segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Parto Normal Após 3 Cesáreas (VBA3C) – Parte V

Foto: arquivo pessoal

Preparativos Finais

Mãe deslocou do interior, no início de dezembro, para tomar conta do trio durante meu parto e pós parto. A presença dela foi uma bênção: brincava com as crianças, levava-as a pracinha, tomava conta da casa com sua enorme boa vontade. E era a melhor das companhias para minhas tardes depois do trabalho.
Mãe me apoiava na decisão por um parto normal, jamais interferiu de forma negativa. Mas eu percebia em seus olhos lampejos de um medo que só as mães conhecem: não suportava a ideia de me ver em sofrimento. Ela tivera 3 partos normais, mas o último quase roubou-lhe a vida e a de meu irmão. O sofrimento de ambos foi intenso. Com base em sua experiência amarga e cheia de violência, sei que  temia por mim.
Mas mãe não foi o único reforço dos últimos dias: também chegou a nova doula! Ana Lu, ao despedir-se, indicou sua parceira de trabalho no grupo de gestantes, a Thays Battisti. Já a conhecíamos e tínhamos a melhor impressão de seu trabalho, mas decidimos somente contatá-la depois de tudo acertado com a equipe de parto. Isso quer dizer que, com 39 semanas, solicitei espaço na agenda da Thays para acompanhamento de parto – sem tempo para pré parto! E ela topou.
Incrível como a doula entra na casa da gente e vira a melhor amiga de infância! Só pode ser um dom, que as leva justamente para a linda profissão. Thays nos alegrava com sua presença, muito falante, dinâmica, ligada nos 220 volts. Ela me energizava, me deixava pronta para o que viesse – do jeito que viesse! Então acredito que a presença dela foi providencial também.
Olhando para trás, do alto de minhas 40 semanas de gestação, vi que passei 38 delas contando apenas com o marido e com a doula. Foram 38 semanas de luta, de guerra declarada contra o sistema que me impunha a quarta cesárea. 38 semanas ouvindo um retumbante NÃO, você NÃO vai conseguir e devolvendo um perseverante SIM, EU VOU PARIR.
Em apenas 2 semanas o mundo girou, e o universo conspirou a meu favor: eu agora tinha 2 doulas (pois Ana Lu continuou me apoiando e orientando via internet), 1 enfermeira obstétrica, 2 obstetras e um excelente hospital onde parir meu neném pelo plano de saúde. E todos esses que entraram em minha vida tinham algo em comum: em momento algum duvidaram de minha capacidade de parir. Ao contrário, tinham intimamente a certeza de que tudo daria certo.

Os Sinais

“Tu vens, tu vens
Eu já escuto os teus sinais”

