domingo, 20 de maio de 2012

Os Esportes... e Eu!



Recentemente, apesar de meus apelos reivindicando o livre arbítrio que pensava possuir, fui jogada para dentro de uma quadra de basquete na condição de jogadora. Foram minutos intermináveis de tortura para mim, pois é tarefa cansativa correr de um campo a outro fugindo da bola... É isso mesmo, eu fugia da bola! Que mais poderia fazer uma pessoa com pouco mais de um metro jogando contra outros de praticamente 2 metros?! Tenho amor à vida e um pouco de sanidade ainda me resta!

Não satisfeito com o fiasco, meu professor me levou direto do basquete para a quadra de futsal – eu praticamente amarrada, óbvio! Pelo menos era um esporte acessível aos de estatura privilegiada como eu... Além disso, nesse esporte eu tinha certa experiência: havia jogado no time da faculdade. Se eu era da equipe? Não, joguei uma única vez. E fui dispensada... traumatizante!

Nessas condições – pronta pra detestar a experiência – entrei  em campo. E amei o jogo! Verdade, eu amei. Joguei com energia, disposição. Era apenas uma brincadeira, por que não vivê-la intensamente? Foi essa minha decisão, de modo que mudei a estratégia: ao invés de fugir da bola, passei a disputá-la. Acredito que essa atitude fez toda diferença: quando parei de me omitir, descobri que  era capaz de jogar futebol até com certa habilidade. Não havia dado a mim mesma a chance de descobrir isso, desistindo diante da primeira dificuldade em outros tempos. Que bom que os anos não me trouxeram somente rugas, mas também um pouco de maturidade!

Quantas vezes agimos como a criança que diz, diante do prato preparado pela mãe: “não comi e não gostei”? Fazemos isso em relação aos esportes, resistimos à atividade física. Sabemos que hoje em dia não se fala em saúde dissociada dos exercícios regulares, mas, da mesma forma que as  crianças, pretendemos comer o bife e a batata frita, dispensando o brócolis. Jogamos para a lixeira não somente oportunidades de melhorar nosso condicionamento, como momentos de prazer e diversão que se revelam para quem paga o preço da diligência nesse setor.

Não posso negar que fui uma adolescente muito ativa, contudo evitei o aperfeiçoamento em algumas áreas. Pensava ser descoordenada, desastrada demais pra me dar bem nos esportes. Então deixava os outros brilharem sem sequer tentar conquistar meu espaço; acreditava que haveria sempre alguém melhor do que eu pra completar o time. Pra compensar, atirei-me nos livros, e isso foi ótimo. Li muito nesta vida! Mas hoje penso que poderia ter existido, desde cedo, um  equilíbrio maior nas atividades as quais devotei meu tempo.

Descobri a corrida aos 30 anos, preparando-me para o teste de aptidão física de um concurso. Nunca em minha vida havia sido desafiada a correr! Responsabilizo parcialmente meus professores de Educação Física, pois nem sequer me ofereceram a oportunidade de conhecer o atletismo. Nossas aulas restringiam-se basicamente ao vôlei, no máximo ao futebol. A corrida me parecia a mais cansativa das atividades, a menos atrativa de todas. Pois foi por ela justamente que me apaixonei desde o primeiro treino na pista da Universidade Federal de Santa Maria. Aperfeiçoei tanto meu desempenho que a sensação é de ter corrido a vida inteira...

Hoje, quando convido minhas amigas pra correr comigo, ouço respostas tipo: detesto! Tudo bem, algumas pessoas realmente detestam. Eu, por exemplo, ainda não me apaixonei pelo basquete... mas que nossa atitude pode ser mais positiva acerca do assunto, pode sim, com certeza! Se não gostamos de uma modalidade esportiva, escolhamos outra. O que não podemos, definitivamente, é ficar parados reclamando do peso, da saúde fragilizada, do sedentarismo. Somos senhores de nossos corpos, eles merecem cuidado e atenção, merecem o sacrifício do brócolis até encontrarmos a salada que mais nos agrada!

Por fim, registro minha gratidão aos bons mestres que tenho tido em tempos atuais. Se não fosse a façanha de um certo professor, que me desafiou a ter experiências com diferentes esportes, eu provavelmente ainda resistiria ao futebol... pena que as aulas acabaram, pois ele estava bem próximo de um milagre também na quadra de basquete!

Mas, se uma aula maravilhosa chegou ao fim, outra aula viciante está em curso e diz respeito às artes marciais, minha mais recente paixão. Segundo meu excelente mestre e a gentileza de alguns colegas, levo jeito pra coisa... Que esplêndida descoberta a ser feita no caminho dos 40, estou realizada! Olho para a Suzy de 15 anos atrás e digo desafiadora: bem feito pra você, que ficou lendo tanto livro na vida e evitando os esportes! Deixou-me inteligente o suficiente para hoje dar conta de ambos e encontrar satisfação em tudo que faço.

