Dividida
entre os próprios pensamentos e a atenção às filhas que brincavam na pracinha,
Lívia nem percebeu passarem as horas. Geralmente participava das brincadeiras
das meninas, mas também tinha o cuidado de promover oportunidades de interação
entre elas, sem a sua excessiva interferência. Realista, sabia que algum dia
poderia vir a faltar e gostaria que, então, as garotas já compreendessem a
responsabilidade que uma tinha em relação a outra.
Nessa
tarde, deixou-as brincarem livremente. Da mesma forma que livres ficaram também
seus pensamentos para voarem, sem escalas, do presente para o passado, e do
passado diretamente para o futuro. Olhou-se com outros olhos. Viu-se,
atemporal, vivendo ora melhores, ora piores momentos.
Interessante
como o passado amargo já não doía! E como o futuro incerto de alguns anos
atrás, agora era seu alegre presente.
Clarissa
tinha menos de três anos e Júlia ainda estava em seu ventre quando conheceu a
dor do abandono. O marido, esquecido dos convênios matrimoniais, simplesmente
foi embora. Sem uma discussão, sem um adeus. Sem uma chance de recomeço.
Viu-se
só, da noite para o dia, com uma criança nos braços e a outra dando sinais de
querer vir ao mundo. Houve, claro, suporte emocional da comunidade condoída,
mas não era o suficiente: faltava-lhe um pedaço. Sem o marido, sentia-se apenas
metade. Uma metade arranhada e rasgada, inútil nesta vida.
Culpou-se.
Pois o mundo ensina que a culpa é sempre da mulher: “não foi boa o bastante,
tornou-se mãe e esqueceu-se de ser esposa, era péssima dona de casa”. Mas
como culpar alguém a quem não foi dada chance de mudança?! “Ora, devia ter sido
mais atenta aos sinais de desinteresse do companheiro!” Sinais não significam
nada, erra-se na interpretação o tempo todo! Se não foi homem o bastante para
expressar em palavras o que o incomodava, esperando um milagre da companheira
assoberbada, foi certamente um covarde egoísta. Pulou do barco que afundava,
deixando mulher e filhas náufragas, sem sequer tentar oferecer-lhes um bote
salva-vidas!
Junto
com a culpa, instalou-se a depressão. Não era um não querer mais viver, e sim
um não enxergar como viver. Apagou-se a luz de repente, e tudo ficou escuro.
Queria ter vontade de gritar, andar, bater, chorar, correr. Mas não conseguia sequer
querer qualquer coisa. Morreu por dentro por inanição de amor.
E
aí voltou a culpa, dessa vez projetada pela sociedade: Fraca! Não se ajuda.
Fica chorando pelos cantos por causa de um homem, ao invés de cuidar das
filhas. Imatura. Por isso ele a deixou!
Do
futuro, sorriu para o passado: fraca é essa sociedade machista, que se atribui
poder de julgamento. Nada sabe de sentimentos, de doença da alma. Como pode um
coração ferido, antes de alcançar a própria cura, distribuir bálsamo aos
outros?! Ainda que esses outros sejam os próprios filhos.
Para os outros, foi apenas mais um divórcio, dentre os tantos que se presenciam hoje em dia. Para Lívia, foi o fim de tudo em que acreditava
e para o que viveu até então: uma família eterna. Em sua cabeça, não entrava a
possibilidade de um ponto final, pois até mesmo a morte ela compreendia como
uma vírgula apenas e não um fim. Encerrava-se a sua história, não cabiam mais palavras, nem pontos,
nem nada.
Até
que um dia, Lívia acordou com o canto dos pássaros. Abriu a cortina e
percebeu o sol. Não resistiu e abriu também a janela, deixando seu quarto ser
completamente inundado pela luz solar. Nesse dia, Lívia sorriu do passado para
o futuro: havia vencido seus dias de luto, estava pronta para recomeçar.
Sentada
no banco da praça, pensava nas cobranças
que são projetadas sobre a mulher em processo de separação. Que tempo terá ela para viver e
soterrar sua dor, se a todo instante tem de dar explicações ao mundo exterior? Mulheres
recém divorciadas precisam de tempo, de calma, de trégua. Olhares apiedados não
servem para nada. Conselhos direcionando o foco para as crianças são inúteis,
pois que boa mãe não sabe disso? Ela
sabe, mas ainda não consegue, precisa se reestruturar. Precisa assimilar o fim,
para enxergar a vírgula que vem depois dele.
Subitamente,
o presente de Lívia veio despertá-la da atemporalidade:
-
Querida, trouxemos flores pra você!
Otávio
e as meninas sorriam, cada um com uma flor do campo nas mãos. Ele esteve todo o
tempo a observá-las, para que ela pudesse ter alguma privacidade sem ser
incomodada. Era o marido dos sonhos, e um grande companheiro na educação das
crianças. Era o amigo de todas as horas. O amor que veio depois da vírgula.