Alceu Valença
Música: Anunciação

No dia 18 de dezembro, éramos convidados para formatura de Medicina em Santa Maria.  Considerando a área de atuação dos formandos, brinquei com meu amigo: com tanto médico presente, haverá equipe de parto a minha disposição, né? Não havia equipe de parto, então não pude ir para a formatura (rsrs). Mas na data senti as primeiras contrações de treinamento, cólicas muito semelhantes às de menstruação. Fiquei animada, poderia ser naquele dia, naquele fim de semana! Só que não. Ao que parece, bebezinho apenas acompanhou o movimento da lua, e se aquietou.
A semana seguinte seria a do Natal. Claudia chegaria de São Paulo no dia 22/12, coincidentemente estaria em Novo Hamburgo (onde meu bebê nasceria) no dia 23 e viria me visitar no dia 25, em pleno Natal, com a esperança de já conhecer Felipinho. Importante salientar que ela e o marido dirigiriam de São Paulo ao Rio Grande do Sul. Por que a importância? Porque a pessoa sonhou que meu bebê nasceria enquanto ela dirigia! Então, muitas expectativas para o dia 22. Que passou sem um sinal sequer, nenhuma colicazinha pra animar a torcida!
A essa altura, recebia mensagens diárias dos amigos, conhecidos e acho que até dos desconhecidos perguntando se já tinha nascido... Isso não me incomodava, pois sabia lidar com a ansiedade dos outros sem me deixar afetar. É do ser humano essa impaciência com datas: se o bebê pode nascer entre 38 e 42 semanas, com 36 já começa a cobrança.
Ao invés de me preocupar com a agonia alheia, voltei-me para meu príncipe, e isso foi maravilhoso. Organizei Noite Familiar de despedida da barriga, momento em que escrevemos bilhetes para Felipe, lemos para ele e depois depositamos as cartinhas numa cápsula do tempo. Foi lindo e emocionante!
Chegou, finalmente, a véspera do Natal. Um Natal de mudança de lua, por sinal. Lua cheia! Não sabia se acreditava na influência da lua ou não, fazia a referência mais por brincadeira do que por crendice... Mas não é que as contrações começaram exatamente naquele dia?!
 5h da manhã, acordei com uma dorzinha incômoda e vontade de ir ao banheiro, onde percebi que estava descendo o tampão. Vibrei! A dor que sentia parecia nascer nas costas e caminhar para a frente, não eram cólicas.  Lembrava de ter lido que essa dor normalmente marcava o início do trabalho de parto. Restava esperar a evolução dos sintomas... Também tinha lido que o melhor diante dos primeiros sinais é não encucar e simplesmente deixar acontecer. Então saí com o marido pela manhã para fazer  as últimas comprinhas de Natal. Caminhei bastante, fazendo paradinhas quando vinha a contração. Mas tudo muito leve e suportável.
A tarde chegou e a dor não me abandonou. Mas também não engrenou.  À noite, já estava me sentindo cansada com aquela situação, pois doía mais do que eu lembrava (rsrs). Antecipamos nossa ceia, pois tudo poderia acontecer nas horas seguintes. Tentei descansar, mas já não conseguia: as dores vinham e eu não suportava ficar deitada. Comuniquei a doula, informando que até o amanhecer talvez precisasse dela. Até o amanhecer coisa nenhuma, disse Thays, estou indo praí! E veio, ainda antes da meia-noite em plena noite de Natal!
A Noite Santa passei em cima de uma bola de pilates. Por vezes também agachava, ou ficava de quatro. Aquele era o momento para testar posições. Thays me dava dicas de respiração, frisando a importância de vocalizar ao invés de contrair a mandíbula quando vinham as dores. Também me fazia as massagens mais maravilhosas do mundo, com suas mãos de fada. Jeferson anotava a duração e a freqüência: tudo muito irregular.
Por volta de 3h da manhã, as contrações pareciam ter adquirido um ritmo, motivo pelo qual entramos em contato com a obstetra. Ficou decidido que iríamos para o hospital se as dores alcançassem a regularidade de 3 em 3 minutos, duração de mais de 1 minuto. Eu seria avaliada pelo plantonista e os médicos chamados de imediato, caso estivesse em trabalho de parto ativo.
Mas bastou acordarmos  Guísella na madrugada de Natal para as contrações desandarem e praticamente desaparecerem! Pegadinha do Felipe, dizia a doula (rsrs). Decidimos descansar, nós todos, e eu consegui dormir por algum tempo. Mas acordei no amanhecer do dia sentindo as dores novamente.
Conforme  combinado, caso as contrações persistissem, fomos ao hospital para avaliação. Eu não iria de modo algum se meu caso não fosse um vba3c e se dependesse exclusivamente da decisão do médico plantonista, pois sabia que cairia numa cesárea. Tinha, porém, a segurança de uma equipe e estava determinada a não declarar minhas 3 cesáreas pra não correr risco de ficar internada contra a vontade. Para todos os efeitos, eu tinha tido 2 partos normais e uma cesariana.
Pegamos a rodovia próxima de casa, ERS 118, em obras há nem sei quantos anos. Foi uma péssima decisão! Além de esburacada, era cheia de desvios, e todo esse movimento do carro me fazia quase gritar quando vinham as dores. Thays comigo no banco de trás, com seus óleos milagrosos. Depois de muito sacolejar e sofrer, chegamos.
Bastou ultrapassar as portas do hospital para as contrações novamente desaparecerem. Eu não acreditava que aquilo estava acontecendo! Pouco antes estava quase aos berros. Fui avaliada e, para minha completa frustração, foi constatado apenas 1 dedo de dilatação. Ou seja, nem havia começado meu trabalho de parto, aqueles eram apenas os pródromos. Felizmente, tudo bem com o bebê conforme resultados dos exames: batimentos cardíacos satisfatórios e presença abundante de líquido amniótico. Estava tranqüilo meu gurizinho, ainda não chegara sua hora. Voltamos para casa e a doula foi dispensada.
Na tarde de Natal, Claudia e as meninas vieram me visitar. Claudia estava preparada pra me encontrar em trabalho de parto, mas me achou tranqüila, sentindo uma dorzinha leve a cada meia hora, aproximadamente. Rimos comentando o sonho dela, pois bebê não nasceu enquanto ela dirigia. Porém, ela lembrou que dia 27 voltaria a pegar a rodovia rumo a Lajeado, e poderia ser esse o dia. Rimos de novo, pois seria demais a coincidência, visto que na mesma data, há 3 anos, Claudia tinha parido Luíza, sua caçula, em um vbac hospitalar.

