quarta-feira, 24 de abril de 2013

Gestantes e Suas Excentricidades



Preciso compartilhar a novidade: tem neném chegando na família Rhoden! E, por incrível que  pareça, não é meu – é sobrinho! Ou melhor, sobrinha. Fico feliz em saber que a tradição do “ano ímpar” está sendo preservada sem a minha participação e que, pelo menos até 2015, estou fora das estatísticas familiares.

Mas o assunto gravidez não me lembra apenas de ano ímpar... Alguém já  ouviu falar em enjoo? Desejo de grávida? Aquelas frescuras que a mulher inventa para acordar o marido de madrugada e testar a profundidade do amor. Frescuras?! Pois é, assim pensava eu. Até 2005, quando paguei a língua ferina.

Tudo começou por volta da sexta semana, com uma náusea matinal.  Falei com minha médica, ela sugeriu aquelas bolachinhas água e sal, afinal era coisa simples e passageira. Nem uma, nem outra! Foram pelo menos três meses do mais absoluto terror, no qual eu não me reconhecia em meus próprios gostos gastronômicos!

Passei a detestar queijo, algo inacreditável para uma “queijólotra” como eu! E não podia ouvir falar em qualquer prato feito com frango ou galinha, a simples menção ao bicho me causava bem mais do que náuseas... Por outro lado, aderi a mandioca com bife, mistura que até então não tinha entrado em minha cozinha. Um pouco estranho, mas aceitável se não fosse um detalhe: passei a comer apenas mandioca e bife. 

Passado um mês, meu marido previu os outros sete e encheu o freezer com meus ingredientes preferidos. Querido como só ele é, foi para a cozinha preparar meu jantar favorito e eu, que não tolerava 99,9% dos cheiros existentes neste mundo, senti-me na obrigação de agradar o lindo e fazer companhia pra ele enquanto cozinhava. Resultado: foi o último dia da gestação em que comi bife e mandioca, e o primeiro de meu marido, que precisava dar um fim naquele estoque...

Ah, os malditos cheiros! Se meu olfato já era desenvolvido, na gravidez personifiquei-me num cachorro perdigueiro: meu nariz andava 10 metros a minha frente, identificava qualquer odor! Até cheiro das árvores eu sentia, um cheiro específico para cada uma. E o mais bizarro foi sentir cheiro de uma espécie de aranhas, eu sabia às léguas quando havia alguma delas no ambiente.

Em outra ocasião, enjoei de um perfume. Muito esperta, dei-o de presente para minha mãe. E ela, mais esperta ainda, perfumou-se toda com o dito cujo e teve a excelente ideia de me visitar. Até hoje ela se pergunta por que mal a “senti” entrar pela porta, corri para o banheiro e lá fiquei, em estado de decomposição, até que ela partisse.

Uma loucura tudo isso, eu sei. Mas vivi o drama, senti na pele a revolução completa dos hormônios. Logo eu, que taxava as enjoadas de espertalhonas! E ainda nem confidenciei o pior dessa fase: enjoei do marido. É sério, o cheiro dele me dava náuseas. E o beijo, então, tinha gosto metálico, um sacrifício absurdo! Mas sobrevivemos, e depois desse ainda tivemos outros dois filhinhos.

Sempre ouvi que uma gravidez é completamente diferente da outra. Comprovei, de fato o é. No meu caso, a segunda foi ainda pior em termos de enjoos. Pois além das náuseas, eu tinha desejos estranhos: que gosto teria terra molhada de chuva? E tijolo? Calma, gente, não sou tão doida assim, satisfiz-me só com o cheiro.

Não posso esquecer de contar sobre as frutas, cada gestação foi marcada por uma escolha: melancia, goiaba e abóbora – abóbora?! Pois é. Mas falemos antes da goiaba: entrei no mercado e senti o cheiro vindo lá do outro lado, do setor de horti-fruti. De início, não sabia de que se tratava, mas avisei meu marido: “Quero comer esse cheiro!” “Que cheiro, mulher, ta louca?” “Estou louca, mas isso não muda o fato de eu querer comer esse cheiro”, e deixei-o para trás enquanto andava pelo mercado igual a um legítimo cão perdigueiro, perseguindo um odor que praticamente se materializava diante de meu nariz. Cheguei às goiabas.

