domingo, 26 de maio de 2013

A Idosa, a Chuva e as Muletas


Fez-se silêncio quando a senhora entrou na sala, como se a alegria respeitosamente desse licença para a dor passar.
Encharcada até a altura dos joelhos e andando com o auxílio de muletas, a mulher avançou até onde estávamos. Seus cabelos grisalhos denunciavam a idade avançada, e os olhos lacrimejantes não deixavam dúvidas do sofrimento intenso.
Enfrentara chuva e frio àquela hora da manhã, não devia estar ali a passeio. Com dificuldade devido aos soluços, balbuciou um pedido de ajuda: precisava comprar remédios para o filho gravemente enfermo. Recomendamos a Unidade de Saúde, ou a Farmácia Municipal, ambas sitas ao lado de nossa instituição. Mas era dali que vinha a desesperada senhora, dispensada de mãos vazias devido à falta de medicação, tornando-se mais uma vítima do caos da saúde pública.
Mostrou-nos a receita, eram caros os remédios. Sugerimos  intervenção judicial,  para o que obtivemos imediata resposta: já tentara o recurso, mas fora alertada a respeito da morosidade da justiça e, de fato, não podia esperar – com risco de agravamento na situação do filho, se não começasse com urgência o tratamento médico prescrito.
Não se tratava de uma criança, o filho era adulto e sofria as conseqüências de escolhas erradas feitas na vida. Mas isso impediria uma mãe de tentar salvá-lo? De pegar suas muletas e, debaixo de chuva torrencial, enfrentar o que quer que fosse para amenizar-lhe as dores e diminuir-lhe o sofrimento? Humilhou-se, solicitando o que mais temem os humanos: doações voluntárias.
Nós, meros mortais, julgamos primeiro e ajudamos depois – se o ilustre cidadão passar em nosso teste criterioso de ‘dignidade da ajuda’. Se não passar, que expie por seus pecados! Afinal, tamanhas dores só podem ser castigos dos céus...
A saída cômoda pela tangente, numa situação assim, é responsabilizar o governo – que é justamente o primeiro a furtar-se de suas responsabilidades. Mas quem não sabe disso? A idosa realmente não precisava ser lembrada desse detalhe, não naquele momento: precisava apenas do medicamento. Simples assim.
Além disso, como sociedade temos opinião formada e contrária à doação de esmolas, a  ideia é ensinar a pescar o peixe. O  problema é que existem casos tão urgentes que não disponibilizam tempo para ‘instruções de pescaria’: ou o auxílio é imediato, ou não precisa mais ser feito.
Não trabalho em instituição filantrópica, portanto não conseguimos os remédios dos quais a senhora tanto precisava. Mas dentre todas, houve uma colega de alma generosa que, sem muita conversa, atravessou a rua e comprou a medicação indicada. Não julgou, foi e fez. Não considerou útil realizar uma sindicância de vida pregressa para saber se a idosa merecia o auxílio,  simplesmente escolheu fazer o bem, conforme suas possibilidades.
A mulher foi embora na chuva, arrastando-se com as muletas, e ainda chorando. Mas posso apostar que as lágrimas agora eram de gratidão e de esperanças renovadas no coração de uma mãe.
Ficou de tudo pelo menos uma grande lição: a parábola O Bom Samaritano, contada por Jesus Cristo, continua em pleno vigor, sobretudo nestes tempos conturbados em que vivemos. Quem quer fazer o bem, sempre acha um jeito. Quem não quer, além de não fazer nada, critica e bota defeito: ora julgando o necessitado, ora culpando o governo, a lentidão da justiça, o Deus dos céus...  Tão fácil ser cheio de argumentos e opiniões quando se está saudável e comodamente sentado, abrigado da chuva e do frio, numa sala com calefação!

Suzy Rhoden

25 comentários:

  1. Lindo texto e atitude da colega! E é bem assim:fazer. Temos tanto a fazer sempre,basta querer! beijos, aqui na curtição do filho ainda essa semana,... chica

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    1. Chica, obrigada por vir, mesmo tendo visita tão importante em sua casa! Aproveita mesmo, pois os dias passam voando quando estamos perto de pessoas queridas... beijão!

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  2. Limerique

    Não escolhemos a hora, esta vem
    Necessitando sempre existe alguém
    Se houver a opção
    Abra seu coração
    E nunca se exima de fazer o bem.

