Elisa revirou-se na cama mais uma vez e, por fim,
desistiu de dormir. Acendeu a luz de cabeceira. O sono não viria naquela noite,
fora expulso pelos milhões de pensamentos que borbulhavam em sua mente.
Reconhecia a ansiedade - aquela intrometida,
diagnosticada há dez anos. Mas, ao contrário daquela época sombria de sua vida,
agora sabia lidar bem com a intrusa: transformara-a em aliada, por vezes até
mesmo em uma companheira.
A jovem pensava nas voltas que dá a vida. Movida por
esse pensamento, estendeu a mão e puxou para perto o antigo diário. Um
marcador, entre uma página rabiscada e outra em branco, situava Elisa no tempo
presente, entre o passado e o futuro.
Ali estava ela, prestes a avançar, traçando novas
linhas. Contudo, havia um conflito: e se essas novas linhas significassem
literalmente um retorno ao passado? Estaria preparada para reescrever sua história? Passá-la a limpo, com nova data,
mas nas mesmas circunstâncias antigas?
Com o coração aos pulos, voltou no tempo virando páginas.
Sabia bem onde queria chegar: às páginas borradas com lágrimas e preenchidas
com letra tremida. Quanta dor ali guardada! Sofrimento tão intenso que
transbordou da alma, tomou forma de palavras, disfarçou-se de obra literária. A
coletânea era tão melancólica que recebeu um título sugestivo: Lembranças de
Morrer.
Mas ela não morreu. Numa determinada página, na
sequência dos dias, a letra ainda tremia, mas já não estava borrada. E ali
dizia: “Adeus, deserto! Vou-me embora e não retorno. Deste lugar miserável, não
quero nem o pó nos meus sapatos!” Colocou o diário embaixo do braço e foi, para
nunca mais voltar.
No novo lar, Elisa viveu novas histórias – nem todas
com final feliz. Porém, ao invés de tremer a letra e manchar as páginas,
escrevia cada vez com mais determinação e capricho. Com o passar do tempo,
aprendeu que desesperar-se não garantia alteração no enredo; chorar não mudava
para melhor o desfecho. Ao invés disso, percebeu que cada desafio que
enfrentava e registrava, fazia com que escrevesse – e vivesse – com mais
segurança. Em suma, cada dissabor contribuiu para seu aperfeiçoamento.
Até que, num inesperado dia, foi enviada pelo destino
de volta ao começo. Como assim, voltar para o deserto?! Somente uma criatura
insana aceitaria tal designação. Elisa tinha sobriedade suficiente para dizer a
si mesma e ao mundo que não, ela não retornaria!
No entanto, a jovem tinha também maturidade para
entender o desafio que a vida lhe propunha: sair do deserto foi apenas a tarefa
inicial, um preparativo para a grande e verdadeira missão que lhe cabia. Retornar
e transformar aquele lugar sombrio em um lar seria a verdadeira superação.
Elisa podia negar para o mundo, mas intimamente sentia:
era hora de regressar. Ainda assim, tinha
liberdade de escolha e, se quisesse, podia seguir em frente sem olhar pra trás,
protagonizando novos capítulos de novas histórias. A decisão seria
exclusivamente sua.
Pensativa, Elisa localizou o marcador e retomou a
última página preenchida de seu diário. Seus dedos avançaram sobre o criado-mudo
à procura da caneta: tinha coisas surpreendentes a registrar naquela noite.
Tinha uma vida para reescrever.
Suzy Rhoden
Suzy, esbanjando talento com as letras, teu conto acabou sendo "devorado" enquanto as imagens criadas na minha mente davam vida à Elisa - e sua noite de insônia, como esta minha...
ResponderExcluirFiquei pensando, leiga que sou, se um conto pode virar uma história, um livro...este daria pra seguir em muitas direções. Uma romancista, já pensou nisso, minha amiga? Eu te leria e indicaria, com toda certeza!!
No campo da reflexão que este diário sugere, fica bem marcado o limite temporal, e evidente o ciclo evolutivo que a gente vai delineando enquanto vive... superação, resiliência, dias melhores - ou SER melhor?
Sei que se disser que adorei, me repito, mas, adorei, e daí?... rsrsrs
Beijos!!
