sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Destino ou mera coincidência?

Amanhecer em Porto Alegre

Alguns acreditam em destino traçado. Eu não, acredito em escolhas.

Mas... O que dizer daquelas impressões tão nítidas de que algo está previsto para acontecer? Não me refiro  ao  déjà vu – sensação de já ter visto ou vivido algo – e sim aos inexplicáveis “flashes do futuro”. Serei eu a única a conviver com eles?!

Calma, fiquem tranqüilos, eu não “ouço vozes”! Apenas sinto, de tempos em tempos, uma espécie de confirmação de que estou no caminho certo, de que cheguei onde deveria ter chegado. Obra do destino? Ou fruto do acaso?

Embora exista um caminho preparado, certamente mais elevado, não acredito que andamos por ele como marionetes, desprovidos de liberdade de escolha. Muito pelo contrário, utilizamos nosso arbítrio o tempo inteiro, indo pelos rumos que nós mesmos decidimos. E como nem sempre somos sábios, nem sempre acertamos... Então sofremos, choramos e, ignorantes, lamentamos a nossa “triste sina”. Na verdade, foi apenas a nossa estúpida escolha.

A primeira impressão do futuro, da qual me lembro, veio muito nítida aos meus dez anos. Eu voltava da escola, distante quatro quilômetros da pequena propriedade rural de minha família. Em dado instante, levantei o olhar até a linha do horizonte e a impressão do que vi e senti me acompanham até hoje: eu soube, com absoluta certeza, que iria além daqueles limites; que, como alguém que tem asas, ultrapassaria as fronteiras que minhas vistas alcançavam.

Alguns anos mais tarde, precisei escolher entre um namoro, que me daria a tranqüilidade de  bom casamento na região, e os estudos numa universidade federal, sozinha, longe de casa. Bati as asas e voei, muito além do que meus dez anos, naquele fim de tarde, alcançaram.

Outra impressão que me acompanha está relacionada à  mudança para Santa Maria, quando passei no vestibular. Fui com a cara e a coragem, carregando as próprias malas, sem pai, mãe ou padrinho trilhando a minha frente o caminho. Quando o ônibus descia a serra, vi do alto a imagem da cidade, entre duas montanhas, saltar diante de meus olhos, e em meu coração registrou-se a certeza: esta cidade será meu lar, a escolhida de meu coração. E é, será para sempre, não necessariamente um lugar para morar, mas o lugar inequívoco para onde voltar a qualquer momento e repousar.

A terceira grande impressão aconteceu durante  viagem da escola, no ano de minha formatura no Ensino Fundamental. Nossa rota incluía, além das cidades da Serra Gaúcha, uma visita a Porto Alegre. Lembro-me pouco, porém, da capital, apenas de termos passado a noite num alojamento do Corpo de Bombeiros. Acordamos cedo para seguir viagem, antes das 6h da manhã. Ao deixar o alojamento, meus olhos presenciaram o mais belo amanhecer que já haviam visto, acompanhados de certeza inequívoca: voltarei para ver muitas vezes o amanhecer em Porto Alegre.

Eu tinha apenas 13 anos, portanto logo esqueci a experiência. Tratei de viver a vida, aproveitando as boas oportunidades que ela trazia. E foram muitas! Uma delas, por sinal, me trouxe recentemente à região metropolitana, acompanhada da  família que constituí ao longo dos anos. Matriculada em um curso em Porto Alegre, passei a enfrentar o trânsito diariamente para assistir as aulas. Numa dessas manhãs, meus olhos passearam pelo céu porto-alegrense e trouxeram do passado uma lembrança que me deixou estupefata: era o mesmo amanhecer dos meus 13 anos!

Destino? Não, decisões. E uma ajudinha lá dos céus, para que eu fizesse sempre a mais sábia escolha. Chamo esses eventos de “flashes do futuro”, mas bem sei que são impressões espirituais, orientações que vem na forma de sussurros e que me dão a certeza de que estou onde deveria estar, cumprindo minha missão terrena e meu propósito pessoal.

De qualquer forma, as escolhas são minhas e  poderiam me levar, ou não, à confirmação do que senti há muitos anos.  Escolhi estar aqui, escolhi ter sobre mim este céu indescritivelmente belo, que desce para mergulhar nas águas do Guaíba estabelecendo, enfim, meu limite – o meu horizonte! Até que venha nova escolha.
Suzy Rhoden

sábado, 25 de agosto de 2012

Mulheres: alegria em servir, cuidar e amar!


