Imagem: Xulio Formoso - Julio Verne |
Recentemente,
conheci a biografia de escritora que se define inventadeira desde a
infância. Chama-se Anna Claudia Ramos, e afirma ter, ao longo da vida, “construído
casas por dentro, na alma e nos sonhos”. Foi inevitável o pensamento: acho que conheço
alguém exatamente assim...
Não
sei se algum dia será escritor, ou se
tomará outros rumos na vida, mas tenho hoje um menino inventadeiro em casa. Na
verdade, tenho desde aquela manhã de abril, em 2007, quando olhos grandes como
bolitas ultrapassaram as fronteiras de meu útero materno e chegaram curiosos,
investigando o mundo. Olhos vivazes sempre o distinguiram, a personalidade
inventadeira o define.
Claro
que ele chegou, chegando. Desde o berço mostrou-se arteiro, carregando a autonomia daqueles que inventam e testam sem
medo, para então descobrir se o resultado é positivo ou negativo. Por sorte,
nada ainda explodiu nesta casa... Mas uma estante já desabou, e somente pela
providência divina a bebê da casa, de 9 meses, saiu ilesa debaixo das ruínas de
madeiras. Ele tinha apenas 3 aninhos...
Certa
vez, fui informada pelo filho mais velho de que a bola ficara presa no telhado
enquanto brincavam. Ao deslocar-me em seu auxílio, encontrei o inventador
retornando com a bola nos braços. Havia dado seu jeito. Considerando a altura
da casa, achei melhor poupar meu coração dos detalhes sobre como ele chegou até
a bola.
As
invenções são diversas, de todos os tipos. Mas é nítido o gosto pela utilização
de sucatas; pelo descartável que ele reutiliza; pelo dado sem valor, ao qual
ele agrega utilidade. E mais: tão logo tenha sido criado, o invento é
compartilhado: o moço apresentou-me, há pouco tempo, um livro de registros que
vem mantendo, intitulado Brinquedos
Feitos por Mão. Ao folheá-lo, deparei-me com instruções claras e
extremamente didáticas ensinando como construir cada brinquedo. Abaixo do texto
instrutivo, está presente a ilustração de cada brinquedo, feitas também por meu
inventador.
Bem
sabemos que as crianças inventadeiras raramente são compreendidas. A vida
escolar desse garotinho é complicada, por vezes lhe é imposto um padrão ao qual
ele foge completamente. Aparentemente distraído, explorando as casas que constrói por dentro, parece alienado deste mundo e desta
sociedade. Mas será isso mesmo? Ou estará construindo um mundo bem melhor do
que este, onde as crianças são respeitadas e valorizadas em sua individualidade?
Onde a formação intelectual do ser humano não é a única a ser considerada?
Meu
pequeno inventador me faz acreditar que algum dia os adultos abandonarão essa ideia
de tentar ensinar as crianças a todo custo e aceitarão aprender com elas.
Porque não são todas iguais. Não aprendem da mesma maneira. Possuem talentos
natos e habilidades específicas que precisam ser valorizadas. Devem ser ouvidas
e estimuladas para que cresçam, ao invés de podadas e lapidadas para que se condicionem
a nós e nossas teorias arcaicas de aprendizagem.
Exatamente
quando expunha estas ideias, apareceu-me aqui o inventador, carregando algo na
cintura, que adivinhei ser uma espada caseira. Muito prática, por sinal. Feita
com sucata, do jeito que ele gosta. Perguntei:
-
Você gosta desses brinquedos artesanais, filho?
-
Claro! – foi a resposta – Assim posso economizar e ainda ter sempre brinquedos
para brincar.
E
saiu, desembainhando a espada e travando duelos com amigos imaginários,
construindo mundos por dentro, na alma e nos sonhos. Satisfeito com seu
brinquedo reciclado, feito de centavos, sem qualquer necessidade dos
eletrônicos alardeados na TV. Sabia, e não precisava que ninguém lhe dissesse,
que era o brinquedo mais caro de todos: único no mundo, feito pelas mãos de um
brilhante menino inventadeiro!
Suzy Rhoden