quinta-feira, 26 de abril de 2012

Julgamentos Precipitados



Viajavam quatro mulheres em um carro, quando o sinal vermelho provocou a parada obrigatória exatamente ao lado de um motoqueiro. Disse a motorista, ao vê-lo com a cabeça voltada para a direção de seu carro: “Todos iguais! Não podem ver um carro cheio de mulheres bonitas sem quebrar o pescoço olhando para dentro do veículo!”. “Não, querida – replicou uma das caronas – ele não está olhando pra nós. Observe sua moto barata, típica de assaltantes de farol. Ele está tentando descobrir o que há de valor dentro de seu carro, toma cuidado!”. Percebendo a divergência das amigas, deu sua opinião a terceira ocupante do veículo: “Nem para nós, nem para o carro: ele está simplesmente olhando para a loja de motos do outro lado da rua!”. A quarta ocupante do veículo absteve-se de comentários, mais ocupada em analisar a atitude das moças do que com a real intenção do rapaz: de minhas observações nasceu esta crônica.

Uma certeza restou inequívoca para mim: temos o julgamento precipitado por hábito. Julgamos conforme nossos valores – ou segundo a falta deles! Emitimos juízo a partir daquilo que para nós mais importa, seja nossa vaidade, sejam nossos bens. Olhamos para o outro através da lente que revela nosso próprio coração. Vemos nele nosso reflexo invertido, como a imagem no espelho.

Felizmente, há entre nós os que são sensatos: aqueles que olham para a cena inteira antes de emitir julgamento. Não complicam, não minimizam nem aumentam. Não almejam julgar intenções, descrevem exatamente o que vêem – nem mais, nem menos. Ingênuos? Não, não são. Conseguem perceber perigos reais. Mas não criam perigos desnecessários e inconvenientes onde eles não precisam existir! Nem se deixam mover pela vaidade, pela necessidade de atenção. Substituem a palavra julgamento por discernimento, e assim agem com sabedoria em todas as situações.

O problema dos julgamentos precipitados é que eles invadem relacionamentos e provocam mal-entendidos. Coisas banais transformam-se em tempestades que abalam famílias inteiras – tudo porque uns julgam os outros, criticam, antecipam intenções que talvez nem sejam reais. Amizades de infância são destruídas num instante e uma pilha de boas lembranças é jogada no lixo sem piedade por algo que um pensou que o outro quisesse dizer ou intencionasse fazer... Desatam-se laços, cavam-se abismos e a explicação para tão insana atitude reside exclusivamente no orgulho humano, que faz um pensar que é melhor – mais  belo, mais rico, mais inteligente, mais isso, mais aquilo... – do  que o outro. Lastimável.

Em discurso recente, o líder religioso Dieter Uchtdorf expressou-se nestes termos: “Esse assunto de julgar os outros poderia de fato ser ensinado em um sermão de duas palavras. No que se relaciona a ódio, maledicência, desprezo, infâmia, rancor ou o desejo de magoar, apliquem o seguinte: PAREM JÁ! É muito simples. Simplesmente temos de parar de julgar os outros e substituir os pensamentos e sentimentos dessa natureza por um coração cheio de amor a Deus e a Seus filhos.”

De fato, é disso que precisamos: parar imediatamente de julgar. Não perderemos nosso discernimento ou nossa habilidade para prever  perigos por causa disso. Mas estaremos aptos a ver o perigo somente onde ele está, e não em tudo e todos ao nosso redor. Descomplicar é o segredo.

O sinal abriu e  motoqueiro e sua moto barata avançaram. Quanto a nós, no carro importado, a sensação foi de permanecermos estagnadas na vida, limitadas por nossos próprios juízos precipitados, incapazes de evolução. Dentro da consciência de cada uma, piscava um insistente alerta vermelho ordenando: pare já!


Suzy Rhoden

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Escolher a Boa Parte...



Há alguns dias, uma amiga compartilhava comigo, sem muita empolgação, o programa de seu fim de semana. Passara o dia numa mansão, ora mergulhando na gigantesca piscina, ora desfrutando do jardim impecavelmente bem cuidado. Para o almoço, fora servido um banquete, seguido de deliciosas sobremesas e lanches saborosos ao longo da tarde. Perguntei de que ela reclamava, afinal! Pois tivera o final de semana dos sonhos de qualquer mortal. Não entendia a falta de entusiasmo em seu relato... Ela então desabafou: pretendia visitar uma amiga querida, passar o dia com ela e não com seus bens materiais. A anfitriã, porém, na ânsia por bem servir, ocupou-se o dia inteiro com os detalhes práticos da recepção. Ofereceu tudo menos o que a convidada mais queria: companhia.