Nesta semana, enquanto folheava meu livro de metas pessoais (Programa Progresso Pessoal), deparei-me com registros de aproximadamente três anos atrás. Por incrível que pareça, muita coisa mudou em minha vida desde então: tive mais um bebê; mudei de casa, de cidade e de profissão!

Mas algumas coisas não mudaram, conforme constatei: trata-se do discurso que compartilhei  como oradora convidada, na Conferência da Estaca Santa Maria, em abril de 2009. Subi ao púlpito, grávida de 7 meses, para falar sobre o papel da mulher na família. Não me lembro das palavras que proferi na ocasião, – motivo pelo qual foram registradas e agora estão ao alcance de meus olhos – mas lembro nitidamente de meus sentimentos enquanto falava: sentia-me realizada por ser mulher, esposa e mãe.

É isso o que não mudou em minha vida. Ainda guardo a mesma satisfação, a mesma alegria por minha identidade. Sei exatamente quem sou e compreendo minha responsabilidade primordial nesta existência terrena: cuidar dos filhos, zelar pela família e servir meu próximo! O restante, em meu caso, é adicional, mas não indispensável para minha realização pessoal. Falei sobre isso naquela noite e penso do mesmo modo hoje, alguns anos depois.

Percebo, porém, insatisfação crescente na maioria das mulheres a minha volta, como se o fato de ser mulher fosse um fardo pesado demais para ser carregado. Por que isso acontece? A resposta fácil e sempre pronta é: culpa da sociedade preconceituosa, que priva as mulheres de seus direitos. De fato, a história tem uma dívida enorme conosco, o sexo frágil. Mas por causa disso nos tornaremos eternas revoltadas contra nossa condição feminina?

Reivindicações  fundamentadas não são  problemas, são justamente passos largos para as soluções. Admiro profundamente mulheres que erguem suas bandeiras em nobres causas, lutando bravamente por seus direitos. Mas admiro ainda mais aquelas que, da mesma forma que solicitam, perguntam a si mesmas: o que temos a oferecer? Como podemos contribuir para uma sociedade mais justa? Eu me refiro à oferta sincera, verdadeira, autêntica e desinteressada. Oferta de tempo, de talentos, de serviço, de caridade. Oferta gratuita, feita de coração, sem esperar nada em troca.

Estamos nos tornando materialistas demais e nesse ponto colocamos em risco nossa identidade. Pesamos tudo na balança financeira, esquecidas de que as maiores conquistas da vida não podem ser medidas e nem remuneradas. São ofertas de amor abnegado, como as noites que passamos em claro vigiando um filho doente. Ou aquelas horas que dispensamos lendo para crianças no orfanato, quem sabe fazendo as unhas de idosa em alguma clínica de repouso. Por que não o tempo que despendemos  doando livros para a biblioteca da escola pública mais próxima? Ou simplesmente preparando e levando um bolo a vizinha viúva?

O que ganhamos com tudo isso? Nenhum centavo, certamente. O serviço não compensa materialmente, é feito de sacrifício, tem que ser altruísta. Mas o sentimento genuíno de satisfação não se consegue de nenhuma outra maneira na sua forma mais plena! Seja ele feito por um familiar, seja por um desconhecido, a sensação é a mesma: satisfação interior, paz, realização.

Há quem pense: “Já doei muitos reais para o projeto Criança Esperança, minha parte está feita!” Quem pensa assim, ainda não me entendeu: o dinheiro beneficia aquele que recebe, mas o serviço beneficia também aquele que doa! Ou seja, posso doar muito dinheiro, mas enquanto eu não for pessoalmente aliviar o sofrimento de alguém, não saberei com certeza que alegria é essa da qual alguns tanto falam: a alegria que advém do servir, do cuidar, do zelar! Não compreenderei, senão apenas em teoria, o significado da palavra caridade.

Não acredito que viemos a este mundo a passeio, temos muito que fazer por aqui antes de retornarmos ao lugar de “descanso”. Somos livres para escolher: algumas escolhas nos darão coisas, outras nos darão realização pessoal.

Acredito sinceramente na alegria que advém do serviço – alegria maior do que a encontrada em qualquer outra realização, por mais simples que seja nosso ato, desde que nele haja amor. Acredito que esse é o caminho para a satisfação feminina: não apenas solicitar, mas ofertar sinceramente, com real intenção.

