz se deixou ficar para trás do grupo, até que sobramos ele e eu. De maneira alguma eu seria um empecilho para ele, não me adiantei. Então, para minha surpresa, ouvi a frase: a senhora primeiro, por favor. Ganhei meu dia! Sério, abri um sorriso de orelha a orelha, percebi que este mundo egoísta não está completamente perdido. Agradeci a gentileza e subi no coletivo, pensando na mãe atenciosa que estava por trás daquela atitude, pois inquestionavelmente cortesia e cavalheirismo se aprendem em casa.

O grupo falante logo chegou ao seu destino, e os assentos foram novamente tomados por homens robustos a caminho de seus trabalhos. Entre tantos que subiam, estava uma mãe com uma criança de colo. Era visível sua dificuldade, dividida entre segurar a criança, a bolsa que carregava, e firmar-se para não cair com os solavancos do coletivo. Fiquei imaginando qual dos senhores seria o mais rápido em se levantar, oferecendo seu assento para a mãe. Procurei nos rostos indícios de cavalheirismo, tentando adivinhar onde estaria o melhor marido, o bom pai, pois nossa atitude em sociedade é um reflexo de como vivemos dentro das paredes de nosso lar.

Mas esperei em vão: nenhum, NENHUM homem sequer se levantou. Nenhum para representar a espécie, que nesse momento recebeu completamente o meu desprezo. Óbvio que me levantei e cedi à senhora o meu lugar, agradecendo intimamente por nenhum daqueles homens ser meu esposo, pois tive um breve vislumbre do tratamento que dispensam às mães de seus filhos...

Após um dia de compromissos, estava eu novamente na parada aguardando o coletivo, a caminho de casa, quando fui abordada por uma senhora agoniada: “Você viu, minha filha? O motorista não parou pra mim!” Como assim?! Perplexa, ouvi a idosa me explicar que frequentemente vivencia o mesmo problema. Com dificuldades para andar, vê as portas do coletivo se fecharem antes que ela possa ter acesso a ele. A situação piora se ela por acaso carregar uma sacola plástica consigo. Certa vez questionou a respeito disso e lhe disseram simplesmente que mendigos não são bem-vindos no ônibus! Fiquei pasma! Que direito um motorista tem de julgar quem entra ou não em ‘seu’ veículo, e com que critérios? A marca da roupa?! A idade?! A idosa enxugou uma lágrima que lhe escorreu pelo rosto enquanto dizia: “Quando chegamos nesta idade, não temos mais valor, somos invisíveis para a sociedade. Somos um fardo que ninguém quer carregar, ainda que estejamos pagando a passagem em transportes que são ditos públicos”.

Não sei explicar minha indignação quando presencio fatos dessa natureza. A impressão inicial é a de que todos saem de casa com tanta pressa, que acabam esquecendo trancados no quarto o RESPEITO e a GENTILEZA. Mas logo vem a constatação inequívoca: não houve esquecimento, cavalheirismo nos dias de hoje é palavra em extinção, digna de um enorme PROCURA-SE atrelado a ela. A cortesia não ficou em casa, na verdade, nem sequer passou por lá. Pois quem aprende a respeitar o próximo no âmbito familiar, nunca mais esquece, não comete equívocos, não apresenta falhas nesse setor.

A idosa disse mais naquele seu momento de desabafo: “Você lembrará de mim, minha filha, quando seu tempo passar e você estiver com  minha idade. Saberá que nada somos, nada valemos, nada significamos.” Um nó na garganta silenciou minhas palavras, vi naquela senhora o futuro de minha geração. Os fortes trabalhadores, incapazes de ceder o assento a uma mãe com dificuldades, serão os velhinhos de amanhã, ignorados por jovens com fones de ouvido, alheios a tudo e a todos, focalizados unicamente em suas próprias necessidades. E a manada de elefantes perderá seu viço, sua pressa, serão facilmente convertidos em formigas no meio da multidão. Do mesmo jeito que atropelam hoje, serão esmagados amanhã.

Mas nem tudo está perdido: lembrei do jovem educado com o qual tive contato pela manhã.  Certamente aprendeu com seus pais a ter  respeito pelo próximo. E ensinará seus filhos a andarem pelo mesmo caminho. Serão poucos, mas brilharão no meio da multidão. E por causa de seu brilho, estarão naturalmente em evidência e não poderão jamais ser esmagados.

Suzy Rhoden

7 comentários:

  1. Oi Suzy, sua crônica mostra bem a realidade horrorosa que temos vivido, a falta de educação prolifera num ritmo acelerado, parece um mal, uma doença contagiosa.
    O que não me deixa perder a esperança é saber que algumas famílias ainda prezam por orientarem os filhos, fazendo deles verdadeiros cavalheiros.
    É uma alegria sem medida ter em casa pessoas que respeitam, dão atenção aos mais velhos e se comportam com uma educação esmerada, agradeço a Deus todos os dias por isso. Tenho certeza que na sua família também seja assim Suzy, pois como diz o ditado: os pais serão sempre o melhor exemplo para os filhos.