Não pude evitar a comparação com a história bíblica das irmãs Marta e Maria, na ocasião em que receberam Jesus Cristo em sua casa. A primeira, “andava distraída com muitos serviços”, enquanto que a segunda assentou-se aos pés do Salvador para ouvi-lo. Naturalmente, Marta tinha as melhores intenções, queria oferecer inquestionável recepção ao convidado. Com esse pensamento, criticou a atitude da irmã, solicitando ajuda em seus afazeres. Reveladora foi a resposta de Jesus para essa situação: “Marta, Marta, estás ansiosa e preocupada com muitas coisas, mas uma só é necessária. E Maria escolheu a boa parte, a qual não lhe será tirada” (Lucas 10: 41-42).

Antes de apontar o dedo para Marta, voltemos no tempo: quantas vezes  agimos exatamente da mesma maneira? Recebemos um amigo em nossa casa e nos empenhamos em garantir-lhe o melhor cardápio, a melhor hospedagem, no melhor quarto que possuímos. Apenas esquecemos de ouvi-lo. E no dia seguinte ele se foi, carregando no peito o mesmo dilema com o qual nos procurou. Oferecemos o melhor, mas não aquilo que ele precisava.

Ou então agimos como a Marta inquieta no fim de semana reservado para a família. Acompanhamos o filho no jogo da escola, mas apenas de corpo presente. O pensamento está bem longe, preso aos problemas do escritório. Quantos gols mesmo ele fez? Que pena, para a vida não há replay! Perdemos não apenas um grande lance do jogo, mas um momento específico da vida dele que nem as melhores fotografias trarão de volta.

Nossos momentos de Marta não se restringem a vivência familiar e ao círculo de amigos, basta pensar na Páscoa que acabamos de celebrar: quantos ovos compartilhados? Vários, de todos os sabores e tamanhos. Como fomos ensinados na escola, representam a renovação, etc, etc. Sinceramente, o que o chocolate tem a ver com a ressurreição de Jesus Cristo?! Pois na data especial, quem visita nossa casa é o coelho e não Aquele que expiou por nossos pecados e nos deu a chance de vida eterna e plenitude da alegria. Paramos pra ouvir o Salvador no fim de semana sagrado? Provavelmente estivemos ocupados com muitos serviços, nem sequer notamos Sua presença e as bênçãos que a dádiva de Sua ressurreição acrescentam a nossa vida diária.

Tal como Marta, fazemos escolhas que consideramos boas. Mas serão as melhores e as mais excelentes para aquele momento? Tenho me preocupado muito com isso ultimamente, com o sábio uso de meu tempo. Avalio com cautela as atividades nas quais me envolvo, para ter certeza de que trarão recompensa duradoura. Procuro entender a necessidade real de um amigo – se lhe falta alimento para o corpo ou alimento para a alma – antes de me lançar em tarefas que somente me ocuparão, sem edificar de fato a nenhum de nós dois.

Posso dizer que a esta altura de minha vida pouco me importam as mansões, as piscinas, os jardins bem-cuidados, se neles eu tiver que ficar só. Dispenso banquetes servidos somente para agradar, afirmo que pipocas de microondas acompanhadas de boas risadas tem muito mais valor e sabor. Entendo a motivação das Martas, mas declaro que gosto mesmo é das Marias – essas sim fazem uma falta enorme no universo! Estão, porém, em extinção. Devem ter sido atropeladas pelo mundo moderno e competitivo, sendo facilmente absorvidas pelas Martas atarefadas da vida.

Nosso tempo é precioso, merece ser bem aproveitado. Mas não é na quantidade de tarefas diárias que ele poderá ser medido. Escolher a boa parte requer sabedoria, discernimento; requer algumas tardes apenas ouvindo... Mas quem tem tempo para isso? Ninguém. Ninguém tem tempo para ser sábio em nossos dias.

Suzy Rhoden

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