sábado, 14 de dezembro de 2013

Frase Inacabada


Leu o e-mail e chorou.
Muitos anos haviam se passado, e Augusto ainda mexia com seus sentimentos.
Manuela não compreendia bem a insistência daquele amor, que tinha tudo para ter sido, mas nunca foi. Como um livro interrompido no meio de uma frase, assim findou seu romance: sem uma vírgula, apontando um novo caminho; sem as reticências, dando margem a continuidade da história; sem mesmo um definitivo ponto final. Uma frase que não deu certo, talvez, mas que nunca se concluiu, nem nunca disse a que veio.
Analisando friamente seu roteiro de vida, Manuela diria que ambos foram absorvidos por novas histórias, das quais viraram personagens – não autores. Aos vinte anos, seguir a correnteza das oportunidades parecia mais interessante do que projetar um futuro de meras possibilidades... Apenas foi, conforme surgiram as ofertas de trabalho, sem pensar muito, quase sem sofrer. 
O sofrimento veio depois, com a compreensão de que realizações na carreira não preenchem espaços vazios no coração. Havia uma lacuna dentro dela, uma ausência diariamente sentida, que tinha nome próprio, telefone e endereço. Melhor ainda: tinha perfil nas redes sociais.
Claro que ela pensou em entrar em contato, foi quando se deparou com o status: "em um relacionamento sério com Yolanda Ferraz". Yolanda?! A branquela, magrela do colégio? Estava linda a Yolanda (Manuela fez questão de verificar, as mídias sociais existem justamente para esse fim), mas óbvio que Manuela jurou para si mesma que a colega estava horrível e completamente sem graça. 
Aos vinte e cinco anos conheceu a palavra ciúmes. Logo ela, que tantos sermões deu nas amigas pregando o amor próprio, a autossuficiência emocional. Não era, por natureza, uma pessoa dependente ou carente, virou-se muito bem sozinha por muitos anos. O problema era a falta imensa que ele fazia no somar dos dias, o coração que já não tinha motivos para bater acelerado e as mãos que suavam somente devido ao calor nordestino... 
Teve vontade de escrever na mesma hora, dizendo para ele acabar com aquela palhaçada e que o amor da vida dele era ela, sempre seria ela. Mas não fez nada do que pensou, controlou os impulsos, ou melhor, redirecionou a súbita sobrecarga de sentimentos: começou a escrever poemas.
Por vezes, parava no meio de um verso para rir de si mesma: quem imaginaria que a arquiteta, sempre tão exata, seria derrotada por uma equação de amor não resolvida! Se não podia resolvê-la, podia escrevê-la, com toda a subjetividade que seu trabalho sempre dispensou - mas que a vida amorosa exigiu.
Às vésperas de completar trinta anos, foi surpreendida pela notícia de que Augusto e Yolanda finalmente iriam se casar. Como assim, já não eram casados há muitos anos?! Pensava que até já tivessem filhos... "Não", respondeu por mensagem o amigo em comum, o romance não ia tão bem assim, sobreviveu devido à insistência de Yolanda. Ela venceu a apatia dele e os dois, até que enfim, iriam contrair núpcias. 
Estupefata com a descoberta, Manuela decidiu que não iria silenciar mais uma vez. Abriu o email, disposta a completar o romance inacabado de sua vida de uma vez por todas, mas... na caixa de entrada, encontrou um email de Augusto!!! 
Fechou os olhos, inspirou uma grande quantidade de ar - o suficiente para ter certeza de que não desmaiaria ao se deparar com o convite de casamento de seu grande amor - e abriu a mensagem. Sem maiores explicações, Augusto endereçava: "Para você" e direcionava para o arquivo, que Manuela abriu sentindo um aperto no coração.
Ao invés do convite esperado, porém, deparou-se  com poemas, escritos ao longo de dez anos, falando de amor, de partida, de ausência, de espera, de solidão. Aquele tempo todo, eles sentiram o mesmo! Amaram por mais de dez anos no mais absoluto silêncio, sem uma explicação plausível para a tola espera pela iniciativa do outro. Dez anos de um amor transformado em platônico, quando o ser amado estava ao alcance das mãos. Leu o email e chorou.
Em uma semana, Manuela desceu do avião em Porto Alegre, carregando poucas malas e muitos sonhos. Pretendia fazer uma surpresa para Augusto. Mas a surpreendida foi a própria Manuela: chegou no dia do casamento de seu amor, e a noiva não era ela! 
Finalmente, depois de dez anos reticentes, a frase inacabada ganharia uma vírgula. Ou um ponto final. 
Suzy Rhoden