Por fim, as palavras perfeitas de Marjorie Hinckley, esposa do  líder eclesiástico Gordon B. Hinckley, resumem meus pensamentos e o motivo de minha satisfação enquanto mulher:

“Eu não quero me dirigir às portas do céu em um carro esporte brilhante, vestida com roupas estonteantes de grandes costureiros, com meu cabelo cuidadosamente penteado e com unhas perfeitas. Eu quero chegar num carro de família, com lama nas rodas por ter levado as crianças ao acampamento dos escoteiros. Eu quero estar lá com  sapatos manchados com a grama que eu cortava para a irmã Lúcia. Eu quero estar lá com creme de amendoim em minha camisa, devido aos sanduíches que fiz para as crianças de uma vizinha doente. Eu quero estar lá com poeira embaixo das unhas por ter ajudado a tirar as ervas daninhas do jardim de alguém. Eu quero estar lá com as marcas dos beijos grudentos de crianças em minha bochecha e com lágrimas de um amigo em meu ombro. Eu quero que o Senhor saiba que eu realmente estava aqui e que realmente vivi.”

Suzy Rhoden

Casal Hinckley


segunda-feira, 20 de agosto de 2012

O Casarão


Uma maravilha esta tecnologia! Minha amiga Gabriela, em viagem de férias, tem passado os dias em West Virginia. E eu aqui, no cantinho sul do Brasil, acompanho tudo como se a viagem fosse minha!

A penúltima informação de Gab foi esta: “Minha querida amiga, depois de muita ponderação decidi ficar por aqui, virar colona, plantar batatas e mandiocas”. A verdade é que minha amiga se apaixonou pela região, caracterizada pelo bucolismo, e estava verdadeiramente disposta a trocar a correria metropolitana pela paz do interior estadunidense.

Mas hoje chegou a última informação, contradizendo a declaração anterior: “coisas estranhas acontecem aqui!” Minha amiga mencionava os casarões antigos e a incômoda sensação da presença de seus primeiros donos, a zelar por seu patrimônio... Segundo minha amiga, plantar batatas não parece mais tão atrativo... Vai saber se o pioneiro desbravador daquelas terras não aparece pra ajudar?!

A conversa com Gabriela me trouxe lembranças: morei certa vez num casarão. Não era uma mansão, que fique claro. Apenas um casarão à moda antiga, com “duzentos” cômodos, “quatrocentas” portas, duas por cômodo, e “oitocentas” janelas – perdi a conta de quantas por aposento! Está bem, não era tudo isso... Mas o exagero dá uma idéia de como eu me sentia naquele lugar sem fim, com aspecto de labirinto.

Como todo casarão, o teto era alto e os cômodos amplos. Tudo muito antigo. O assoalho rangia acompanhando nossos passos, o que ficava assustadoramente mais evidente na madrugada. E nem preciso dizer que o imóvel pertencera, em outros tempos, a uma idosa que adoeceu e se negou a terminar seus dias em qualquer lugar que não fosse sua propriedade: ela partira desta vida ali, em algum daqueles quartos!

A melhor parte – na verdade, a pior – era a varanda dos fundos, cujas paredes eram de vidro transparente. Dali, observávamos as árvores – plantadas na época do descobrimento do Brasil – que  rodeavam a casa e se estendiam até os limites do terreno, vários metros à frente. Quando ventava, a cena era digna de filme de terror: os galhos pareciam braços balançando  sobre a casa, prontos para arrancá-la a qualquer momento de seus velhos alicerces.

Pois foi numa noite dessas que meu marido decidiu assistir filme na varanda. Um filme qualquer... O Grito! Pegou um litrão de Coca, um copo e uma cadeira de praia e lá acampou na madrugada. Corajoso é pouco pra ele, o melhor adjetivo mesmo é maluco, doido de pedra! E eu, que não sou doida nem nada, fui dormir sozinha em nosso aposento de múltiplas portas.

A cena que transcorreu a seguir também é assunto pra gente de coragem: relata meu marido que ia o filme pela metade, no auge do terror, quando percebeu um movimento na varanda. Olhou ao redor e nada viu, porém, ao baixar os olhos, deparou-se com o copo girando sem parar! Da TV irrompeu o grito que seus lábios não tiveram forças para emitir naquele momento, enquanto que...

Do cômodo contíguo eu caía na melhor gargalhada da minha vida! Impagável assistir aquela cena de camarote e, melhor ainda, ser responsável por ela. Cadê o valentão, hein? Foi vencido por um copo que gira misteriosamente. Mas o mistério desfaço aqui: levantei-me no meio da madrugada e, ao visualizar meu marido completamente absorto pelo filme, decidi pregar-lhe uma peça. Joguei contra ele um pano, com o intuito de roubar-lhe a atenção. O pano acertou o copo e foi parar, silenciosamente, debaixo da cadeira. De seu ângulo de visão, Jeff enxergava apenas o copo girando imotivadamente... O resto ficou por conta de sua imaginação, justificando o pânico que vi em sua expressão.

