domingo, 29 de junho de 2014

Virar o Jogo

Imagem da internet

Pouco entendo de futebol, por pura falta de paciência para ficar duas horas acompanhando o vaivém da bola para lá e para cá. Aos cinco minutos iniciais já estou entediada, querendo saber por que o gol ainda não saiu. Coisa de mulher? Não, tem muita mulher moderna discutindo futebol de igual pra igual com seu sexo oposto. É coisa minha mesmo, questão de desinteresse pessoal.

Mas em tempos de Copa do Mundo, a história é outra. Impossível não vestir a amarelinha e não vibrar, ou sofrer, com nossa seleção. Tudo bem que a Copa veio em hora indesejada, como uma intrusa cheia de pompa, esbanjando e esnobando num país que há tempos anda mal das pernas: não avança, não progride, não cresce naquilo que precisa crescer. Não foram os nossos jogadores, porém, que trouxeram a fulana para dentro de casa. Ela veio, e convidada, por quem tem o poder de decisão neste país. Para os primeiros, é justa a torcida, a manifestação positiva; para os segundos, outubro é o mês do acerto de contas.

Com esse pensamento, estou aqui na torcida, sim, e não me envergonho disso. Aproveito, inclusive, para dar uma espiadinha nos futuros adversários de nossa seleção brasileira. Espiadinha, já falei, pois não agüento tanto tempo sentada, fazendo nada. Hoje, no entanto, fiquei presa ao final eletrizante de México x Holanda. Não é que a Laranja Mecânica empatou aos 42 minutos do 2º tempo, e ainda virou o jogo nos acréscimos finais, eliminando de vez o México desta Copa?!

Ficou evidente pra mim que a equipe soube administrar suas emoções diante da iminente derrota. Não ficaram atabalhoados em campo, confusos frente à situação adversa. Pelo contrário, renovaram as forças e foram à luta, com um único foco: a vitória. Só essa lhes servia.

Quem acreditaria que virar o jogo seria possível a três minutos do fim da partida? Empatar, ainda. Mas virar? E viraram. De imediato me veio à mente  imagem veiculada pela mídia ao longo da semana, que me pareceu muito bonita: ao invés da tensão da concentração às vésperas das importantes partidas, a seleção holandesa confraternizava com a família! Cada jogador com os seus, e todos unidos num mesmo local, compartilhando alegrias. Vi garotinhas chutando a bola para seus pais famosos, casais namorando e rindo felizes um para o outro. E mais: em dias de treino, lá estavam as mães com seus filhos, acenando para os pais em campo, vibrando com cada gol.

O repórter explicou que tal interação familiar não é novidade, faz parte da tradição holandesa: aonde os jogadores vão, levam consigo a família. Fiquei pensando: estaria aí o segredo da Holanda nesta Copa? Uma das favoritas para o título, embora não apresente um futebol espetacular, mostrou hoje a que veio. Fez o impossível tornar-se possível. Será que jogaram pelas esposas, aflitas, na arquibancada? Pelos filhos, talvez, aos quais prometeram a garra e os gols. Seja lá qual tenha sido sua motivação, deu certo.

E nós, como reagimos aos 45 minutos do segundo tempo, diante de iminente fracasso? Quando a vida, de modo aparentemente injusto, parece apenas nos proporcionar gols contra, o que fazemos? Onde vamos buscar a motivação necessária para seguir lutando e acreditando até o apito final do Juiz Supremo?

Tenho minhas respostas, elas foram construídas não apenas de vitórias. Ouso dizer que as derrotas foram, justamente, as que me ensinaram mais. Hoje me sinto capaz de virar o jogo a qualquer momento, inclusive no minuto extremo de uma partida. Por vezes, preciso de uma prorrogação, como precisou nesta semana nosso Brasil. Mas sigo em frente e, se preciso for, vou para os pênaltis. Não me entrego, não me dou por vencida.

Minha base, contudo, é holandesa: família. É neles – marido, filhos, pais, irmãos – que encontro o poder para virar o jogo. É deles que vem tudo que me move para mais e para além. É por eles que  enfrento os revezes da vida sem recuar. Família é a base de toda vitória, dentro ou fora dos estádios de futebol.

Suzy Rhoden

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Bagagem

Imagem Google

Tantas vezes me perco na correria dos dias que, confesso, esqueço qual é de fato  meu grande objetivo. Corro tanto, me viro do avesso, me desdobro... pra que mesmo?! Gerar bens, produzir riqueza, fazer patrimônio? Ou trabalho dia após dia para comer, beber e festejar com todo luxo e  pompa que o dinheiro pode proporcionar? Pra me vestir elegantemente e atrair olhares de inveja de outras mulheres, e de cobiça de todos os homens? Para jantar nos mais caros restaurantes e sair deles saciada, mas com a alma vazia? Pra que, afinal?!

