sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Almoço no Sítio


Recentemente, meus colegas e eu tivemos um momento de descontração, almoçando juntos num sítio local. Interessante como adultos sérios e profissionalmente comprometidos viram crianças, de acordo com a informalidade do ambiente. Tivemos alguns minutos para rejuvenescer, respirando o ar puro e inocente do campo. Foi providencial.

Enquanto andava em volta dos açudes e posava para fotos bucólicas, pensava no tempo em que eu tinha tudo isso a minha inteira disposição. Cresci no interior, em local que os cosmopolitas chamam de sítio, chácara, fazenda, qualquer coisa assim. E, por incrível que pareça, tudo que eu queria naquela época era justamente alçar voo dos campos – limitadores – para a selva de pedras – sinônimo de liberdade. Queria viver, como se a vida se fizesse, de fato, somente nos grandes centros.

Segui exatamente por esse caminho, e não me arrependo. Tinha de ser assim. Ou melhor, eu quis que fosse assim, e foi tudo muito bem feito. O que não me impediu de amadurecer e entender que liberdade, verdadeiramente, era correr por aqueles campos sem fim, atravessar as lavouras de trigo, sentindo o vento esvoaçar meus cabelos. Acompanhada de meu cachorrinho Zumbi, parceiro para qualquer tipo de aventura.

Quando penso nessas coisas, sinto cheiro da infância maravilhosa que tive. A palavra cheiro não é recurso linguístico aqui: meu olfato parece funcionar como uma máquina do tempo, reproduzindo odores de outras épocas, que chegam povoados de lembranças. Foi assim durante o almoço de integração no sítio, as recordações borbulhavam em minha mente.

Hoje lamento o fato de meus filhos não terem a mesma sorte – não desfrutarem de uma fazenda só para eles, com riachos tranquilos e árvores para escalarem. Naturalmente, podem fazê-lo aos finais de semana, mas é inegável a diferença entre acordar de segunda a sexta-feira, dando de cara com grades e muros, e abrir a porta para um quintal que se estende até onde a vista alcança. Certas coisas não tem preço, mas a gente descobre depois que pagou passagem só de ida para a vida truncada de adulto, nas grandes metrópoles. 

Valorizar o que se tem é algo que a vida vai ensinando, mas que na flor da idade teimamos em contestar: queremos mais, queremos o que está além, vivemos de anseios. Já maduros, conseguimos ser crianças outras vez, sem pressa, sem culpas. 

Como se, no embalo do balanço da vida, já não nos importasse a velocidade com que o balanço vai e vem. Bastasse o fato de estarmos ali, vivendo um momento único, recebendo um sutil empurrãozinho 'do além'. Tornamo-nos gratos porque, ao invés de passar os anos, aprendemos a sentir os segundos

Foi assim, naquele dia. Naquele sítio.


Suzy Rhoden

16 comentários:

  1. Suzy,que lindo dia passaste num sítio, com colegas de trabalho e, certamente essa experiência serviu pra relembrar momentos vividos e naquela época nem tanto valorizados,não?

    Hoje sabemos o quanto tudo aquilo que viveste no dia a dia como normal, é considerado um grande passeio, um programa especial! beijos,tudo de bom,lindo fds! chiac

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  2. Suzy, encantador o que escreveu. Primeiro porque me identifico muito com essa nostalgia do olfato, lembro de cheiros frequentemente e acho isso incrível.
    Assim como suas crianças, também cresci limitado por muros e acredito que a experiência de acordar numa manhã verde, com horizontes diariamente seja espetacular. Mas, pensemos então pelo lado bom: Nós, mesmo já nas grandes cidades, temos a mesma vontade daquele que veio do campo: transgredir algumas barreiras. No campo ou na cidade, elevamos nossa imaginação de alguma maneira e isso nos faz bem. Uma pena que as cidades, hoje, sejam tão lotadas de problemas. Por isso os finais de semana no campo são primordiais. Faz meses que não vou. Faz ideia da minha vontade de sair dessa loucura, né.

    Lindo texto!

    Abraço e bom fds!

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    1. Imagino, meu amigo! Mas é bem como você falou: queremos ir sempre além do que temos, e isso deve ser visto como algo positivo. O que não podemos é esquecer de ser gratos... Obrigada pela presença!

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  3. Suzy, fazemos todo o possível para "conectar" nossos filhos em sítios, fazendas, um feriado, um final de semana, mas realmente é diferente do que foi na tua infância. Mas ainda assim é válido, necessário.
    Veja só a magia que aconteceu com teus colegas tão sérios, formais, tão adultos! Importa balançar! Beijo

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    1. Isso mesmo, onde quer que estejamos, o equilíbrio é o saudável, é o que se deve buscar. Ares interioranos estarão sempre relacionados à liberdade e à inocência infantil, por isso esses lugares nos fazem tão bem.

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  4. Limerique

    Ó lembranças que trazem todos meus ais
    Cheias de sabores, aromas e visuais
    Tudo isso fez o que sou
    Equilibrado me tornou
    Mas, infelizmente não volta jamais.

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    1. Jair, pensar que 'não volta jamais' dá um aperto no peito, viu! Mas pelo menos fica a certeza de que foi tudo muito bem vivido. Agradeço o carinho do comentário!

