Fala-se muito em privacidade. Fala-se
tanto que, tenho a impressão, até a palavra já deixou de ter associação com a ideia
de privado, de secreto e de reservado. Privacidade significa hoje, por exemplo,
selecionar um grupo – de umas 900 pessoas – para ter acesso a fotos e
publicações nas redes sociais, que outras – perigosíssimas! – 12 pessoas não são autorizadas a ver. Ou seja: o
privado não é realmente privado, é apenas limitado. Ou, melhor ainda: tem a aparência de
ser limitado, mas nem isso chega a ser.
Não me interessa ficar resgatando a
etimologia da palavra privacidade aqui, me interessa mesmo sua aplicação
prática: como é difícil realmente resguardar nosso espaço! Frequentemente ele é
invadido, seja pelos amigos dos amigos de rede social da gente, seja pelo povo
com o qual convivemos face a face, que tem a mania de se atribuir uma
intimidade que não lhes foi dada, e agir conosco como se fosse “de casa”.
Confesso que sou chata com essas coisas.
Conhecido não é melhor amigo; educação não é mensagem de “casa aberta”; convite
para um jantar ou mesmo para um chimarrão no fim da tarde não deve ser entendido
como “faz um puxadinho no meu terreno
e te muda pra cá”.
Antes que eu seja taxada como antissocial,
explico que valorizo sobremaneira a boa amizade. A prova disso é que sou
seletiva. Embora seja gentil com todos que conheço e considere isso parte
fundamental de uma boa educação, não sinto a obrigação ou mesmo a necessidade de encher minha casa de gente e de ficar distribuindo
sorrisos amigáveis e dando tapinhas nas costas, como se fôssemos amigos de
infância. Essa intimidade é para quem é realmente amigo, das horas boas às
extremas; é para quem não se afugenta por qualquer motivo.
Embora tenha sempre mantido uma certa
discrição, existiram épocas de minha vida nas quais estive mais propensa a
ampliar o círculo social. Recebia amigas com freqüência, as quais tinham acesso
a minha casa e, por conseqüência, a muitos assuntos de minha vida pessoal. Foi
nessa época que vivi algumas de minhas piores turbulências. E as amigas? Não
tive mais notícia, só soube de uma que perdeu meu número de telefone e está a
procurá-lo até hoje.
Não traumatizei. Apenas confirmei pela
experiência aquilo que meu sexto sentido já dizia: privacidade é zelo, evita
confusão e nos poupa de frustrações desnecessárias. A culpa não foi das “amigas”,
foi minha por esperar delas algo que não poderiam oferecer: amizade
incondicional. Esse assunto é para poucos, e não está relacionado a um grupo de
pessoas más e outro de pessoas boas, e sim a um certo padrão de afinidade.
Se sou seletiva com aqueles que convido
para minha residência, naturalmente não vivo enfiada na casa dos outros. Que péssimo
hábito para o ser humano! Pois, além de roubar a privacidade dos anfitriões, é
natural que logo acabe o assunto, e aí o que impera? A fofoca, impiedosa e
cruel. Pois, na falta de outra coisa para falar, imagino que sobre tempo para
criar e extrapolar a respeito da vida dos outros...
Meu recado está dado, para esse assunto
não sou de muitos rodeios. Uma última orientação, apenas: se eu for vista na
casa dos outros, falando da vida alheia, chama o psiquiatra que surtei, sou
caso para internação. Reclusão é uma boa dica, até a língua parar de coçar.
Suzy Rhoden