Denise, que orgulho destas tuas palavras sobre a minha humilde pessoa!!! rsrsrs Verdade, eu estou falando sério. Uma romancista?! Nossa, nunca pensei... manter uma história interessante até o fim é um enorme desafio. Mas quem sabe algum dia... Por enquanto gosto dessas possibilidades que o conto oferece de continuar a ser escrito pelo leitor, tomando o rumo que cada um quiser. Isso não é fantástico? O desfecho de Elisa será definido de muitas maneiras... 'e o final Você Decide!' rsrsrsrs
ExcluirObrigada, Denise, seus comentários são preciosos pela pessoa incrível que você é! Adoro sempre, obrigada, obrigada!
Lindo! E Elisa saia que tinha um grande desafio pela frente e no momento já sabia que iria conseguir... Linda tarefa lhe esperava! Lindo conto,Suzy! beijos,chica
ResponderExcluirObrigada, Chica! Eu queria ter a disposição dessa Elisa, viu... rsrsrs
ExcluirBeijo, minha querida, grata por vir!!!
Oi Suzy querida. Estou aqui envolvida por este diário encantado, que mais parece uma súmula de minha própria vida. Me identifiquei em cada linha.
ResponderExcluirAs batalhas percorridas, o medo de prosseguir, e a força que me impulsionou pra não desistir, seguir em frente, mesmo com recaídas,e poder contemplar a vitória do amor num sentido pleno, que sempre vence todos os obstáculos, além da aceitação e paciência que muitas vezes é fundamental em determinadas situações para acalmar as tempestades e poder navegar em águas claras e mansas.O retorno ao diário de palavras tristes, linhas tortas, é necessário, para medirmos a nossa capacidade de crescimento, pois toda passagem na vida é ponte para alcançarmos algo de melhor. Lidar com este diário é estar dentro dele e ao mesmo tempo ver que mesmo assim ele cabe em nossas mãos.
Um grande abraço.
Parabéns por este dom.
Obrigada Lourdinha! Eu é que fico encantada com suas palavras corajosas, relatando experiências pessoais tão valiosas. Adorei todo o comentário e em especial a parte final "Lidar com este diário é estar dentro dele e ao mesmo tempo ver que mesmo assim ele cabe em nossas mãos". Perfeito e poético, adorei!
ExcluirBeijos
Limerique
ResponderExcluirNaquele velho memento de Elisa
Seu assim passado ela pesquisa
Existia um deserto
No passado incerto
Mas a vida continua ele avisa.
Boa, Jair! Seus limeriques são sempre exatos, obrigada!
Excluir
ResponderExcluirOlá Suzy,
Lindo o conto, envolvente e sabiamente elaborado.
Como diz a letra de uma música, "nada será de novo do jeito que já foi um dia". É certo, mas toda história poderá ser reescrita com nuances diferentes e enriquecidas com experiências adquiridas.
Aprende-se muito com a dor e o amadurecimento chega, trazendo mais confiança nos passos. Elisa estava pronta para retomar seu diário e reescrever sua história com base em escolhas conscientes e ditadas pelo seu coração.
Parabéns, querida.
Adorei ler.
Ótimo final de semana.
Beijo.
Vera Lúcia, você é sempre muito, muito gentil!
ExcluirRealmente, a reescrita nunca é idêntica ao seu rascunho. Penso que ela tende a superar o original, se for uma reescrita consciente, madura. Acredito que esse é o caso de Elisa. Você captou muito bem o 'ponto' do texto. Um beijão, desejando também a ti um belo final de semana!!!
Olá Suzy :)
ResponderExcluirElisa saberá reescrever lindamente sua vida nesse diário,
afinal ela entende que o deserto
é um lugar de passagem e não de morada,
(pois ela já esteve nele).
Bjs querida amiga \o/
Oi Clau! Que bom se víssemos como Elisa, soubéssemos que os desertos são temporários, não é? Muito obrigada pelo comentário, beijos!
Excluir“Contudo, havia um conflito: e se essas novas linhas significassem literalmente um retorno ao passado?
ResponderExcluir(…) Passá-la a limpo, com nova data, mas nas mesmas circunstâncias antigas?”