Suzy Rhoden

sábado, 12 de maio de 2012

Quem não tem TV em casa...




Há algum tempo percebo que nem minhas gargalhadas nem minhas evasivas satisfazem meus inquiridores acerca do delicado assunto, portanto, para alegria geral da nação, confesso publicamente: é verdade, Jef e eu não tínhamos TV em casa quando nos casamos! Foi de fato a última de nossas aquisições. O que, naturalmente, nos deu o tempo necessário para outros investimentos...

A pergunta descarada me persegue: você não tem TV em casa? Uma amiga, muito abusada, deu-se ao trabalho de somar os meses durante os quais estive gestante, chegando a um número assustador que prefiro não divulgar. Outro amigo, ainda mais cara de pau,  dá a si mesmo o direito de me interromper, sempre que sugiro ter alguma novidade, para exclamar: Já sei, você está grávida!  Ao que respondo de imediato: E desde quando isso é novidade?!

Pois é, para esses invejosos informo que está chegando meu dia. Ao cubo, em versão tripla. Ou seja, três vezes mais abraços, mais beijos carinhosos, mais felicitações. Três presentes. Três apresentações especialmente para mim nas escolas onde estudam. Três cartões preenchidos com rabiscos e garatujas, nos quais apareço enorme na parte central, simbolizando o espaço que ocupo em seus corações. E mais uma série tripla de muitas coisas, desconhecidas completamente daqueles que têm TV em casa...

A questão é pessoal, varia de casal pra casal, e precisa ser contextualizada antes de qualquer julgamento. Pois posso ser vista como uma vítima do acaso, uma pobre mãe desinformada que se vê grávida a cada ano. E então os olhares são de piedade. Para outros, posso ser a mãe relapsa e inconseqüente, que vê na atividade de gerar filhos um entretenimento, e assim vai povoando irresponsavelmente esta terra já superlotada. Aqui, os olhares são de reprovação. Poucos acreditam que, em tempos modernos, existam casais relativamente bem-estruturados – e a questão não é exclusivamente financeira – que  desejem conscientemente ter mais do que 2 filhos. Mas esse é justamente o meu caso.

Vejo um mundo moderno no qual a família deixou de ser prioridade. O popular “quem casa quer casa” evoluiu para “quem casa quer mansão, carro do ano e lua-de-mel na Europa”. Para tanto, é preciso estudar e trabalhar muito. Como os filhos interferem nesse processo, são deixados para algum tempo futuro – se a profissão permitir! E como a ascensão profissional raramente permite, são inúmeros os casais sem filhos hoje em dia.

Além disso, filhos significam gastos, investimentos constantes e contínuos. Maioria dos pais prefere não arriscar sem antes ter preparado o “berço de ouro” no qual a criança será nascida e criada. Certos ou errados na precaução? Depende. Pois já vi muito bebê bem nascido tornar-se adulto mimado e sem limites, provavelmente em função da vida fácil que sempre levou. Enquanto que outras crianças, modestas no estilo de vida, tornaram-se cidadãos de bem, conscientes de seus direitos e de seus deveres numa sociedade. Valores e princípios morais independem do patrimônio da família; são, contudo, o maior legado que se pode deixar a próxima geração.

De minha parte, fiz uma escolha e extraio dela alegrias diárias. Talvez minha viagem dos sonhos demore um pouco mais pra acontecer... Quem sabe nunca aconteça, absorvida por outras prioridades! Troquei conscientemente a pose planejada em frente ao Louvre pelas fotos descabeladas no Parcão da cidade, correndo atrás de meu trio. São essas que, em algum dia futuro, me trarão lágrimas aos olhos, guardando em si as lembranças mais queridas. Pois nelas, sem qualquer glamour, ficará estampada minha melhor definição de felicidade.

Filhos são bênçãos, por isso escolhi triplicar as minhas. Com bom senso e responsabilidade. Com amor incondicional. Com a firme decisão de nutrir, cuidar e educar. Com a disposição de sacrificar meus próprios interesses em prol do bem-estar da família. Se não fosse assim, eu não os teria.

Espero ter sanado a curiosidade de meus inquiridores. A TV foi adquirida, mas traz programas tão pouco interessantes, que já nem serve como método contraceptivo eficiente em nossos dias... Mas perigo mesmo é ficar sem internet! Por sinal, minha assinatura está vencida há alguns dias... Será?!

Suzy Rhoden



terça-feira, 1 de maio de 2012

A Barraqueira de Gravataí



Na fila, à espera do intermunicipal que a levaria de volta para casa em Gravataí, Celeste repassava seu dia mentalmente. Acordara antes das cinco da manhã, como fazia todos os dias, pra preparar o café-da-manhã pra mãe idosa, a qual levantaria por volta de sete horas pra ouvir as notas de falecimento no rádio. Não havia quem a convencesse a ficar na cama até mais tarde nos dias frios, dizia que isso era mania de dondoca, coisa que ela nunca fora na vida. Claro que ela voltava para a cama antes das nove, e ora dormia, ora assistia TV, assim fazendo pelo resto do dia. Mas dondoca ela não era, pois acordava cedo e não havia quem pudesse dizer o contrário! Celeste sorriu diante desse pensamento, amava sua mãe e  suas manias. Fazia tudo por ela há muitos anos, desde quando a viu adoecer pela primeira vez. A situação só piorou, de modo que Celeste esqueceu de si mesma e passou a viver para a mãe e para o trabalho exclusivamente.