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    1. Obrigada, Jair!
      Perfeitamente adequado seu limerique à ideia que o texto traz. Um abraço!

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  3. Creio piamente no dito popular de que Deus se disfarça de mendigo para testar a bondade dos homens.
    "Tão fácil ser cheio de argumentos e opiniões quando se está saudável e comodamente sentado, abrigado da chuva e do frio, numa sala com calefação"
    Tão humano e digno dar um pão dormido a quem bate a nossa porta, mas mais digno ainda é comprar pão fresco e levar a alguém no meio da rua, atravessar a rua para pagar pelo pão necessário. "Fazer o bem sem olhar a quem".
    É de histórias assim que noticiário precisa.

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    1. Sabe, Tina, que sempre tive pessoas muito generosas perto de mim, daquelas que ensinam pelo exemplo e não pelas palavras. Numa ocasião, muitos anos atrás, vi uma amiga minha ir até um banco da praça, onde dormia um mendigo, para deixar-lhe metade de seu pacote de bolachas. Perguntei se era a primeira vez que fazia isso, e ela me falou que não: todos os dias, quando subia a rua rumo a faculdade, passava pelo local e deixava metade de seu lanche para ele. Nunca esqueci disso, desse exemplo silencioso, que somente foi descoberto quando vi com meus próprios olhos, e não pela vanglória daquela que o ajudava.
      É de histórias assim que o noticiário precisa, com certeza!!!
      Beijo, minha querida.

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  4. De fato uma grande lição Suzy! Penso que vou me lembrar dessa história ao me deparar com alguma situação semelhante. Tá vendo como seu texto pode abrir os olhos e expandir o espírito de caridade de muitos? Muito legal, adorei!

    Beijos

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    1. Néia, na verdade acredito que seus olhos já estão muito abertos para enxergar as necessidades deste mundo, você é alguém que faz o bem o tempo todo, em especial quando compartilha conosco sua vasta sabedoria. Fico feliz por ter contribuído de alguma forma nesse sentido, com meu texto, e agradeço o carinho de tuas palavras.

      Beijão!

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  5. Olá Suzy!
    É importante fazer o bem desinteressadamente.
    Foi muito bonito o gesto da sua colega.
    Ela auxiliou o próximo na medida de suas forças,
    e certamente será recompensada...
    É isso que Jesus espera de nós;
    que transformemos amor em ação.
    Bjs :)

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    1. Clau,

      Minha colega é, sim, um grande exemplo de vida cristã sob muitos aspectos, é alguém que ajuda pela alegria de ajudar, por saber que é o certo a se fazer, por ter um coração bom e puro.
      Sinto-me muito abençoada por viver cercada de pessoas assim, tanto na vida real, quanto em meus contatos virtuais: pessoas do bem, pacificadoras, dispostas a transformar amor em ação, como você comentou.
      E você também é alguém assim, dá para sentir isso pelo tipo de publicação que encontramos em seu blog.

      Um grande beijo!

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  6. Suzy!

    Emocionante seu texto!! Sabiamente vc cita a famosa parábola de Jesus sobre o samaritano atacado por assaltantes – uma de minhas prediletas pela forte mensagem contida.

    O tratamento que o samaritano deu ao homem ferido ilustra vividamente o que é a verdadeira misericórdia. Um sacerdote e um levita (que serviam no templo) não se importaram com um compatriota judeu semimorto, mas um samaritano, considerado inimigo e fortemente hostilizado naquela época, fez grande esforço para ajudá-lo.

    O ensinamento contido nessa parábola de Jesus é forte e explicita: diferenças nacionais, religiosas ou culturais não são obstáculos à misericórdia.

    Quando contou essa parábola, Jesus estava na Judeia, não muito longe de Jerusalém. Portanto, seus ouvintes com certeza conheciam aquela estrada. Ela era perigosa, especialmente para alguém que estivesse viajando sozinho. Por ser uma estrada cheia de curvas e passar por uma região desabitada, havia muitos lugares onde ladrões podiam esconder-se. Muitos sacerdotes e levitas moravam em Jericó quando não estavam a serviço no templo. Jericó ficava apenas a uns 23 quilômetros de Jerusalém. Por isso, era comum eles passarem por aquela estrada. Isso fazia sentido para seus ouvintes. Fascina-me o fato de que, ao usar de ilustrações, Jesus pensava em seus ouvintes fazendo-se valer de fatos que eram facilmente assimilados por todos. Veja que interessante, vc fez o mesmo na sua crônica!!