Foto: arquivo pessoal
À noite, recomeçaram as dores e ninguém dormiu nesta casa. Jeff me apoiava como podia, fazia massagens, sofria com a minha dor. Minha mãe mal continha seu nervosismo, eu via em seus olhos a preocupação. Mas eu estava bem, muito tranqüila e resoluta em relação ao que queria, não tinha medo das dores: queria era que elas pegassem ritmo de uma vez para trazerem meu gurizinho!
Dia 26 foi também um dia cheio de contrações. Eu começava a me sentir cansada, pois era o terceiro dia praticamente sem dormir e sem conseguir fazer qualquer outra coisa a não ser me contorcer pela casa. Vinha colocando em prática tudo que li e o que me ensinaram pra acelerar naturalmente o processo – comer comida apimentada, tomar chá de canela, namorar com o marido, caminhar de cócoras, rebolar na bola de pilates, tomar banhos quentes demorados, dançar, etc – mas  simplesmente não era a hora de Felipe e o trabalho de parto não começava.
No fim do dia, as dores finalmente pareciam ter engrenado e Thays veio de novo. Ligamos para a obstetra e marcamos encontro no hospital, onde ela pessoalmente me avaliaria. Malas no carro, nós de novo na estrada – dessa vez optamos pela movimentada BR 116, que prolongava o caminho em quilômetros, mas diminuía em estragos na pista de rolagem. Chegamos. E de novo o bloqueio: as contrações sumiam no ambiente hospitalar!
Eu, que desejava ser encontrada pela médica com aquela agonia de quem vai parir em minutos, tinha apenas um sorriso amarelo a oferecer, nenhuma contração. Permanecia o mesmo 1 dedo de dilatação. No cardiotoco, constatadas condições excelentes do bebê. Simplesmente, pródromos.
Guísella teve conversa séria conosco. Explicou que aquela situação poderia durar dias ainda, talvez até uma semana. Não havia prazo de validade para o neném, que estava bem e poderia avançar até 42 semanas. Na data, eu contabilizava 40 + 5. Precisaria ter paciência e aguardar. Disse à médica que não me preocupava com o difundido mito do passou da hora, mas temia não aguentar muito mais tempo devido ao desgaste. Não conseguia dormir, era cansativo, estava roubando minhas forças e minha alegria! Temia que, na  chegada do bebê, eu estivesse fraca demais para viver a intensidade do momento.
Falamos sobre possibilidades de indução. Existiam algumas, sim, mas num vba3c qualquer indução poderia e muito possivelmente levaria a outras intervenções, com o desfecho que eu definitivamente não queria: cesariana. Mas fiquei livre para escolher. Escolhi aguentar firme, pelo tempo que fosse necessário, deixando a natureza agir livremente e guiar meu corpo. Afinal, não tinha ido tão longe para desistir nos pródromos mais uma vez!
Comentamos também o bloqueio que eu vivia em ambiente hospitalar. Pensava ter expurgado todos os meus fantasmas durante a gestação, ter enfrentado meus medos e tê-los vencido. Mas talvez houvesse resquícios dos momentos ruins vividos, principalmente no parto de Sofia. Guísella sugeriu me manter internada, em observação, até a manhã seguinte, para eu trabalhar mentalmente o bloqueio a ponto de me sentir segura no local. Talvez assim o trabalho de parto engrenasse... ou não. Sem bola de cristal, sem certezas.
Como a doula estava conosco e, devido a um mal entendido (não sabíamos que ela precisava ser cadastrada no hospital para ter acesso permitido, e o cadastro só podia ser feito em dia útil, horário comercial), não poderia me acompanhar, decidimos retornar para casa e descansar. Iríamos dormir e pronto, com dor ou sem dor. Pois aquilo podia se estender por dias ainda!
Meu rosto revelava decepção, sem dúvidas. Um pouco de medo, não de intercorrências, mas daquele fantasma do passado que teimava em ressurgir: demorar muito a dilatar. Sabia por meus estudos que era uma questão de tempo, mas precisava suportar com paciência o ritmo que meu corpo impunha ao processo. E estava andando tudo muito lentamente. Guísella, em um gesto que me fortaleceu mais do que ela imagina,  me abraçou e disse com seu sorriso habitual: fica tranqüila, porque tudo vai dar certo! Ela queria me manter animada, claro. Mas não era só isso. Sua voz carregava sinceridade e certeza. A mesma certeza que eu também tinha de que viveria meu parto natural, mas que às vezes esquecia.
Antes da meia-noite daquele sábado me despedi de Thays em frente a minha casa e disse pra ela relaxar, que o menino brincalhão não estava com pressa e iria aguardar o cadastro da tia doula na segunda-feira. Até lá, iríamos repousar e eu dar um jeito de esquecer que estava sentindo dor ou me acostumar a ela a ponto de nem notá-la.
Passei as quase 41 semanas de minha gestação lendo sobre parto. Pensava saber alguma coisa, por exemplo, sobre as fases que ultrapassaria até ter meu garotinho nos braços. Estava certa de que reconheceria, de imediato, cada uma delas. Até a madrugada do dia 27/12 me ensinar que cada parto é único no mundo e uma experiência jamais será igual a outra. Os relatos de parto que lemos servem para nos encorajar e para nos mostrar como não será nosso momento. Porque o nosso será exclusivo, sem qualquer comparação.
Substituí a frustração por não estar dilatando (ainda) por resignação: algum propósito havia naquilo tudo. A mim cabia aceitar e buscar o aprendizado que se escondia naquela experiência. Um teste de resistência, talvez. Não fora testada emocionalmente por 38 semanas, sem equipe para meu vba3c, até atingir meu objetivo? Agora enfrentava meu teste físico: o corpo precisava resistir também. E a mente acompanhá-lo, firme, resoluta.
Outra hipótese tinha surgido em conversa com Claudia: ao parir Felipe, estaria parindo os outros 3, que não tiveram a chance de nascer por parto natural. Viveria um renascimento. Se fosse assim, não seria justo viver um dia de trabalho de parto por cada um deles? Fiz as contas e percebi que, segundo essa lógica, já estaria no terceiro filho, o próximo seria o Felipinho (rsrs). Claro que isso era brincadeira, a matemática do Senhor não seria assim tão óbvia na contagem de dias e horas. Pensar nessas coisas foi ótimo, serviu para me distrair.
Fui para a cama com um firme propósito naquela noite: dormir. Com dor ou sem dor. Se o teste era de resistência, mostraria porque investi num vba3c e mesmo com todas as condições adversas não retrocedi em minha escolha. Ou não me chamaria Suzy Rhoden!
Bem, naquela noite quase mudei de nome...