Bem, na verdade Celeste pretendia viver unicamente para a mãe e para o trabalho. Mas os vizinhos descobriram logo sua bondade. E então, sempre que alguém precisava de um favor, era para a casa de Celeste que corria. Ela não sabia dizer se eram seus olhos azuis que atraíam tanta gente, fato é que desde a falta de açúcar até a necessidade de uma babá em pleno feriado, lá estavam tocando a campainha de Celeste. Quantas vezes seu cérebro disse um NÃO veemente, enquanto seus lábios a traíam oferecendo um sorriso e um: será um prazer ajudar! A porta se escancarava e adentravam 1, 2, até 3 crianças para passarem com ela o dia.

Mas ela era Celeste, dizia sua mãe desde o berço. Tinha a obrigação de honrar o nome e ser a personificação da serenidade, da calma e da tranqüilidade. Suas atitudes não podiam, em hipótese alguma, contrariar a bondade do azul de seus olhos. Afinal, uma Celeste, celestial deveria ser. E ponto final, sem chance de vírgulas, reticências ou qualquer pontuação que desse margem a  argumentação contra seu destino traçado.

No trabalho, pouca coisa mudava. Ela era a invisível secretária, que chegava antes de todo mundo para garantir o funcionamento do escritório, e se despedia depois que todos já tinham partido, tendo a certeza de que nada falharia nos planos para o dia seguinte – nem para os próximos 10 anos! Discreta e eficiente, executava com perfeição tudo que o chefe solicitava. Raramente ouvia um obrigado, mas não se importava: não era movida por elogios, pra falar a verdade nem sabia o que isso significava. E se alguém elogiava algo nela, eram seus olhos meigos, dóceis, o que na prática era sinônimo de exploração iminente.

Na parada de ônibus, cansada e com frio, em tudo isso Celeste pensava. Não conseguia lutar contra a força do nome que carregava, nem minimizar os efeitos dos olhos tranqüilos. Podia seu mundo estar desabando por dentro, que as pessoas a viam celestializada. Não lhe davam chance de atitude diversa, tinha de agir como a bondade personificada. Era secretária no escritório, em casa e no bairro, por todos os lugares onde passava! Aquela que faz tudo silenciosamente, com um sorriso no rosto e ainda pergunta com o olhar: que mais posso fazer para lhe servir? Essa era ela, Celeste Maria dos Anjos.

Mas, embora poucos saibam, até mesmo as criaturas celestiais tem seu momento de anjo decaído, quando todos os bons princípios são esquecidos num ímpeto de fúria e rebeldia: Celeste teve  seu momento! Viu passar por ela, na longa fila do ônibus, uma madame toda vestida de rosa e lilás, falando ao telefone. Andava como se desfilasse na passarela, sobre salto 15, jogando os longos cabelos loiros para trás com a afetação de seu andar. Em uma das mãos o celular – rosa, é claro – e na outra, várias sacolas, indicando um longo e cansativo dia no shopping. Era disso, justamente, que a moça reclamava no instante em que ultrapassou Celeste na fila, colocando-se para dentro do ônibus como quem, em função do dia cansativo, seria facilmente perdoada pelo equívoco.

Pela primeira vez na vida, os olhos azuis de Celeste tornaram-se cinza e os Anjos deixaram-na sem nome e sobrenome para honrar: Celeste voou nos cabelos da mulher e arrastou-a para fora do ônibus, sem dó nem piedade. Diante dos olhares perplexos, levou a mulher de arrasto de volta para seu lugar na fila, onde a deixou sem qualquer palavra. Não precisava dizer nada, a mensagem fora dada, de forma clara e inconfundível.

Por estranha coincidência, a partir de então os vizinhos desapareceram de sua casa com seus pedidos abusivos. Até mesmo o chefe passou a tratá-la por Dona Celeste e, o que causa maior espanto, adotou as palavras mágicas por favor e obrigado em cada uma de suas solicitações! Na fila do ônibus, o silêncio imperava sempre que Celeste chegava, faltando pouco para, em estilo militar, fazer-se formação e bater-se continência para sua pessoa. Os olhos azuis eram os mesmos de outrora, mas acima deles, como que gravada por maquiagem definitiva, lia-se a palavra respeito.

Mal avistavam Celeste, já  espalhavam entre cochichos: lá vem a barraqueira de Gravataí! E ninguém se metia com ela. O interessante é que bastou um único barraco para se fazer cativo o título por toda vida... Eficiência de secretária!

Suzy Rhoden


Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...