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  5. Muitas vezes Suzy passamos a valorizar algo quando não temos mais por perto ou quando amadurecemos e sabemos o valor das coisas.
    Parabéns pelo blog e postagens, já estou te seguindo.
    Abraços.Sandra

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    1. Olá, Sandra!!! Bem-vinda ao espaço, fico grata por seu comentário. Beijão!

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  6. Oi Suzy,

    o bom do fim do ano são esses momentos. Eu também tenho uma relação muito forte com cheiro que me remete à infância. É como se o cheiro me transportasse de volta...
    Também sinto ver os meus filhos crescerem no concreto. Ainda bem que ainda temos os momentos... e fazemos dele um segundo de descanso dos nossos dias corridos. Grande verdade!

    Bjs Suzy, ótimos encontros para você neste final de ano

    Leila

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    1. A você, Leila, também desejo um período inesquecível de festas e aconchego familiar!
      Obrigada por vir e comentar, muitos beijos.

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  7. Olá Suzy,

    As crianças crescem e passam a ter sonhos e metas que os direcionam para cidades maiores e com mais recursos. Tanto quem mora no campo ou em cidades do interior sentem que não abraçarão o mundo se lá continuarem. Aconteceu comigo também. O meu sonho era vir para a capital para dar um rumo diferente à minha vida. Não me arrependi em nenhum momento, mas impossível não sentir saudades da tranquilidade e paz que abandonamos em busca de novos horizontes. Tudo tem prós e contras, o importante é que vivemos intensamento um ciclo importante da vida, que é a nossa infância.
    Também lamento pelas crianças de hoje, que não chegam a sentir os prazeres saudáveis da infância do nosso tempo. O jeito, para elas, é mesmo os passeios em sítios ou fazendas quando possível.
    Este almoço no sítio a fez reportar-se a uma bela fase de sua vida e isto já é um motivo de felicidade, pois há os que não tiveram a oportunidade de vivenciar uma infância tão livre, saborosa e feliz.
    Sua crônica está linda.

    Beijos, querida, e belos dias.

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  8. Não tenho filhos, mas sou filha e vejo o quanto meus pais se esforçam para nos ligar a sua infância e graças a Deus é se passou em sítios e ranchos! hahahaha
    Acho isso super válido para formar uma pessoa!

    Vi que vc ficou interessado no meu livro O ACUMULADOR DE TROFÉUS lá no blog da Vera (Recanto do Sol).
    Se quiser mesmo entra no meu site (www.camilabmonteiro.com) ou me envia um email que combinamos ok?!

    kmilla.monteiro@gmail.com

    Beijão!

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  9. Suzy, que infância riquíssima que vc teve!! Um verdadeiro privilégio!

    Nasci e fui criada na cidade, e embora nossa casa tivesse um quintal grande com pomar, eu adorava ir para o nosso sítio. Era lá que me sentia plenamente criança e feliz. Vivi um pouco disso tudo que vc viveu. Pescava no rio, comia frutas trepada nas árvores, lavava o rosto e escovava os dentes direto na ‘bica’ rsrs. Acho que é por isso que aprendi a amar tanto a natureza. Meu pai dizia que todo homem devia ter ‘um pedaço de chão’ para levar os filhos. Quantas lembranças boas eu tenho desse tempo... Agora vou acompanhada dos netos e viro criança novamente rsrs.

    Provavelmente se morasse no sítio, assim como vc alçaria voo em busca do desconhecido. Isso é saudável quando se é jovem, queremos saber o que há além do horizonte. Mas, é preciso coragem e isso vc teve de sobra! Todas essas experiências que vc viveu fez de vc a mulher especial que é hoje, que sabe valorizar tudo que viveu e tudo que alcançou através dessa coragem.

    Encantadora essa crônica, amiga! Me transportou lá para o meu passado com doces lembranças.... Ah, e eu tbm tenho o olfato muito apurado, acho que isso é inerente às mulheres, isso de associar cheiros às lembranças.

    Ótima semana pra vc, beijo borboleta e abraço de urso! rsrs.

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  10. Emocionante Susy. e impressionante, meu pensamento bate igualzinho ao seu.Há alguns anos atrás não conseguiria me imaginar longe da cidade. Hoje trocaria tudo para poder morar no campo mas, tenho que me conformar com os finais de semana, e feriados, até que os meus filhos se casem e passem a cuidar de si, sem necessitarem diariamente da minha presença.E está bem perto. Vivi muito esta experiência do contato com a natureza e sempre passei pra eles.
    Estes cheiros e perfumes que nos remetem à infância, voltam sempre porque estão lá dentro de nós num cantinho especial, porque transbordavam da verdadeira felicidade e liberdade.
    Hoje quero apenas sentir e desfrutar desse balanço suave, que você descreveu sentindo o "empurrãozinho sutil do além." Que lindo te ler, e encontrar na prosa, a poesia carregada de sentimento e sensibilidade.
    Um grande abraço. amiga.

    Demorei porque estava lá
    no meu cantinho
    é pequenino,
    mas tem muita árvore
    e passarinho.
    Canto do sabiá.
    pão de queijo quentinho
    e felicidade no bule de café
    à transbordar.

    "Tornamo-nos gratos porque, ao invés de passar os anos, aprendemos a sentir os segundos"
    Isto que você escreveu é maravilhoso e faz muito sentido.
    Parabéns.
    bjs..



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