Na falta de um
barco, para dar um passeio pelas ruas alagadas de minha cidade, resigno-me ao
aconchego de meus aposentos, acompanhada de um prato de bolos fritos e chimarrão.
Um pouco leio e um pouco escrevo. Coisas típicas de um dia de chuva, afinal.
E, nesse
intercalar prazeroso entre comer-beber-ler-escrever, sobro em pensamentos.
Talvez por isso não gostemos muito da chuva, quando vem por dias seguidos:
somos convidados a mergulhar em profundas reflexões – será por mera falta de
outras opções?! E esse mergulho abre o baú tanto para boas, quanto para amargas
recordações.
O engraçado é que
num instante perdemos o controle, o fio do pensamento. Ele se vai, e nós
ficamos. Quando caímos na real, o rosto está molhado por lágrimas doídas de
quinhentos anos atrás, como se naquele momento sentíssemos, com a mesma
profundidade, aquelas dores de tantos anos passados. Dia de chuva é um perigo, é
um flerte com o precipício!
Um minuto depois,
contudo, estamos sorrindo com a lembrança dos inesquecíveis banhos de chuva –
os divertidos, e também os que nos fizeram pagar mico! E aí o sorriso vira
gargalhada, pois entre quatro paredes ficamos à vontade para soltar a risada, aquela
entalada há tempos na garganta, que na hora exata o vexame não permitiu sair. Rimos
de nós mesmos e de nossas presepadas.
Mas, com a
lembrança da gafe, vem a mente a fisionomia da testemunha ocular dos fatos: a
Poripopilda, nunca mais a vi! Por onde anda essa criatura?! Não deu mais
notícias, deve estar casada, muito ocupada, mãe de uns sete filhos para
justificar o sumiço... Poderia procurá-la no Facebook! E correr o risco de
vê-la postar, imediatamente após o tradicional ‘oi, quanto tempo!’, um ‘lembro
como se fosse hoje daquele seu mico impagável!’, E segue o relato minucioso do
mico, pra toda web ler, pois a Poripopilda, muito ocupada com a filharada, não
teve até hoje tempo para atualizar-se das configurações e descobrir que é possível – em tese
– um mínimo de privacidade nas redes sociais – jura?! É, deixa a Poripopilda só
nas lembranças mesmo...
E assim vagueia o
pensamento, sem rumo certo, à procura de um pouco de sol possivelmente. E assim
vagueio eu, tropeçando nas palavras, atrás desse inconstante... que por sinal,
acaba de fugir outra vez! Que vá – cansei-me da brincadeira. Aguardo seu
retorno, atracada em um bolinho de chuva.
Pois comer é o que há.
“Chove chuva,
chove sem parar...” (Jorge Ben Jor)
Suzy Rhoden