  Depois, na terceira gestação, vieram as abóboras. De manhã com leite, de meio-dia com guisado, de noite sem qualquer outro acompanhamento, para sentir melhor o sabor do alimento, né! Com toda essa variação no meu cardápio, dá para entender que de repente senti uma vontade incontrolável de comer um docinho... de abóbora, naturalmente! E tinha que ser doce em calda, daqueles caseiros, de tijolinhos, feitos pela vovó. Meu marido revirou a cidade e nada de achar o doce encomendado. Então teve uma brilhante ideia: levou a abóbora pra eu fazer o doce do jeito que eu queria. Nesse dia, quem esteve prestes a ter uma variação no cardápio foi ele: abóbora crua, engolida inteira!

Não sei como sobrevivi, sinceramente. Alguns quilos mais magra, por sinal, pois além das náuseas, existiam os... Bem, pulemos essa parte. É de espantar que, com toda essa excentricidade, eu tenha sido sempre uma gestante saudável e tenha gerado filhos sem qualquer prejuízo nutritivo. Uns creditam os exageros aos hormônios, outros dizem que é de ordem emocional, e terceiros ainda apontam carência de nutrientes específicos na alimentação. A verdade não sei, mas que sou um perigo em tempos grávidos está comprovado! O marido que o diga...

Superei essa fase, mas confesso ainda sofrer com a falta de empatia de algumas gestantes, as quais, ao serem questionadas sobre seus enjoos, respondem:  “Nada! Só descobri que estava grávida no terceiro mês, nenhuma náusea, nenhuma mudança nos meus hábitos alimentares, comi de tudo sempre!” Respondo de imediato: “Bem feito pra você, que jamais saberá que cheiro tem as aranhas, nunca imaginará o sabor de um tijolo e nem comerá exclusivamente bife e mandioca por meses seguidos! Você definitivamente não sabe o que está perdendo!”. E saio, deixando a criatura com cara de quem perdeu muita coisa mesmo. Detesto gente insensível!
Suzy Rhoden

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Pais Separados, Filhos Rasgados ao Meio



Nesta semana, recebi em minha sala, em virtude de meu trabalho, um casal em pé de guerra. Para que fosse preservada a integridade física dos presentes, inclusive a minha, foram recebidos um de cada vez, e em dias diferentes, a fim de que não se cruzassem no corredor e protagonizassem espetáculo ao qual eu não tinha o menor interesse em assistir.

As motivações não mudavam muito. Apresentavam apenas uma versão menos glamorosa de Sr. e Sra. Smith, no qual marido e mulher estavam firmemente decididos a matar um ao outro. E tinham a arma perfeita para fazê-lo: os filhos.

Ao contrário do que muitos pensam, em se tratando de separação, os filhos não são o alvo e sim a arma utilizada para ferir o outro. No caso em questão, a mulher ficou com a guarda das duas crianças, até o marido ter uma idéia: denunciá-la por agressão física e maus tratos a sua filha adolescente. Claro que ela revidou: colocou nele uma “Maria da Penha”, alegando que ele tentava invadir a casa armado com uma faca. Até onde vai a verdade? Só as mentes insanas deles sabem!

De repente, o que deveria ter sido uma simples separação de corpos e de vidas, tornou-se um caso de polícia, virou batalha judicial com direito a barraco na porta da delegacia e envolvimento de meio mundo, na condição de testemunha, nas audiências do judiciário.

Mas voltemos a falar da arma do crime: uma adolescente de 14 anos. O pai disse, um belo dia: “Se sua mãe fizer qualquer coisa que te desagrade, me avisa que chamo a polícia!” Pronto, um tiro no coração da genitora. Mas mulher barraqueira tem sete vidas, e faz fiasco em todas, por isso devolveu com um tiro bem no meio da testa do ex companheiro: “Ah é, então você fica do lado do seu pai? Pois bem que eu devia ter feito o aborto que ele sugeriu quando engravidei de você!”