Tenho uma lista de respostas prontas, mas nenhuma delas silencia a verdade que ressoa dentro de mim: corro muito pra nada, sigo pra lugar algum, se essa corrida significa o sacrifício completo do meu tempo junto àqueles que amo. Não verei resultado, além de um amontoado de bens e minha descendência em guerra por causa deles. Melhor, nessas circunstâncias, será partir e não olhar pra trás.

Algum dia – e esse dia virá para todos nós – reivindicarei os minutos e os segundos de vida que, clamarei, me foram roubados pelo tempo! E então, aturdida, verei em 4D, no telão de minha memória, que em nada fui lesada a não ser por minhas próprias escolhas erradas. Gastei tempo onde não devia, depositei amor naquilo que com o tempo perecia.

Se hoje esbanjamos juventude, amanhã alguma ruga teimosa dirá que se aproxima a hora da partida. Mesmo que a ruga e o cabelo branco sejam rechaçados, com os milagres da indústria de cosméticos, o corpo naturalmente envelhecido mostrará que já não acompanha o ritmo acelerado do cérebro. Vimos isso em nossos avôs, relutamos em perceber em nossos pais, e algum dia sentiremos na própria pele. É fato, requer aceitação.

“Pra que pensar nessas coisas?!” Dirá alguém, indignado.  Preferimos evitar o assunto e fazer de conta que a passagem chamada morte não existe. Mas não adianta, o dia chega. Em algum momento ele nos alcança. E então, que teremos na bagagem?

Uma coleção antiga de desgostos, talvez. Mágoas já amareladas pelo tempo, possivelmente. Realizações profissionais, sucessos variados, prêmios e troféus, mas nenhum amigo para quem se gabar de tantas vitórias, nenhum descendente a quem nossas conquistas possam interessar. Ou, pior, talvez se interessem sim pela nossa conquista, pelo que adquirimos, e não por quem de fato nos tornamos ao longo da vida. Na mala, no fim das contas, restará apenas solidão.

Faz tempo que não me acompanha a necessidade de desfilar novos  modelitos no trabalho, nem me causa sofrimento a ausência de indagações como “onde você comprou?”, ou exclamações do tipo “arrasou, amiga!” Mas podem me perguntar se tenho lido e conversado muito com meus filhos; se tenho me dedicado a fazer temas escolares com eles e a prepará-los para as provas da escola e da vida; se os tenho ensinado a orar, estudar as escrituras, crer em Deus e respeitar  seu próximo. Melhor ainda, perguntem isso a eles, sei o que dirão.

O trabalho enobrece e dignifica, eu particularmente amo trabalhar. Adquirir riquezas, por meios lícitos, é justo, bom e desejável. Mas formar caráter é mais importante ainda. Gastar minhas preciosas horas oferecendo informação correta para meus filhos é privilégio, jamais tempo perdido.

Dentre tantas, educar minhas crianças numa fé cristã é minha maior prioridade. Pois tudo aqui é efêmero, findará quando menos se espera e se deseja. Exceto o conhecimento que adquiriram, esse os acompanhará nesta e na próxima vida. Quero que, no seu devido tempo, cheguem do outro lado do véu conhecendo seu Deus e seu Salvador Jesus Cristo. Não quero em meus filhos expressão de surpresa, enquanto balbuciam: Vocês existem mesmo?! Quero que saibam desde agora em quem confiar, e a quem recorrer em tempos difíceis, e a quem agradecer em tempos de dádivas!  A fé não será apenas um coringa para os momentos de desespero, e sim a rocha sobre a qual edificarão seus alicerces e sobre a qual estarão fundamentados todo o tempo.

“Tão despropositado esse assunto, em meio a festa da Copa do Mundo!” Não são assim os caminhos, interrompidos bem no meio de uma alegria? Os diagnósticos não esperam a colação de grau do filho na faculdade, os acidentes acontecem sem hora marcada. A tragédia bate a nossa porta quando menos esperamos. Preparados o suficiente, nunca estaremos, mas nada teremos a lamentar se tivermos preenchido nossa mala de lembranças com pertences de real valor. O remorso não nos ferirá com seu tiro certeiro.

Erramos ao acreditar que haverá tempo para fazer as malas e partir deste mundo. Maioria das vezes não há. Não sobra tempo para um pedido de desculpas, um adeus, um eu te amo. E então, com que nos apresentaremos diante de Deus?

Agora peço licença: tenho de preencher minha mala de viagem com outras coisas boas, além de escrever. A jornada segue, a vida continua. Aqui e além.


Suzy Rhoden

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Um Sorriso para o Futuro


Dividida entre os próprios pensamentos e a atenção às filhas que brincavam na pracinha, Lívia nem percebeu passarem as horas. Geralmente participava das brincadeiras das meninas, mas também tinha o cuidado de promover oportunidades de interação entre elas, sem a sua excessiva interferência. Realista, sabia que algum dia poderia vir a faltar e gostaria que, então, as garotas já compreendessem a responsabilidade que uma tinha em relação a outra.

