De tanto ler e ouvir que hoje em dia não
se pode mais confiar em ninguém, fiquei pensando no assunto. Estaremos diante
de um caos nos relacionamentos humanos, como aquele que se viu há algum tempo
no sistema aéreo brasileiro? Um tsunami de decepções, arrastando gente indefesa que,
enquanto veraneava na praia da amizade, era traída da maneira mais vil e
apunhalada pelas costas?
Frases nesse teor estampam as redes
sociais, a frustração é a palavra da vez. O ambiente virtual funciona como o clube dos magoados: espaço adequado para
desabafos de uns, indiretas de outros. Sinta-se à vontade para refutar a
afirmativa quem nunca, nunquinha mesmo, fez uso da palavra escrita para um dos
fins aqui mencionados.
Mas sabe o que penso disso tudo? Que é
perda de tempo. Perdemos tempo tentando transformar o outro num arremedo de nós
mesmos. Querendo que ele corresponda as nossas expectativas, ao invés de
permitirmos que seja autêntico. Cobrando e sufocando, focados em nossas
necessidades, sem pensar que o outro poderá estar ainda mais ocupado do que
nós, debatendo-se com problemas que nem nos passam pela cabeça!
Para mim, o problema não está nos
relacionamentos humanos – está na falta deles! Não queremos nos relacionar, queremos apenas ser
beneficiados O TEMPO TODO! E ainda temos a covardia de chamar isso de amizade,
de induzir que o outro tem obrigações conosco porque é nosso amigo...
Não raro, agimos como se a amizade fosse
uma via de sentido único – convergindo para
nós, é claro. Lembro-me do relato de uma amiga, que havia se tornado mãe de primeira viagem há poucos dias, e
ainda assim, embora muito assoberbada, lembrou-se de ligar para uma conhecida. A fulana, mal atendeu o telefone,
crivou a primeira de cobranças: não poderia ter sumido daquele jeito, nunca
mais ligou, precisa se organizar e encontrar tempo para as amigas, ter filho
não é doença terminal, virou reclusa, se isolou de todo mundo, etc, etc. Em
nenhum momento se deu conta de que a sumida
era justamente quem tinha ligado!
Cobrar dos outros é desgastante e inútil.
Acaso podemos nós oferecer a perfeição? Para que, então, cobrá-la de meros
mortais com os quais nos relacionamos?! Aí todos se afastam, porque não nos
aguentam mais, e nós arrogantemente botamos a culpa na fragilidade dos
relacionamentos humanos em tempos contemporâneos.
Felizmente, em minha vida nunca faltaram
os bons exemplos. De gente que consegue se despir do instinto cobrador e
simplesmente ser amigo. Sem pensar no
que vai lucrar com isso. Sem colocar-se no relacionamento como o eixo central
da terra. Sem desrespeitar a opinião do outro, pois entende que o livre
arbítrio é uma dádiva divina. Sem tentar ajustar a personalidade alheia a sua,
pois aceita cada filho do Pai Celestial como único e incomparável.
Quero citar dois exemplos apenas, dentre
os tantos que me ocorrem neste momento. O
primeiro deles faz aniversário hoje. E
atende por Gabriela, minha AMIGA, não apenas com o A, mas com todas as letras
maiúsculas. Mora bem longe de mim, fisicamente, mas às vezes me confundo e
penso que ela está no meio da minha sala. Nunca senti sua ausência. Mesmo
quando ficamos meses, anos sem comunicação. Ao nos reencontrarmos, falamos do
ano passado como se fosse ontem, e nenhuma culpou a outra pelo sumiço.
Não estávamos sumidas, estávamos vivendo, ou seja, escrevendo histórias
para mais tarde contá-las uma a outra. A desconfiança jamais ocupou nossos
pensamentos, pois a amizade (o amor, a caridade) “não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se
irrita, não suspeita mal” (I Cor. 13: 5). Se não for assim, é algo, mas não
é amizade.
O outro exemplo me foi trazido por
Gabriela, na ocasião de sua vinda recente ao Brasil. Felizes com sua visita,
todos nos empenhamos em comprar-lhe presentes, enquanto disputávamos seu tempo
conosco. Uma pessoa, porém, não entrou na disputa, mas suplantou a todas nós
com a discrição de sua oferta: ao invés de pedir o tempo de Gabriela, nos
poucos minutos que passaram juntas deu-lhe de presente um diário. Simples
assim.
Ao lê-lo, em casa, Gabriela descobriu um
registro minucioso de sua amizade desde o momento em que se conheceram, as
aventuras que viveram juntas, as situações inusitadas, engraçadas, tristes...
momentos que se perderiam na mente assoberbada de minha amiga, se não fosse
alguém interessado em dedicar seu tempo para preservar uma rica história. Alguém
que se doou sem cobrar nada. Sem jogar na cara: por que não me ligou esses anos
todos?! Pois entende que amizade é algo que se compartilha espontaneamente, não
é uma obrigação.
De tudo isso, guardo uma conclusão: é fácil,
simples e econômico construir um bom relacionamento. Mas queremos o lucro.
Cobramos. Por isso afastamos as pessoas e depois lamentamos: não se pode
confiar em ninguém hoje em dia!
Porém pense cada um o que quiser, e viva
como lhe aprouver. De minha parte, só tenho mais uma coisa a dizer: relacionamentos humanos são uma bênção!
Gabriela, você tem tudo a ver com isso. Feliz aniversário!
Suzy
Rhoden