A mãe, para afirmar a independência que faz questão de ter, mostrando que não precisa do pai para nada, que pode tranquilamente ser pai e mãe no lar sem prejuízo algum, exagera, extrapola nas regras – afinal, tem que mandar por dois! Já o pai, mais interessado em desmandar o que a mãe mandou do que na boa orientação daquele ser em processo de formação, diverte-se em dar total liberdade a adolescente, desfazendo as regras impostas pela megera.

Acrescenta, confiante: “Veja como o papai é legal, te dá roupas caras, te cerca da última tecnologia, te leva, ou melhor, te exporta para shows maneros com quem você quiser escolher como companhia, pagando todas as contas da princesinha, pois é isso o que um bom pai faz! Enquanto que sua mãe perversa chega ao ápice da maldade, ordenando que você coloque as próprias roupas na máquina de lavar, que absurdo!”

A esta altura, a pólvora descobre sua utilidade: explodir! E explode. Algumas crianças desenvolvem personalidade manipuladora, pois descobrem que podem jogar o jogo dos pais, e pular para o lado mais conveniente quando em apuros. Por que seguir regras, se haverá um a acobertar e passar a mão na cabeça, no caso de algo dar errado? Além disso, para que esforço se as coisas são obtidas facilmente mediante dissimulação?

Aos 14 anos, justamente quando mais precisava de apoio e orientação, vi uma adolescente perdida no meio de fogo cruzado. Não tem noção de limites, não chegou a conhecê-los, pois todos os que a mãe impôs, o pai revogou. Também não tem noção de afeto, pois os pais nunca tiveram tempo para isso: estavam mais ocupados em ferir e atingir um ao outro.

Pergunto-me: até quando esses irresponsáveis usarão os próprios filhos como arma e escudo em seus relacionamentos? São covardes demais para encararem um ao outro face a face, preferem esconder-se atrás de suas crianças, disfarçando o egoísmo com preocupação.

Pois o principal argumento para os divórcios tem sido: foi para o bem deles, para não assistirem as brigas do papai e da mamãe. Não seria mais prático parar de brigar, então? Mas ninguém quer parar, não se cogita a possibilidade de ceder um milímetro. Melhor rasgar a criança ao meio, obrigando-a diariamente a declarar de quem gosta mais e com quem quer morar, numa prática criminosa chamada de alienação parental.

Poucos casais são sensatos o suficiente para entenderem que o fim de uma relação não muda a condição eterna de pai e mãe daquele filho. A criança não é filha só da mãe, nem só do pai: merece ser educada, orientada e amada pelos dois! E isso somente acontecerá se uma relação de respeito for estabelecida entre o casal.

Eu disse “respeito”?! Foi mal, não pretendia ter sido rebuscada... Pois, ao que me consta, essa palavra jaz em algum dicionário, sem qualquer utilização prática em nossos dias. Motivo pelo qual são tantos os órfãos de pais vivos, neste mundo de insensatez!

Suzy Rhoden

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Disfarce





Nesta noite, um incidente com um de meus filhos me levou a uma consulta de emergência no Banco de Olhos de Porto Alegre. Antecipo que não era nada grave, mas como mãe não sabe esperar até o dia amanhecer, lá fomos nós. E lá ficamos, aguardando nossa vez, sentadinhos na recepção.

Normalmente, essas situações consistem num prato cheio para uma cronista. Mas não dá pra ficar observando descaradamente as pessoas, a crônica bem degustada exige um quê investigativo, um serviço meio que de detetive, para o qual um bom disfarce é essencial. E claro que eu tinha o disfarce ideal: mãe de paciente aguardando na sala de espera, perfeito!

Meu filho, colaborando primorosamente, brincava com um jogo de montar. E eu, com minúcias do plano em mente, puxei um jornal da mesinha e me pus a ler – afinal, há muito a se aprender com matérias de 2008, praticamente uma aula de História!

