segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Progressão Escolar: sim, não, ou talvez?


O assunto tem sido foco de estudos diversos no mundo acadêmico, por isso deixo aos profissionais competentes a discussão acerca dos aspectos científicos da chamada progressão escolar. Apresento neste texto a visão pura e simples de mãe de aluno que progrediu. Pura e simples? Definitivamente não foi bem assim.

Sim. Meu filho avançou da pré escola para o 2º ano, saltando o 1º ano escolar. A decisão foi tomada num consenso entre família e orientação escolar. Claro que foi um passo no escuro, já que não sabíamos que efeitos a progressão teria sobre Gabriel. Seguimos em frente, bem fundamentados, aguardando ansiosamente pelos resultados do avanço inesperado.

A ideia de progressão surgiu ao longo do excelente ano pré escolar de Gabriel. Vimos um salto para melhor em seu comportamento, visto que até então era criança agitada e impulsiva. Naquele ano, encontrou a si mesmo e desenvolveu profundo laço de amor e respeito por sua professora – até hoje relembra saudoso o fato de ela nunca ter chamado sua atenção diante dos colegas. A professora Rosi tornou-se a doce referência do início escolar de meu menino. 

Foi ao longo da pré escola, aos cinco anos, que Gabriel descobriu que se juntasse letrinhas teria palavras: aprendeu a ler. Não havia sido iniciado o processo de alfabetização, reservado ao 1º ano, mas Gabriel já lia e queria novos desafios. Seria o mais adequado aprisioná-lo num mundo que  já dominava, limitando sua excursão por novas aprendizagens? 

Não. O aspecto cognitivo não foi base única para a progressão, e sim um conjunto de habilidades já desenvolvidas precocemente por Gabriel. A alfabetização foi apenas um aspecto, dentre vários cuidadosamente analisados. O entendimento foi de que, não havendo discrepância muito grande na idade de meu garoto e seus novos colegas, ele estava emocionalmente preparado para o avanço.

Passei os dois primeiros trimestres deste ano com o coração pulsando mais forte, temendo ter banido da vida de meu filho etapa fundamental para seu sucesso escolar e pessoal. O acompanhamento com a professora da turma e  orientação escolar foi essencial. Vivi intensamente a fase do 'talvez': talvez tenha sido feito o melhor. Talvez não.

Recentemente, obtive o retorno que aguardava e junto com ele a plena certeza: a progressão não foi um atalho forçado, imposto a Gabriel, mas o passaporte que ele precisava para crescer de múltiplas maneiras. 

A regra não vale para todos os alunos indistintamente, porém. Nossas crianças são únicas em sua potencialidade, em habilidades e  limitações. O que serve para um, não serve para todos os outros. A progressão serve apenas para crianças preparadas para tal avanço, crianças que de alguma forma viveram o processo precocemente, para as quais serem retidas a uma turma a qual sua mente não mais pertence seria uma tortura. 

É óbvio que a ausência de um ano inteiro na vida escolar de uma criança deixa suas lacunas. Gabriel, por exemplo, ainda apresenta certa desorganização com seu material, aparenta distração durante explicação da professora, o que nos deixou temerosos num primeiro momento. 

Porém, restou comprovado que seu raciocínio lógico não apenas acompanha a turma, como muitas vezes a ultrapassa. E mais: descobrimos que ele tem a incrível capacidade de aprender sem o foco visual, portanto rabisca no caderno ou brinca com algum objeto durante explanações da professora. Taxamos a atitude de imatura, logicamente. Até recebermos o retorno surpreendente até mesmo para a professora: ele assimila, entende e reproduz a explicação dada!  Portanto, o que inicialmente chamamos de imaturidade pode ser, ao invés disso, memória auditiva em ação: para que ficar parado como uma estátua, com os olhos fixos na professora, se pode brincar com os dedos, vagar o olhar, e aprender ao mesmo tempo?

A experiência com meu filho me deu nova perspectiva. Falamos tanto no respeito às diferenças, mas cobramos do aluno a tradicional postura de soldadinho, pronto para levantar e marchar ao nosso comando. Nossa geração talvez funcionasse melhor assim, mas quem disse que a galerinha da era digital não dá conta de fazer várias coisas ao mesmo tempo? Estarão mesmo alienados do mundo enquanto mergulham no celular? Ou teclam com os dedos, mas captam tudo ao seu redor com a mente aguçada para o aprendizado? 

Não venho desenvolvendo estudos na área, não tenho respostas definitivas. Sou apenas uma mãe que se viu, de repente, vivendo a experiência descrita - uma experiência incrivelmente positiva! Tenho hoje um leitor convicto de sete anos, que me pede livros de presente no aniversário e no dia das crianças. Atualmente, está lendo a série Harry Potter. Não vejo nele um prodígio, mas um garotinho cheio de potencial, como tantos por aí, que precisam que sua potencialidade seja valorizada. 

Quanto ao ano escolar perdido... Será que realmente perdeu? Isso é muito relativo! Seria mais preocupante, em meu entendimento, ver um menino que lê Harry Potter aprendendo, com os colegas de mesma idade, a ler e escrever o próprio nome. Seriam desastrosas as consequências de um menino desmotivado em sala, tenho absoluta certeza. 

Assim, posiciono-me favorável à progressão escolar, quando essa se impõe como uma necessidade da criança. Jamais deverá ser utilizada por vaidade, porém, para satisfazer interesses dos responsáveis: é a própria criança quem deve dizer, através de comportamentos e atitudes, que precisa de novos desafios e terá condições de superá-los. Talvez funcione bem. Talvez não. Nesse assunto, as certezas somente chegam a longo prazo, sinto muito. 

Suzy Rhoden

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