Um punhal não teria sido mais
certeiro do que aquela fotografia entre os pertences do marido. O sorriso perfuro
cortante atingiu-lhe em cheio o coração – não havia nele sinais de desdém, o
que mais a machucou. Havia apenas supremacia. Como alguém que sorri do passado
encarando o futuro, disposta a viver como um eterno presente na vida daquele
para quem, naquele instante, sorria.
Odiou à primeira vista aquela
desconhecida tão familiar. Sabia bem de quem se tratava... O gosto amargo da
traição tocou-lhe os lábios, enquanto dos olhos vazaram litros de
ressentimento. Amava-o, isso não era o bastante? Dedicara a ele cada um de seus
dias; a fidelidade de seu corpo e de sua alma; a intensidade de seus
pensamentos. E ele fora apenas metade, todos esses anos!
Guardava, ainda, a lembrança
de uma mulher que o rejeitou. De uma garota estúpida que pisou, sem piedade, em
seus mais nobres sentimentos. E partiu, sem olhar para trás, deixando nas mãos
que ofereciam amor apenas um maldito retrato.
Ela – a esposa devotada – o encontrara mutilado por dentro. Juntou-lhe os
cacos, mostrou-lhe outra forma de amar: com um amor maduro, alicerçado na
amizade e no companheirismo, que encontra a própria felicidade no altruísmo.
Sereno como o raiar de um novo dia.
Mas ele insistia em voltar os
olhos para o crepúsculo de sua vida. Buscava a que, talvez, tenha apontado estrelas, mas
deixara noite e solidão em seu lugar. Por que, afinal, ele procurava por quem se foi sem sequer dizer
adeus, quando tinha ao lado alguém que
esquecia de si para agradá-lo e fazê-lo
feliz?! Por quê?! Um milhão de inconsoláveis por quês...
Estraçalhada, sufocou um
gemido no peito, enquanto o corpo pendia para a frente, contraído pela dor
repentina. Uma dor da alma, aguda e dilacerante, a rasgar-lhe os sonhos e as
esperanças que alimentou. Susteve-a a escrivaninha, onde firmou os braços em
busca de apoio, carente de alento – a mesma
escrivaninha que, cinicamente, ocultara o sorriso de outra em seus compartimentos.
Num esforço supremo, juntou
a porção de dignidade que lhe restava e
premeditou a cena final. Sabia de antemão que seria julgada imatura e que sua
decisão seria vista como um ato de desespero. Mas não importava, estava
disposta a acabar definitivamente com aquele fantasma, podia vislumbrar-lhe as
cinzas inglórias! Agiu.
Como que atraído pela
tragédia, que se dissipava tal qual fumaça no ar, o marido entrou no escritório
para ver extinguir-se a última chama. Era tarde
para resgatar do incêndio de ciúmes da esposa o sorriso que, por tantos
anos, o hipnotizou.
O passado finalmente encontrou
seu lugar na linha do tempo: parou de provocar o futuro, tornou-se incapaz de
assombrar o presente. Ficou para trás, fincou raízes na Terra do Nunca e ali
jaz, esquecido.
Marido e mulher não disseram
palavra, não foi necessário. Abraçaram-se. Morreu, com a última chama, a paixão
– ela foi sacrificada. Para que pudesse nascer, pleno de sinceridade, o amor –
ele merecia existir!
Suzy Rhoden