Com este relato, acalmo a mente inquieta de Gabriela: coisas estranhas acontecem em todos os lugares. Mas os culpados raramente são seres do além: o mais provável é que sejam seres bem vivos e muito espertos!
Suzy Rhoden

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Gênios: quando um deles senta ao lado!



A vida é feita de etapas que ora começam, ora se encerram. No caso, acabo de encerrar um ciclo maravilhoso, no qual voltei a ser estudante. Foram seis meses de curso, com direito a mochila nas costas, uniforme e provas semanais. Só faltou a confecção do cartazinho com os “acordos da turma” visto que, em nosso caso, ele veio pronto e não houve economia no rigor das regras nem no nível elevado de exigências das diversas disciplinas. Tudo para o bem geral da nação – quase que literalmente falando.

Mas as semelhanças com o Ensino Fundamental não terminaram aí: na sala de aula, a disposição das carteiras obrigava-nos a associações em duplas ou trios. Disposta a impressionar, sentei-me na primeira fila, bem em frente ao professor. Só houve um problema: sentei-me ao lado de Vania.

Vânia parecia uma pessoa normal a princípio, uma rica colega, amiga e sempre disposta a ajudar. Simpática e agradável, era a melhor companhia que se poderia ter na sala de aula. Até começarem as provas.

Aí começou meu dilema. A pessoa ao meu lado revelou-se um cérebro privilegiado, fez coleção de notas DEZ!!! Lógico que nessas horas as máscaras caem e a modéstia inicial sucumbe diante da consciência do próprio mérito. Não para Vania, continuou com a mesma impressionante humildade! Sorria e oferecia ajuda. Se pelo menos fosse falsa e competitiva, seria mais fácil tolerar, pois as salas estão cheias de pessoas assim, já estamos até acostumados...

Vania era mesmo diferente, e não apenas na maneira de lidar com o sucesso. Ela tinha um jeito estranho de memorizar e aprender: enquanto eu pintava  minhas apostilas com todas as cores possíveis, fazendo flechas pra tudo quanto é lado, com explicações detalhadas da matéria – numa tentativa desesperada de atender aos apelos de minha memória visual –  Vania silenciosamente me humilhava com  um lápis preto e de ponta grossa, o qual utilizava para marcar os pontos principais do polígrafo. Era sistemática, contudo: o traço era leve e somente realizado com o auxílio de régua, para ficar tudo bonitinho, organizadinho!  Preciso dizer quem gabaritava? Pois é...

A situação piorou na reta final do curso. Eu, exausta, já não dava conta das aulas expositivas sem as tradicionais “pescadas”, quando por alguns segundos os olhos param e a cabeça cai. Não que eu quisesse fazê-lo, era involuntário, mais forte do que eu. E mais forte do que a turma inteira. Quero dizer, quase a turma inteira, pois é claro que Vania não sofria desse mal. Acompanhava os professores ativamente, participando com perguntas perspicazes e comentários sempre pertinentes – motivo pelo qual a prática do bullying foi introduzida em nossa sala de aula.

Acredito que, conforme a descrição, todos entendem o drama que vivi em classe. Nunca imaginei que, ao escolher a primeira carteira da primeira fila, escolheria justamente compartilhar os estudos com um gênio camuflado de gente comum. Eu, que sempre fui aluna dedicada, dessa vez saí escaldada, implorando uma vaguinha no fundão. Nada contra a fantástica pessoa que era Vania, mas eu precisava zelar pelo mínimo de dignidade que ainda havia nas minhas notas 8,0 e 9,0.

Concluído o curso, sinto faltar algo em meus dias. Talvez o inconfundível “presentE” (pronunciado com esse sotaque, carregando no último E) sempre que os professores realizavam a chamada; talvez os sussurros da ilustre representante de São Borja, que tinha a terrível mania de ler seus textos em voz que não era alta e nem baixa, mas que deixava escapar um constante sssssssss de seus lábios, enquanto estudava suas apostilas sem cor e sem graça...

Na verdade, sei bem: sinto falta de uma das melhores amigas que já tive considerando um curto espaço de tempo, pessoa íntegra, de caráter inquestionável; guerreira sob todos os aspectos, dedicada ao extremo àquilo que se propõe a fazer; e prestativa no mais estrito significado da palavra: nunca esquecerei do dia em que a flagrei oferecendo-se para lavar as roupas de colega, cuja máquina de lavar havia estragado... Um gênio, talvez, mas uma grande mulher, com certeza!