Oi, Suzy, esse conto dá pano pra manga! Desvendou o interior, talvez os traumas de Elisa, e que não queria que voltasse; desvendou novas possibilidades dela seguir em frente sem olhar para trás, para o que passou. Com certeza muita coisa serviu para não ser repetida, mas que tirou algumas lágrimas de Elisa, deve ter tirado. É lógico que lendo o 'Diário de Elisa', pensamos em nós. Até num suposto diário que pode vir a acontecer; em coisas que não valem lembrar, pois traria frustrações e sofrimentos ao presente. Certas pessoas vivem de suas experiências do passado; outras vivem o futuro, com projetos e idealizando um viver feliz. Presente não existe, minutos se passam e já estamos no passado. São como as horas.
Pois é, para não me estender mais, adorei o Diário de Elisa, com uma escrita elegante, bem própria sua. E mais: você deu o recado... e muito bem entendido. Cada um que dê seu 'nó' final...
Um beijo!
Tais, adoro as possibilidades que se abrem para esse 'nó' final, que cada um de nós dá a sua maneira, conforme suas vivências e experiências... Você, como sempre, capta bem o que fica nas entrelinhas. Afinal, quem de nós nunca precisou ir lá no passado dar uma organizada no que ficou mal resolvido pelo caminho? E depois, é pra frente que se anda!
ExcluirValeu, é um prazer tê-la aqui. Beijos!
OI SUZY!
ResponderExcluirDEMAIS COMO SEMPRE, NÃO TEM COMO NÃO SER REPETITIVA.
ESTE VOLTAR AO PASSADO,DE ELISA, PARA MIM, SERIA RESGATAR O QUE FOI DEIXADO EM BRANCO, POIS NA VIDA, MUITAS VEZES NOS ACOVARDAMOS FRENTE AOS PROBLEMAS E DELES FUGIMOS, REPRESENTADO EM TEU TEXTO POR ESTE DESERTO,SEM QUE SEJAM REALMENTE RESOLVIDOS. ACHO QUE SÓ ESTAMOS "PRONTAS" PARA O DEPOIS, AO ENFRENTARMOS DE FRENTE E COM CORAGEM O QUE SE NOS FOR IMPOSTO.
AO VOLTAR AO SEU DESERTO,ELISA TERÁ A CHANCE DE REESCREVER SUA HISTÓRIA, INDEPENDENTE DE SE QUEM A CERCA E NELA ESTÁ ENVOLVIDO(A) TAMBÉM O QUEIRA.
É A MAGNIFICÊNCIA DO "PAI" QUE NOS PROPORCIONA ESTA POSSIBILIDADE.
LINDO, LINDO, LINDO...
ABRÇS
http://zilanicelia.blogspot.com.br/
Zilani, que interessante interpretação dos conflitos de Elisa! Realmente, em nossa vida ficam muitas páginas em branco, pedindo uma continuação, uma resolução. Mas, no momento em questão, nem sempre estamos estruturadas para resolver a vida. Por isso, é preciso voltar lá do futuro para por os pingos nos is, e encerrar os capítulos em aberto. Acho que é por aí, sim, e coragem é preciso para tudo isso!
ExcluirObrigada pelos elogios, pelo carinho, pela bondade de suas palavras, que são incentivo para mim. Um montão de beijos!
Olha, sou um admirador desse teu trabalho, Suzy!
ResponderExcluirReescrever a vida não deve ser uma tarefa fácil. Parece ser uma das ações que mais exigem coragem e determinação. Dar continuidade já exige bastante. Principalmente tempo e paciência. Enfrentar o sombrio, o passado, o lar destruído é como ficar cara a cara com o pesadelo. E finalmente não correr. Isso surpreende qualquer monstro. Somos receosos, porém. Mas aprendemos uma hora que lidar com a questão pode ser de extrema ajuda. Quantas Elisas não existem? E quantas outras Elisas poderiam existir?
Uma reflexão, uma história de superação grandíssima. Muito bom, Suzy.
Um grande abraço!
Vim agradecer teu carinho e dizer que aquilo tudo foi apenas pela imagem e foi saindo, saindo... Mas acontece mesmo, infelizmente! beijos,chica
ResponderExcluirOlá, Suzy por coincidência achei este seu escrito! Achei incrível. Meu livro também se chama O Diário de Elisa se você quiser ler é só entrar no link:
ResponderExcluirhttps://www.clubedeautores.com.br/book/222692--O_Diario_de_Elisa#.WDH3mLIrLIU
Fique a vontade querida!