    Essa parábola tem tocado o coração de pessoas de muitas culturas no decorrer dos séculos, e mesmo assim, ainda há pessoas que questionam se Jesus existiu de fato!

    Parabéns à sua colega de trabalho pela bela lição de misericórdia e a vc por usar de seu espaço nos trazendo verdadeiras pérolas como essa!

    Um grande beijo!

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  7. O fato em si, indigno para a condição (des)humana, faz crescer um bolo na garganta, mas tua redação repleta de sentimentos dá um nó no peito... adoro o que vc compartilha, Suzy, leva a gente junto no que escreve maravilhosamente bem, simples assim!

    Beijos

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    1. Obrigada, Denise! Como você é gentil...
      Sim, dá um nó na garganta, um aperto no estômago, pois infelizmente a senhora da crônica é apenas mais uma no meio de milhares que enfrentam a mesma situação... Se esperarmos apenas por quem pode e deve fazer algo, perderemos ótimas oportunidades de aperfeiçoamento pessoal - pois acredito que progride muito quem presta auxílio desinteressado - e deixaremos mais um 'próximo' sofrendo nesta vida. Bem melhor darmos as mãos e cada um ajudar conforme puder´: é simples, é prático e é recompensador!

      Tão bom ter você aqui! Beijos.

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  8. Oi, Suzy,
    Só de ver uma idosa, de bengala, na chuva e chorando pelo seu filho, nada mais a pensar: a situação já comove. Se for verdade ou não, é irrelevante diante da dúvida e do arrependimento que pode nos causar... Você mostrou muita emoção na sua narrativa. Eu não relutaria, ajudaria, também!
    A foto está ótima!

    Beijos pra você!

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    1. Exato, Tais: se for verdade ou não, pouco importa àquela altura! O que não podemos é, devido aos tantos golpes que existem por aí, nos cobrirmos com a capa da insensibilidade e fecharmos os olhos as necessidades de nosso próximo. Não precisamos dar dinheiro - particularmente não gosto de fazer isso: comprar o remédio, nesse caso, me pareceu perfeito!

      Grata pela presença, beijos!

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  9. Suzy!

    Emocionante seu texto!! Sabiamente vc cita a famosa parábola de Jesus sobre o bom samaritano que socorre um desconhecido atacado por assaltantes – uma de minhas prediletas pela forte mensagem contida.

    O tratamento que o samaritano deu ao homem ferido ilustra vividamente o que é a verdadeira misericórdia. Um sacerdote e um levita (que serviam no templo) não se importaram com um compatriota judeu semimorto, mas um samaritano, considerado inimigo e fortemente hostilizado naquela época, fez grande esforço para ajudá-lo.

    O ensinamento contido nessa parábola de Jesus é forte e explicita: diferenças nacionais, religiosas ou culturais não são obstáculos à misericórdia.

    Quando contou essa parábola, Jesus estava na Judeia, não muito longe de Jerusalém. Portanto, seus ouvintes com certeza conheciam aquela estrada perigosa, especialmente para alguém que estivesse viajando sozinho. Muitos sacerdotes e levitas moravam em Jericó quando não estavam a serviço no templo. Jericó ficava apenas a uns 23 quilômetros de Jerusalém. Por isso, era comum eles passarem por aquela estrada. Isso fazia sentido para seus ouvintes. Fascina-me o fato de que, ao usar de ilustrações, Jesus pensava em seus ouvintes valendo-se de exemplos que eram facilmente assimilados por todos. De certa forma, vc fez isso nessa belíssima crônica: valeu-se de um acontecimento do seu cotidiano para nos levar a uma reflexão.

    Parabéns à sua colega de trabalho pela bela lição de misericórdia e a vc por usar de seu espaço para nos trazer verdadeiras pérolas como essa!

    Um grande beijo!

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    1. Sueli,

      Temos novamente algo em comum: a história do bom samaritano também é uma de minhas preferidas! O relato é breve, mas contundente. Mostra que a verdadeira compaixão está diretamente relacionada as obras e não a uma simples aparência de religiosidade, afinal o levita e o sacerdote trabalhavam no templo mas nada fizeram! Quem realmente demonstrou amor foi aquele que fez algo, que cuidou do ferido sem qualquer julgamento, sem qualquer racionalização.