Apenas uma última observação: se você é da região de São Borja, não se assuste se, logo após a apresentação, Vania perguntar sem rodeios: “Você é filho de quem?” A moça não está interessada em sua nobre genealogia, apenas quer uma referência patriarcal para identificar sua família, já que não há morador da fronteira oeste do estado que a senhora em questão desconheça. A popularidade é tamanha que fico aqui pensando se a famosa Terra dos Presidentes não enviará algum dia sua representante feminina... Minha única preocupação é com os santinhos da campanha, sem dúvida naquele sem graça preto e branco!

Na parte central da foto,
Vania aplica em mim golpe de defesa pessoal
- amigas são pra essas coisas, né!!! 

Suzy Rhoden

domingo, 5 de agosto de 2012

Tiete por Um Dia


É fato, sou mesmo distraída. Mas daquelas distrações que fazem você perder o óbvio, bem diante de seus olhos, para enxergar o singular, o ímpar, o exclusivo. Minha distração me colocou numa encrenca, mas a encrenca rendeu esta crônica... e umas boas risadas!

Ia eu pela calçada, num desses meus lapsos de realidade – em pleno centro histórico de Porto Alegre – quando avistei ao longe um grupo de adolescentes interditando o caminho. Que falta de respeito dessa gurizada, – pensei  eu – tomarem toda calçada, deixando pedestres e carros desviando-se uns dos outros pela rua!

Tentava entender o que faziam ali, aglomeradas – haveria uma escola que eu nunca tinha percebido nas proximidades? Bem condizente com aquele horário da tarde... Mas apenas meninas?! Muito estranho...

Cheguei ao local do tumulto. O burburinho era grande, tive medo de ser pisoteada. Entre as adolescentes e uma van ali estacionada, havia apenas o cordão da calçada. Mas, teimosa que sou, me neguei a andar pelo meio da rua. Alguém precisa dar limites a essa juventude, afinal! Decidi que o cordão da calçada me pertenceria, gostassem elas ou não!  

Mal comecei minha travessia, abriu-se a porta da van e a histeria tomou conta das meninas! Flashes para todos os lados, gritos estridentes de emoção, lágrimas torrenciais... enquanto saltavam de dentro do veículo alguns magrelos tatuados. E eu ali, passos a frente da mulherada, como a mais enlouquecida das fãs – aquela que, apaixonada, invade o cordão de isolamento e praticamente se joga sobre seus ídolos.

Não sei em quantas fotos e filmagens apareci nessa situação deplorável – eu, passada dos 30, disputando espaço com garotinhas de 13!!! E o pior foi nem saber a quem eu, a considerar as circunstâncias, reverenciava tão incontidamente: seriam astros do rock? Atores? Famosos esportistas? Quem eram os magrelos, afinal?!

Não fiquei lá pra saber! Tão logo abriu-se o caminho, conforme os rapazes adentraram o hotel, fui-me embora ainda ouvindo: “ooooooh, como ele é lindo!” Tive que rir da coincidência: quantas horas aquelas meninas passaram a postos, à espera de seus ídolos, desejando desesperadamente aquele momento! E eu, que apenas queria passagem, fui parar quase nos braços – literalmente falando – das celebridades. Que coisa!

Encucada com o episódio, tentei relembrar meus tempos de tiete: procurei, revirei na memória, mas não achei! Nenhuma tarde perdida na frente do hotel esperando meu ídolo; nenhuma noite mal dormida, tentando imaginar onde naquele exato momento estaria o fulano; nenhuma loucura para compartilhar. Até mesmo os famosos pôsteres no quarto eu dispensei em meu tempo adolescente. Era torcedora fiel da “geração de ouro” do vôlei brasileiro, mas nada que lembrasse a idolatria. Tinha todos os CDs de Legião Urbana, mas não sentia a necessidade de vigiar a vida dos artistas.

Bem, agora eu tinha uma história de tiete pra contar! Se bem que... quem eram mesmo os fulaninhos? Internet existe pra isso: situar os desinformados. Lá fui eu pesquisar os nomes de meus mais recentes ídolos... e, que surpresa, era uma atração internacional, vinda diretamente do Arizona! Nesse momento lamentei não ter falado com os moços... pra perguntar se eles conheciam Gabriela! Ora quem?! Como poderiam morar no mesmo estado e não conhecer minha ilustre amiga Gabriela?!

No dia seguinte, lá estava eu, passando em frente ao mesmo hotel, reencontrando as mesmas meninas. Teriam dormido ali?! Cá entre nós, vida de tiete me parece muito cansativa! As criaturas não comem, não dormem, não vivem a própria vida!

Dessa vez  havia espaço na calçada, mas, por precaução, preferi o meio da rua. Nunca se sabe exatamente onde  estaremos mais seguros...

Suzy Rhoden
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