Suzy Rhoden

5 comentários:

  1. Quem dera se toda criança fosse amada e esperada com tanto carinho e amor. Tem sido contagiante pra mim ler os relatos da sua 4ª gravidez!
    Amei a ideia da cápsula do tempo. Vai ser o máximo quando o Felipe tiver o prazer e a oportunidade de ler os bilhetinhos...
    Beijos Suzy \o/

    P.S. eu acredito na influência da lua!

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  2. Uma linda trajetória, mostrando tua vontade firme e forte e que sabemos, acabou bem! bjs, chica

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  3. Suzyyyy e o resto???
    😉😉😉
    lindo relato na expectativa...

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  4. Amiga... Eu estou aqui acompanhando acuda história igual fã... Rsrs
    Vontade de te dar um abraço! Você foi guerreira! Você o fez por muitas de nós proibidas de sentir este momento, acuadas e obedientes, por tidas que tiveram seus sonhos podados.

    Mas, cadê o resto da história??? Rsrs

    Bjs

    Leila Rodrigues

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  5. Eu também, com" vontade de estar ao seu lado e te dar um abraço" Eu que tive meus quatro filhos de parto normal, pois na minha época acontecia o contrário,os médicos incentivavam e nos faziam reconhecer as inúmeras vantagens de ter filhos dessa forma. Cesárias só em casos específicos e urgentes.
    Pensando na dor muitas mães que podiam pagar por uma cesária e que não era barato, optavam por ela, simplesmente por puro conforto, mas que depois se arrependiam pelos motivos que sabemos tão bem. Não sei se nas suas condições indo e voltando do hospital eu teria essa coragem, esse pensamento positivo e firme no seu ideal. Você foi gigante. Mais ainda de admiro.bjs

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