Onde
estava esse homem maravilhoso, que demorou tanto a encontrar? Sabia bem a
resposta: esteve todo o tempo a esperá-la no futuro, mesmo quando ela não podia
vê-lo do passado. E agora viviam um eterno presente.
Suzy Rhoden
Que lindas divagações iniciando em um banco da praça, vendo as filhas brincar.
ResponderExcluirE que passeio pelas verdades sobre as mulheres, o processo de separação, tão dolorido em geral e que sempre precisa de um tempo para vivenciar aquele luto e reagir.;
Que beleza que a Lívia teve um final lindo e, na semana dos namorados, nada melhor que isso! Adorei te ler! Linda semana, tuuuuuuuuuuuuuuuuuudo de bom,beijos,chica
Também sonho com os finais felizes, para todos que amo... que Lívia e sua história, na semana dos namorados, traga bons presságios!
ExcluirPor falar nisso, uma linda e apaixonada semana pra vc e seu Kiko, minha querida!
Beijão
Querida amiga, sempre encontrando as palavras certas."Nada se sabe de sentimentos, de doença da alma". A separação conjugal, pode ser tão triste ou até mais impactante que a viuvez, uma vez que da separação e do abandono muitas vezes não se tem os motivos, como você se expressou, sem comunicação, um fica esperando um milagre das mãos do outro, onde o egoísmo impera.
ResponderExcluirA humilhação, a sensação de impotência, o sonho desfeito além da solidão e tantos outros itens fazem da separação um campo minado, um abismo.
Felizmente aqui, tudo terminou com um final feliz. O amor ressurgindo, os sonhos acariciados pela perspectiva da felicidade.
Muito bonito Susy.
bjs.
Lourdinha, obrigada! Interessante o que você falou, pois foram palavras semelhantes as de uma amiga, que viveu um divórcio doloroso. Ela mencionou ser a situação mais doída e inexplicável do que a morte, e eu compreendo o que ela quis dizer. Embora nunca tenha vivido algo assim pessoalmente, imagino que a dor da morte de um casamento seja tão lancinante, ou mais, do que a morte física: em relação a esta se tem uma esperança na próxima vida, mas quanto à primeira, o fim é mesmo o fim.
ExcluirAdoro seus comentários, muitooo grata! Bjos
Belíssimo texto Suzy! Rico em reflexões e eu quero me ater em uma delas: o luto.
ResponderExcluirTemos tanto medo desta palavra, mas o luto é tão necessário nas perdas, nas separações, não somente pela morte, mas nestas situações como você bem pontuou. E deveria ser o luto silencioso; sem as cobranças da sociedade, sem os palpiteiros de plantão. Porque vivido este luto, inesperadamente sentimos vontade de abrir a janela.
Hoje o culto à felicidade total, em todos os dias é muito exacerbado pelas mídias virtuais - tudo é sempre lindo e não há espaço para tristezas, não há tempo a perder com o luto.
Lamentável. Sabemos que momentos difíceis acontecem no viver e ter um tempo interior para assimilar, para poder chegar até a janela e abrí-la, é essencial.
Beijo, adorei estar aqui!
Oi Ana Paula!
ExcluirTambém sinto o luto como necessário nas perdas, pois todo fim é a morte de algo. É preciso ultrapassar a escuridão desses primeiros dias... Adorei seu comentário, muito pertinente, e interessante a reflexão a partir da história de Lívia!
Beijos
muito bonito o texto e o seu blog. gostei bastante
ResponderExcluirbjs
Flavia
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Obrigada, Flavia! :)
ExcluirQue lindo Suzy!
ResponderExcluirAcompanhei tantas amigas em situações como esta que ao final até eu já estava descrente do casamento. Algumas encontraram outras pessoas e foram felizes, outras não encontraram outro amor mas aprenderam a serem felizes consigo e seus filhos... Muito triste! Uma lição de aprendizado e de resistência.
O que eu acho mais estranho é que, muito raramente você vê um homem nesta situação. Não quero ser feminista neste momento, mas a verdade é que dificilmente veremos homens aceitando suas perdas, suas dores e fracassos com dignidade e verdade. Os poucos que conheço passaram por isso de forma muito digna. pena que são muito poucos!
Abs Suzy lindo seu texto!
Leila
Leila, este texto nasceu justamente do conviver com amigas e amigos que passaram pela dor do divórcio indesejado. Uma dor da qual conheço apenas em teoria... mas que me condoía a alma, por saber estarem pessoas tão queridas pra mim dilaceradas por dentro! Ainda assim, não sou uma descrente no casamento, muito pelo contrário: vejo no amor a solução para todos os problemas, seja o amor devotado a um novo companheiro, seja aos filhos ou simplesmente a si mesmo! O amor é o que vai juntar os pedaços novamente, algum dia.
ExcluirConcordo com você em relação aos homens... Maioria deles, pelo menos.
Beijão, minha linda! Muito obrigada!
Lindo!
ResponderExcluirReflexivo!