Nessa tarde, deixou-as brincarem livremente. Da mesma forma que livres ficaram também seus pensamentos para voarem, sem escalas, do presente para o passado, e do passado diretamente para o futuro. Olhou-se com outros olhos. Viu-se, atemporal, vivendo ora melhores, ora piores momentos.

Interessante como o passado amargo já não doía! E como o futuro incerto de alguns anos atrás, agora era seu alegre presente.

Clarissa tinha menos de três anos e Júlia ainda estava em seu ventre quando conheceu a dor do abandono. O marido, esquecido dos convênios matrimoniais, simplesmente foi embora. Sem uma discussão, sem um adeus. Sem uma chance de recomeço.

Viu-se só, da noite para o dia, com uma criança nos braços e a outra dando sinais de querer vir ao mundo. Houve, claro, suporte emocional da comunidade condoída, mas não era o suficiente: faltava-lhe um pedaço. Sem o marido, sentia-se apenas metade. Uma metade arranhada e rasgada, inútil nesta vida.

Culpou-se. Pois o mundo ensina que a culpa é sempre da mulher: “não foi boa o bastante, tornou-se mãe e esqueceu-se de ser esposa, era péssima dona de casa”. Mas como culpar alguém a quem não foi dada chance de mudança?! “Ora, devia ter sido mais atenta aos sinais de desinteresse do companheiro!” Sinais não significam nada, erra-se na interpretação o tempo todo! Se não foi homem o bastante para expressar em palavras o que o incomodava, esperando um milagre da companheira assoberbada, foi certamente um covarde egoísta. Pulou do barco que afundava, deixando mulher e filhas náufragas, sem sequer tentar oferecer-lhes um bote salva-vidas!

Junto com a culpa, instalou-se a depressão. Não era um não querer mais viver, e sim um não enxergar como viver. Apagou-se a luz de repente, e tudo ficou escuro. Queria ter vontade de gritar, andar, bater, chorar, correr. Mas não conseguia sequer querer qualquer coisa. Morreu por dentro por inanição de amor.

E aí voltou a culpa, dessa vez projetada pela sociedade: Fraca! Não se ajuda. Fica chorando pelos cantos por causa de um homem, ao invés de cuidar das filhas. Imatura. Por isso ele a deixou!

Do futuro, sorriu para o passado: fraca é essa sociedade machista, que se atribui poder de julgamento. Nada sabe de sentimentos, de doença da alma. Como pode um coração ferido, antes de alcançar a própria cura, distribuir bálsamo aos outros?! Ainda que esses outros sejam os próprios filhos.

Para os outros, foi apenas mais um divórcio, dentre os tantos que se presenciam hoje em dia. Para Lívia, foi o fim de tudo em que acreditava e para o que viveu até então: uma família eterna. Em sua cabeça, não entrava a possibilidade de um ponto final, pois até mesmo a morte ela compreendia como uma vírgula apenas e não um fim. Encerrava-se a sua história, não cabiam mais palavras, nem pontos, nem nada.

Até que um dia, Lívia acordou com o canto dos pássaros. Abriu a cortina e percebeu o sol. Não resistiu e abriu também a janela, deixando seu quarto ser completamente inundado pela luz solar. Nesse dia, Lívia sorriu do passado para o futuro: havia vencido seus dias de luto, estava pronta para recomeçar.

Sentada no banco da praça,  pensava nas cobranças que são projetadas sobre a mulher em processo de  separação. Que tempo terá ela para viver e soterrar sua dor, se a todo instante tem de dar explicações ao mundo exterior? Mulheres recém divorciadas precisam de tempo, de calma, de trégua. Olhares apiedados não servem para nada. Conselhos direcionando o foco para as crianças são inúteis, pois que boa mãe  não sabe disso? Ela sabe, mas ainda não consegue, precisa se reestruturar. Precisa assimilar o fim, para enxergar a vírgula que vem depois dele.

Subitamente, o presente de Lívia veio despertá-la da atemporalidade:

- Querida, trouxemos flores pra você!

Otávio e as meninas sorriam, cada um com uma flor do campo nas mãos. Ele esteve todo o tempo a observá-las, para que ela pudesse ter alguma privacidade sem ser incomodada. Era o marido dos sonhos, e um grande companheiro na educação das crianças. Era o amigo de todas as horas. O amor que veio depois da vírgula.

Onde estava esse homem maravilhoso, que demorou tanto a encontrar? Sabia bem a resposta: esteve todo o tempo a esperá-la no futuro, mesmo quando ela não podia vê-lo do passado. E agora viviam um eterno presente.


Suzy Rhoden
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...