sábado, 18 de abril de 2015

Menino Inventadeiro

Imagem: Xulio Formoso - Julio Verne 
Recentemente, conheci a biografia de escritora que se define inventadeira desde a infância. Chama-se Anna Claudia Ramos, e afirma ter, ao longo da vida,  “construído casas por dentro, na alma e nos sonhos”.  Foi inevitável o pensamento: acho que conheço alguém exatamente assim...

Não sei se algum dia será  escritor, ou se tomará outros rumos na vida, mas tenho hoje um menino inventadeiro em casa. Na verdade, tenho desde aquela manhã de abril, em 2007, quando olhos grandes como bolitas ultrapassaram as fronteiras de meu útero materno e chegaram curiosos, investigando o mundo. Olhos vivazes sempre o distinguiram, a personalidade inventadeira o define.

Claro que ele chegou, chegando. Desde o berço mostrou-se arteiro, carregando  a autonomia daqueles que inventam e testam sem medo, para então descobrir se o resultado é positivo ou negativo. Por sorte, nada ainda explodiu nesta casa... Mas uma estante já desabou, e somente pela providência divina a bebê da casa, de 9 meses, saiu ilesa debaixo das ruínas de madeiras. Ele tinha apenas 3 aninhos...

Certa vez, fui informada pelo filho mais velho de que a bola ficara presa no telhado enquanto brincavam. Ao deslocar-me em seu auxílio, encontrei o inventador retornando com a bola nos braços. Havia dado seu jeito. Considerando a altura da casa, achei melhor poupar meu coração dos detalhes sobre como ele chegou até a bola.

As invenções são diversas, de todos os tipos. Mas é nítido o gosto pela utilização de sucatas; pelo descartável que ele reutiliza; pelo dado sem valor, ao qual ele agrega utilidade. E mais: tão logo tenha sido criado, o invento é compartilhado: o moço apresentou-me, há pouco tempo, um livro de registros que vem mantendo, intitulado Brinquedos Feitos por Mão. Ao folheá-lo, deparei-me com instruções claras e extremamente didáticas ensinando como construir cada brinquedo. Abaixo do texto instrutivo, está presente a ilustração de cada brinquedo, feitas também por meu inventador.

Bem sabemos que as crianças inventadeiras raramente são compreendidas. A vida escolar desse garotinho é complicada, por vezes lhe é imposto um padrão ao qual ele foge completamente. Aparentemente distraído, explorando as casas que constrói por dentro, parece alienado deste mundo e desta sociedade. Mas será isso mesmo? Ou estará construindo um mundo bem melhor do que este, onde as crianças são respeitadas e valorizadas em sua individualidade? Onde a formação intelectual do ser humano não é a única a ser considerada?

Meu pequeno inventador me faz acreditar que algum dia os adultos abandonarão essa ideia de tentar ensinar as crianças a todo custo e aceitarão aprender com elas. Porque não são todas iguais. Não aprendem da mesma maneira. Possuem talentos natos e habilidades específicas que precisam ser valorizadas. Devem ser ouvidas e estimuladas para que cresçam, ao invés de podadas e lapidadas para que se condicionem a nós e nossas teorias arcaicas de aprendizagem.

Exatamente quando expunha estas ideias, apareceu-me aqui o inventador, carregando algo na cintura, que adivinhei ser uma espada caseira. Muito prática, por sinal. Feita com sucata, do jeito que ele gosta. Perguntei:

- Você gosta desses brinquedos artesanais, filho?

- Claro! – foi a resposta – Assim posso economizar e ainda  ter sempre brinquedos para brincar.

E saiu, desembainhando a espada e travando duelos com amigos imaginários, construindo mundos por dentro, na alma e nos sonhos. Satisfeito com seu brinquedo reciclado, feito de centavos, sem qualquer necessidade dos eletrônicos alardeados na TV. Sabia, e não precisava que ninguém lhe dissesse, que era o brinquedo mais caro de todos: único no mundo, feito pelas mãos de um brilhante menino inventadeiro!


Suzy Rhoden
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