A polícia orienta: jamais reagir a um assalto. Sabemos
exatamente o que fazer numa situação indesejável dessas: permanecer calmos, não
fazer nenhum movimento brusco, permitindo ao agressor levar o que quiser, desde
que ele nos poupe a vida. Essa é a
teoria. Mas na prática somos uma caixinha de surpresas para nós mesmos, e a
verdade é que não sabemos ao certo como reagiremos.
Com as tragédias e intempéries do destino, não é
diferente. Apontamos soluções, damos palpites, suportamos qualquer fardo... Quando
quem o carrega é o outro! Pois quando cabe a nós sermos pacientes, mansos e longânimes, a
história não é bem assim, afinal temos nossos motivos para sairmos dos
trilhos... Não é esse nosso irrefutável argumento?
Tenho analisado este nosso poder de reação desde a
tragédia de Santa Maria. A reação esperada de minha parte, por estar
diretamente ligada àquela cidade, seria usar a palavra, que me é tão preciosa,
para gritar a dor de muitas mães, ou quem sabe para dar voz à indignação de
toda uma população. Mas, estranhamente, ecoou na internet o meu silêncio. Não
consegui escrever, por dias, por um mês. Não quis querer escrever, minha
solidariedade naquele momento não coube em palavras, encerrou-se em meu
coração.
Vi-me, primeiramente, na história de cada uma daquelas
jovens vítimas. Cheguei a Santa Maria aos 17 anos recém-feitos, as portas da
UFSM se abriram para mim e a cidade me abraçou – num abraço tão apertado, do
qual nunca mais me soltei: Santa Maria me adotou e eu ganhei um lugar para
chamar de lar. Vivi plenamente os meus 17 e os anos seguintes, assim como
aqueles jovens, ao seu modo, tentavam viver da melhor maneira as suas vidas.
Tive o privilégio de escrever minha história universitária de capa a capa,
quando eles foram interrompidos justamente na introdução de um novo capítulo...
Depois, vi-me na dor das mães da tragédia. Só quem tem
filhos sabe a angústia que é tê-los longe dos olhos... Ao mesmo tempo em que a
confiança precisa ser fortalecida – nas decisões que o filho, em seu processo
de independência, vai tomando sozinho – o coração convive com um aperto que não
provém do medo, mas de um amor maior, um orar incessante para que as boas
escolhas sejam feitas a todo instante. Senti a dor das mães que cuidaram,
zelaram, protegeram e amaram, mas sábias entenderam que criavam asas seus
pequeninos e precisavam voar. Só não sabiam que para o ninho esses pássaros não
mais iriam voltar – pelo menos enquanto durar esta jornada terrena.
Tudo isso me
fez silenciar. Mas foi positivo meu silêncio, precisei dele para me
reestruturar como mãe. Também precisei me aquietar para orar com mais fervor
por esses familiares devastados pela dor. Em minha aparente passividade, reagi
com mais força e firmeza do que se gritasse exigindo os “porquês” dessa
tragédia ou se me precipitasse em julgamentos, quando cabe à polícia o árduo
trabalho de investigação.
Como se não bastassem as dores relatadas, fui
surpreendida com o diagnóstico inesperado dado a uma amiga: leucemia. Refiro-me
a uma mãe, cuja filha primogênita está às vésperas de completar um aninho. Uma
mãe, jovem e linda, plena de planos, de sonhos, de vida!
Mas que ninguém lamente a sina desta minha
corajosa amiga, pois lamúria definitivamente não combina com ela: tem-se
mostrado forte e destemida! Sua fé não vacilou, ao contrário, serve de exemplo
para outros que sofrem, por diferentes motivos. Segue de cabeça erguida,
segurando confiante a mão do Salvador, prestando um testemunho seguro do conforto
que tem recebido dos céus nestes momentos incertos.
Com todas as circunstâncias desfavoráveis, o que a faz
reagir tão positivamente? Tenho pensado muito nisso, e cheguei a algumas
respostas. A mais contundente delas, porém, é uma só: sua fé
vinha sendo alimentada ao longo de anos, não precisou ser ativada de repente,
num momento de aflição. Minha querida amiga agora vive com as reservas
espirituais, guardadas através de uma vida digna e inquestionável. Surpreendida
pela adversidade, não foi vencida pelo desespero: o temor há muito tempo foi
expulso pela confiança em um Deus de milagres, que tudo pode em benefício de
seus filhos justos.
No mesmo Deus dessa amiga, creio eu. Não é fácil
manter o otimismo quando o fardo pesado de repente repousa sobre nossos ombros,
e passa a ser nossa a missão de carregá-lo. Não sabemos ao certo a reação que
teremos. Mas uma verdade restou comprovada: a fé somente ajuda, jamais
atrapalha.
Suzy Rhoden