    Beijos

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  2. Olá Suzy :)
    Cavalheirismo por aqui,é algo raríssimo.
    Acredito que esse procedimento tão nobre,está escasso em quase todos os lugares.
    E como faz falta uma cortesia,delicadeza,uma boa educação,enfim,respeito ao próximo.
    Bjs!
    Boa semana!

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  3. Suzy:

    Nada mais verdadeiro do que este seu texto. Gentilezas, respeito e solidariedade hoje? Raro, amiga!
    O mundo está com pressa, parece que vai acabar amanhã, o que não duvido! Tenho constatado que ninguém está mais aí para ninguém, com raras exceções. Todos estressados atrás do consumismo, isso é o que prevalece, e depois de passarem o dia correndo e atropelando, vão para redes sociais, fazer um socialzinho, aquele que realmente gostariam que acontecesse: com mais calma, com maior integração. Mas é um mundo virtual. Também com seus problemas, e nele, também dá para sentir como são as pessoas.

    Você fala em ceder lugar para senhoras dentro do ônibus? Esqueça, amiga! Hoje vivemos numa redoma de insatisfações, de incompreensões e de grossura. Ninguém se entende mais. Nos jogos de futebol, o que deveria ser visto com entusiasmo e alegria... olhe só os rolos! Nas filas de Bancos, dos supermercados (já escrevi sobre), no trânsito... tudo revela o nosso espírito de hoje, ou seja, o modo de vida do século 21!

    Grande beijo, custou a aparecer, mas mandou bem!
    Tais Luso

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  4. Olá, Susy...
    Quanta verdade em seu texto, aliás, digníssimo texto.
    Só o olhar atento, de quem, muitas vezes é escritor, dos observadores de almas sabem bem como é angustiante ver que tudo a nossa volta não são historinhas maléficas e sim FATOS!
    Enquanto há a observação, parece que o observador é o centro de um filme, no estilo Gye Richtie, ex de Madonna...o ponto de ebulição acontece enquanto o observador, em câmera lenta, pacificamente vê a muitos ataques em nossa moral, estima, fraquezas diárias engolidas pela incapacidade de lidarmos com questões tão absurdas, cita-se os homens que não cederam lugar, que o resultado em nossa psiquê é de puro espanto!
    Mas, ainda "restam" os que tiveram berço, sabe de onde vieram e por uma fração de segundo conseguem mudar muito da ignorância a que se veem inseridos.
    Abraços,
    Sandra

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  5. Suzy!

    Como sempre seus textos nos obrigam a rever nossas atitudes. Nesse mundo louco não duvidaria em nada que venhamos a cometer certos deslizes que tanto odiamos nos outros! Bom encontrar pessoas, assim como vc, que nos abrem os olhos.

    Concordo plenamente com vc, a falta de educação dos adultos estão cada vez mais se refletindo nas crianças e nos jovens. Eles, se que, conhecem a palavra ‘gentileza’, quanto mais praticá-la.

    Sair às ruas de carro também é um exercício de tolerância, viu amiga. A falta de educação dos pedestres é outra coisa que me incomoda muito. Alguns simplesmente desconsideram as calçadas, eles andam mesmo no meio da rua, e o motorista é que se estrepe pra desviar.

    Bom estar aqui, bom estar de volta! Muita saudade de todos!

    Bjo imenso!
    Sueli Gallacci

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  6. Que coisa isso,não?

    Gentileza anda faltando muito. Acabei de vir de um almoço , onde uma daquelas piriguetes se atravancou com seu prato à minha frente, quase me esbarrando só pra não perder o "lugar! na fila do buffet.

    Coitada, pois na hora já tive certeza, ela vai passar a tarde no banheiro, piriguete dumas figas,rsrs...

    E assim é por todos os lugares...

    Ana escassa mesmo por todos os lugares.

    Fico feliz quando encontro. E olha, não são apenas os jovens que n]ao a tem.

    Tem cada idoso que dá vontade de explodir na hora, tamanha grossura e falta de gentileza e respeito. Podes ver no trânsito... Bem, nem vou falar mais, já vimos tudo,né???
    Até quando?

    Tomara consigamos passar noções às crianças...beijos,chica,lindo fds!

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  7. Olá,Suzy!

    Belíssimo seu texto querida!
    É apavorante o comportamento hoje em dia!Infelizmente as famílias não estão fazendo seu trabalho, não estão educando seus filhos!Não vemos mais tanta gentileza quanto existia antigamente!É um vergonha!
    Mas nós como mães fazemos nossa parte, e educamos nossos filhos para serem gentis e solidários!E vamos torcer para que mais gente pense assim...
    Afinal todos querem um mundo melhor!Mas esquecem que este mundo melhor começa em cada lar.
    Beijos!!!Tudo de bom!

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