Queridos amigos, despeço-me por algum tempo da blogosfera, sem data específica para retornar... talvez antes, talvez depois do planejado... para poder acompanhar mais de perto as férias de minhas crianças. 
Aproveito para desejar a todos um feliz período de festas, com as mais sinceras lembranças do Salvador Jesus Cristo em cada lar, visto ser Dele o nascimento celebrado na bela época do Natal. 
E que depois venha o Ano Novo, pleno de bênçãos para todos nós!!!

Um abraço aos queridos leitores, até breve.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Almoço no Sítio


Recentemente, meus colegas e eu tivemos um momento de descontração, almoçando juntos num sítio local. Interessante como adultos sérios e profissionalmente comprometidos viram crianças, de acordo com a informalidade do ambiente. Tivemos alguns minutos para rejuvenescer, respirando o ar puro e inocente do campo. Foi providencial.

Enquanto andava em volta dos açudes e posava para fotos bucólicas, pensava no tempo em que eu tinha tudo isso a minha inteira disposição. Cresci no interior, em local que os cosmopolitas chamam de sítio, chácara, fazenda, qualquer coisa assim. E, por incrível que pareça, tudo que eu queria naquela época era justamente alçar voo dos campos – limitadores – para a selva de pedras – sinônimo de liberdade. Queria viver, como se a vida se fizesse, de fato, somente nos grandes centros.

Segui exatamente por esse caminho, e não me arrependo. Tinha de ser assim. Ou melhor, eu quis que fosse assim, e foi tudo muito bem feito. O que não me impediu de amadurecer e entender que liberdade, verdadeiramente, era correr por aqueles campos sem fim, atravessar as lavouras de trigo, sentindo o vento esvoaçar meus cabelos. Acompanhada de meu cachorrinho Zumbi, parceiro para qualquer tipo de aventura.

Quando penso nessas coisas, sinto cheiro da infância maravilhosa que tive. A palavra cheiro não é recurso linguístico aqui: meu olfato parece funcionar como uma máquina do tempo, reproduzindo odores de outras épocas, que chegam povoados de lembranças. Foi assim durante o almoço de integração no sítio, as recordações borbulhavam em minha mente.

Hoje lamento o fato de meus filhos não terem a mesma sorte – não desfrutarem de uma fazenda só para eles, com riachos tranquilos e árvores para escalarem. Naturalmente, podem fazê-lo aos finais de semana, mas é inegável a diferença entre acordar de segunda a sexta-feira, dando de cara com grades e muros, e abrir a porta para um quintal que se estende até onde a vista alcança. Certas coisas não tem preço, mas a gente descobre depois que pagou passagem só de ida para a vida truncada de adulto, nas grandes metrópoles. 

Valorizar o que se tem é algo que a vida vai ensinando, mas que na flor da idade teimamos em contestar: queremos mais, queremos o que está além, vivemos de anseios. Já maduros, conseguimos ser crianças outras vez, sem pressa, sem culpas. 

Como se, no embalo do balanço da vida, já não nos importasse a velocidade com que o balanço vai e vem. Bastasse o fato de estarmos ali, vivendo um momento único, recebendo um sutil empurrãozinho 'do além'. Tornamo-nos gratos porque, ao invés de passar os anos, aprendemos a sentir os segundos

Foi assim, naquele dia. Naquele sítio.


Suzy Rhoden
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