Para minha feliz surpresa, até que a edição era mais moderninha – 2010, que alegria!!! – e trazia um tópico interessante: terapia online. Comecei a ler e a descobrir, totalmente boquiaberta, que há quem “se confesse” pela internet, sem medo do vazamento de informações! Claro que o assunto é polêmico e gera controvérsias, afinal parece ser a salvação dos tímidos e introvertidos, bem como dos que sofrem de fobia social. Contudo, não se sabe até que ponto a intimidade do paciente poderá ser, de fato, preservada. E há quem proclame que esse ‘aconselhamento virtual’ pode ter qualquer nomenclatura, menos a de terapia.

Nesse ponto da leitura, julguei prudente virar a página enquanto dava uma espiada ao redor, à procura de algo bizarro ou de alguém esquisito o suficiente para virar assunto. Nada, todos sentadinhos quietinhos, uns olhando TV e outros lendo – ou estariam disfarçados?!

Na dúvida, segui com o plano. Virei a página e cacei nova reportagem. Dei de cara com uma matéria sobre “Casa – organização”, perfeito para uma mãe-de-paciente-na-sala-de-espera, ninguém nunca desconfiaria de minhas reais intenções!

O artigo afirmava que a organização de uma casa reflete a vida de seus donos. Será mesmo?! Voltei de jatinho para casa e adentrei no primeiro cômodo. Ufa, tudo bem por aqui! Fui avançando e me deparando com uma baguncinha aqui, outra acolá. E mais outra, e mais outra! Puxei a velha desculpa das crianças em casa, a correria dos dias, a sobrecarga de trabalho, a agenda sempre lotada... E claro que respirei aliviada, pois EU PODIA estar com a casa bagunçada.

Mas o parágrafo seguinte apontava justamente as mais freqüentes racionalizações do desorganizado – e como para um bom entendedor meias palavras bastam, pulei os eufemismos e interpretei PREGUIÇOSO e RELAXADO – a citar: crianças em casa, a correria dos dias, a sobrecarga de trabalho, a agenda sempre lotada... Ok, captei a mensagem! Engoli em seco, espiando pra ver se alguém me observava...

Mas não vamos ser tão drásticos – disse para mim mesma – eu sou desorganizadinha, sim, mas nada que cause constrangimento, pois ao sinal da campainha tranco as louças molhadas dentro do armário – aprendi com minha amiga Tais Luso rsrsrs – e abro a porta com meu melhor sorriso amarelo de que-bom-que-você-veio-sem-avisar! Funciona, a visita nem fica sabendo que um furacão passou por ali segundos antes...

Aliviada mais uma vez, voltei para a leitura: a casa aparentemente organizada, mas que em seu interior apresenta armários entupidos e gavetas com objetos jogados em desordem, reflete uma personalidade confusa e instável, com tendências depressivas. Co-como assim?!

Entrei em crise existencial, na hora! Eu, que sempre me senti tão otimista e positiva, serei na verdade uma deprimida que ainda não se revelou?! Ou estarei já em estágio terminal e por piedade ninguém nunca me avisou? Seriam os estranhos capazes de perceber em mim essa confusão que nunca percebi, mas que minha casa atesta irrevogavelmente que possuo? Esgueirando-me por debaixo do jornal, quase sumida no sofá, olhei em redor e – oh, não!!! – constatei que todos sem exceção olhavam pra mim, com cara de o-que-essa-louca-está-fazendo-enfiada-no-jornal! Eles sabiam de tudo, estava óbvio... Fui traída por minha própria casa!

Restava em mim um mínimo de dignidade, pelo menos para concluir a leitura: como vencer a desorganização e estabelecer um padrão de vida harmônico, em 10 passos. O quê? Então havia salvação para meu caso? Ufa, pensei que... Mas não deu tempo de concluir meu pensamento, e muito menos de ler o número 1: a secretária chamava o nome de meu filho – justo agora?! Não era possível!  Pensei em discretamente jogar o jornal na bolsa, afinal era caso de vida ou morte... Mas, além de desorganizada, preguiçosa, relaxada, confusa, depressiva, instável, também ladra?! Não dava, né...

Resignei-me ao meu destino cruel, traçado pelos armários de minha casa. Triste fim de Suzy Rhoden! Ah, se pelo menos eu tivesse tido a sensatez de anotar o site de segurança máxima do Dr. Terapia Online...


Suzy Rhoden
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