      Quanto ao método de ensino do Mestre, não era perfeito? Ensinava através de símbolos e ilustrações, aproximando a mensagem de seu ouvinte, a ponto de não apenas entendê-la, mas guardá-la vividamente no coração. Em minha vida de professora, procurei seguir esse padrão. Até hoje, quando ensino, procuro ilustrar e clarear a lição, levando-a até o contexto diário do meu expectador.

      Precioso seu comentário, trazendo interpretação perfeitamente adequada de uma das mais belas histórias das escrituras. Um beijão!

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  10. OI SUZY!
    TUA COLEGA TEVE ESTA ATITUDE, COMO DISSESTE, SEM NEM FALAR NADA, FOI E FEZ O QUE SEU CORAÇÃO DITOU.
    QUE SEJA ABENÇOADA E QUE RECEBA MUITAS VEZES MAIS O QUE DOOU.
    COMO SEMPRE UM BELO TEXTO AMIGA.
    ABRÇS
    http://zilanicelia.blogspot.com.br/

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    1. Oi Lani!

      Certamente receberá em dobro ou triplo, a resposta do céu e da vida é essa para quem ousa fazer o bem sem olhar a quem!!!

      Beijos, minha querida.

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  11. Olá Suzy,

    Infelizmente, é assim que a sociedade procede. Poucos se dão conta de que ensinar a pescar é para depois do socorro imediato. Quanto sofrimento deveria estar no coração desta mãe para necessitar pedir, numa situação bastante desconfortável. Ainda bem que ainda há almas iluminadas e generosas, como da sua colega, para ajudar sem questionar, já que tinha condições para fazê-lo. O verdadeiro sentido da caridade aí reside. Se aquele que pede o faz de maneira leviana, por certo arcará com as consequências, não nos cabendo julgar. Claro que há situações em que a má fé é aparente, mas em caso de dúvida, devemos exercitar a solidariedade.

    Beijo.

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    1. Vera, você é sempre perfeitamente sensata, não me restam comentários a fazer nesta resposta a não ser concordar em tudo com você e agradecer sua presença aqui!

      Um beijo enorme!

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  12. Pra certos tipos de coisa, minha amiga, a burocracia (e ignorância) humana chega a ser absurda... É um lindo retrato do que fez aquela mãe pelo seu filho, que independentemente do problema, necessitava daqueles medicamentos.

    Quantas vezes ouvi críticas absurdas a pessoas que estavam na fase terminal de suas vidas, pois passaram anos consumindo álcool e cigarro... Até mesmo um câncer de pele foi alvo disso: "Também, não saía da praia, não passava protetor." Seria tão simples usar esse tempo de diálogo inútil para ser útil de alguma forma, não? Pedindo a melhora da pessoa, por exemplo.

    Esse texto mostra aqueles casos de respingos de solidariedade dentro de uma sociedade tão descarrilhada. Muito linda atitude.

    Grande abraço!

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    1. Luís,

      A falta de sensibilidade de algumas pessoas impressiona, não é mesmo? Algum dia quero contar no blog a experiência que tive acompanhando os últimos dias de um senhor, vítima de um câncer no fígado... Que importa se a bebida consumiu seu órgão? É hora de julgar ou de ajudar? Felizmente fiz a boa escolha, e tenho ótimas lembranças daqueles dias...
      Infelizmente, as pessoas buscam condições para amar, quando na verdade o amor deveria ser incondicional.

      Um abração!

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  13. Achei tão linda e perfeita a sua crônica que a levei para a nossa página no FACE: https://www.facebook.com/pages/Cantinho-da-Maturidade/196006563858554 amo a parábola do Bom Samaritano!!
    abraços fraternos
    ah! levei o seu link também.

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  14. Soninha, acabo de passear por seu 'cantinho da maturidade' do Face, e estou encantada! Como é lindo seu espaço, todo colorido e cheio de dicas preciosas!!! AMEI!!! Ah, e claro, fiquei lisonjeada ao encontrar dois textos meus por lá, quanta gentileza a sua! Agradeço o carinho e deixo muitos beijos para você, convidando-a a retornar.

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