Real, poético, pulsante esse texto.
Faço minhas as palavras de Ana e trabalho todo dia o curtir o hoje, esquecer um pouco o que passou e ter esperança e espaços abertos a espera no futuro.
Beijos, meu carinho e cantos de passarinhos \o/
Tina, querida, que seria de nós sem a esperança e esses espaços abertos para o que há de vir?! Também cultivo o hoje, pois do presente bem vivido nasce um passado rico de histórias!
ExcluirBeijos
Olá Suzy,
ResponderExcluirBonita e reflexiva crônica...
Tão bom ver alguém que consegue renascer das cinzas,
dar uma chance a si mesmo, superar-se e
recomeçar com ousadia e coragem.
Gostei de ler mais esse adorável post.
Bjs!
É... admiro quem extrai de dentro de si mesmo essa força!
ExcluirGrata pela presença :) Beijos.
Olá, Suzy,
ResponderExcluirFiquei feliz com o desfecho da história da Lívia.
Ela recomeçou... que bom, que bom!!
Enfrentou a realidade, amadureceu sem perder a ternura...será muito feliz!!
Tenha um ótimo domingo!
Ah...estou vindo do blog da querida Chica.
bjim,
Lígia e =^.^=
Oi Lígia, bem-vinda!
ExcluirTambém gostei do desfecho, do final feliz... Na semana dos namorados, acho que eu seria expulsa da blogosfera se a história terminasse de outra maneira! rsrsrs
Beijão
Que bela escrita nesse envolvente conto, Suzy.
ResponderExcluirToda dor precisa de um tempo para ser estancada. A dor de um abandono inesperado é ainda mais sangrenta quando inexplicada. É comum que se vá ao fundo do poço e até morrer para renascer para a vida. Creio que uma pessoa na situação de Lívia se sente pior com olhares piedosos e/ou julgadores, pois já basta a ela se acusar injustamente.Um homem que abandona uma mulher grávida e ainda com uma filha não merece ser cultuado. Fez bem à Lívia reconstruir sua vida e abraçar uma felicidade que estava reservada para ela.
Adorei. (Você está demais na escrita. Parabéns!)
Excelente domingo e ótimos dias.
Beijo.
Obrigada, Vera! Fico toda boba quando recebo elogios de pessoas especiais como você :) Tenha um maravilhoso domingo, minha amiga!!!
ExcluirBeijos
Oi Suzy...que bela reflexão, por isso é tão importante vencer, abrir as janelas e deixar o sol entrar...dar a volta por cima o que tem de ser será!
ResponderExcluirGostei muito do seu texto e do seu blog também.
Um super beijo e ótimo domingo *-*
Oi Kaka, que alegria saber que aqui esteve e gostou do que encontrou! Já fui visitá-la em seu espaço, de onde retornei com excelentes impressões.
ExcluirBeijo, com carinho!
São poucos os que têm o seu olhar caleidoscópico para enxergar de uma forma tão sensível a dor que desnuda o ser no momento de escuridão. E com esse olhar você consegue vislumbrar a luz que a escuridão, temporariamente, esconde! A travessia para outro momento traz esse encontro com o avesso que é tão necessário para novos momentos e novos aprendizados! Belíssimo texto!
ResponderExcluirMaria Helena, agradeço-te as belas palavras!
ExcluirBem sabemos que, falando de vida e de caminhos adversos, o encontro com o avesso pode ser assustador... mas faz-se necessário, para que haja renascimento e recomeço!
Adorei sua presença aqui, seu comentário... sempre bem-vinda!
Beijos
Suzy lindo texto! Amei teu blog! Parabéns! Bjs
ResponderExcluirObrigada, Paula! Quando quiser, é só voltar :)
ExcluirBeijinhos
Olá
ResponderExcluirQue haja sempre
uma inspiração
para acordar
as palavras
adormecidas
em tua vida.
São elas que dão sentido a tua vida,
e as vidas que passeiam por tuas palavras.
Olá, Aluisio!
ExcluirQue haja sempre a inspiração sobre a qual falaste lindamente em versos! Fiquei emocionada. A blogosfera, felizmente, nos permite essas belas surpresas, essas agradáveis interações. Saiba que seu comentário já cumpriu um de seus propósitos: trazer-me a inspiração, obrigada!
Vengo del blog de Zilani Celia y me ha encantado tu Espacio; por lo cual, si no te importa, me hago seguidor de tan bello Blog.
ResponderExcluirAbraços.
OI SUZY!
ResponderExcluirTEU TEXTO É ENVOLVENTE, SENSÍVEL E BONITO.
FAZENDO LINKS PERFEITOS ENTRE PRESENTE PASSADO E FUTURO, TECESTE A HISTÓRIA E A FINALIZAS DE FORMA ENCANTADORA.
SABES QUE SOU TUA FÃ, ENTÃO DIZER QUE ESTÁ LINDO É POUCO.
ABRÇS
http://zilanicelia.blogspot.com.br/