sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Parto Normal Após 3 Cesáreas (VBA3C) – Parte II

Imagem: arquivo pessoal

A Porta Escancarada

Não aconteceu de uma hora para a outra, foi um processo. A porta escancarou-se. Eu definitivamente desejava viver a experiência de um parto humanizado. Quando me refiro ao parto humanizado, não descarto de vez a cesárea, mas me refiro a um parto sem violência obstétrica, preferencialmente normal, que acontecesse sem intervenções desnecessárias após eu entrar espontaneamente em trabalho de parto. Se o desfecho fosse a cirurgia, queria a garantia de que ela não seria eletiva como as anteriores e sim por real necessidade.
Meu desejo não nasceu movido pela vaidade, como muitos pensaram. Nem foi uma adesão a modinha do momento – absurdo dizer que mulheres que lutam para não mais serem violentadas no momento sublime de suas vidas o fazem por modismo!!! Logo eu, que não ligo a mínima para a opinião alheia, me deixaria levar por argumentos que não fossem sólidos e baseados em evidências?!
Visitei muitos médicos e todos tentaram me dissuadir de meu intento. Continuei estudando e ponderando a respeito. Meu marido comigo em todas as consultas, ainda sem opinião definitivamente formada. Entendemos que, dentro do plano, não conseguiríamos o parto que eu almejava. Passamos a pagar consultas particulares e sonhar que alguma equipe abraçaria nossa causa. Uma amiga, que prefere permanecer no anonimato, abraçou: ofereceu-nos empréstimo dos valores, assim a questão financeira deixou de ser problema. Um sol enorme e radiante nasceu para nós, estávamos confiantes.
Mas a alegria não durou: não encontramos equipe que se sentisse segura para viver tal experiência conosco, todos com quem contatei tinham seus motivos ou então criavam  desculpas para pular fora do barco furado que aparentemente era meu vba3c. Esse contexto me acompanhou a gestação inteira, sendo que não houve uma semana sequer em que não fiz algo para atingir meu objetivo. Dispus-me a fazer tudo ao meu alcance e de fato o fiz, procurando todos os profissionais de cujo nome ouvia falar, pagando diversas consultas particulares, rodando quilômetros até os consultórios indicados, mas foi tudo em vão.
Foi frustrante! Eu finalmente sabia com todas as minhas forças o que queria, e estava pronta para assumir os riscos. A porta que só abre por dentro estava escancarada. Mas do lado de fora, ninguém. Passei a me perguntar: onde estavam aqueles que haviam me ensinado a acreditar? Que proclamavam nas mídias sociais, em palestras,  livros, a humanização do atendimento à gestante?
A maior decepção foi, na maioria das vezes, não obter qualquer retorno para minhas solicitações. Escrever implorando ajuda, ou pelo menos alguma orientação, e receber o nada como resposta. Ser ignorada por quem afirmou que iria acolher. Não seria mais honesto conversar francamente comigo e dizer “Lamento, mas o Conselho de Medicina não me autoriza a realizar o procedimento que você solicita” do que impor o silêncio ao meu desespero por respostas? Não seria mais justo admitir a impotência diante do sistema e me deixar saber que no Rio Grande do Sul não se pode parir, porque os médicos humanizados são visados e diante de mínima intercorrência são submetidos praticamente à fogueira em praça pública? Precisei descobrir por mim mesma o contexto de perseguição estabelecido em meu estado, após chorar sozinha por muitas noites, sentindo-me rejeitada e abandonada em meus anseios.
Lamentavelmente, senti desconsiderado meu histórico e o fato de, por 3 vezes,  ter sido engolida pelo sistema e ter tido meus partos roubados. Fui empurrada, pela quarta vez, para uma cesárea que eu não queria, mesmo sentindo que meu corpo era perfeito e estava preparado para parir.

Meus Porquês

Tentei viver um parto normal há 10 anos, em minha primeira gestação. Faltou conhecimento, fui para o hospital diante do que me parecia os primeiros sinais de trabalho de parto. Não havia dilatação. Fui logo para a ocitocina. Quase 24h depois das primeiras contrações, havia dilatado apenas 3 cm mas já não suportava as dores que sentia. Passaria dias naquele ritmo... Eu não aguentaria (consequência da indução!), de modo que aceitei de imediato a cesárea quando me foi proposta. Nasceu meu primogênito sem que eu soubesse o que é de fato um trabalho de parto: Arthur veio ao mundo durante os pródromos, as contrações de treinamento! E eu ganhei um rótulo que carreguei por quase toda a vida: não dilato. Vim com defeito de fábrica. Sou a sem dilatação.
Gabriel nasceu 1 ano e 7 meses depois. Fui ensinada que, uma vez cesárea, sempre cesárea, e também que meu útero romperia se me rebelasse e tentasse parto normal antes de 2 anos da cesárea anterior! Bastava de argumentos para uma leiga, agendei a cirurgia. Olhando para trás, vejo em mim  uma mulher se afogando em mitos por pura falta de informação correta! Simplesmente segui a correnteza, sem entender e sem questionar os procedimentos... Meu filho nasceu quase prematuro, enquanto mulheres bem informadas estavam vencendo o sistema e parindo seus bebês pouco mais de um ano após suas cesáreas, pois isso se comprovou perfeitamente possível para a grande maioria das mulheres.
Contudo, nada se compara ao parto de Sofia! Sem qualquer aviso prévio a respeito, meu marido, que assistiu as 2 primeiras cesáreas, foi impedido de me acompanhar no parto de nossa princesa. Fui conduzida sozinha para o bloco cirúrgico, de lá para a sala de recuperação, e finalmente para o quarto, sem acompanhante algum. Sentia-me tensa e fragilizada sem a esperada presença de meu esposo, por isso não consegui relaxar durante a anestesia. Por causa disso fui xingada. Depois ainda tive de ouvir piadas da anestesista em relação ao número de filhos, enquanto fazia o procedimento.
Nessas condições lamentáveis, nasceu minha menina e, quando pensei que iria vê-la e tocá-la, lá se foi ela chorando desesperadamente nos braços do pediatra sem sequer sentirmos o cheiro uma da outra, sem nos olharmos nos olhos, sem nos conhecermos! Ela, que nasceu com apgar 10 e 10, foi inexplicavelmente roubada de mim, levada para longe e esfregada por desconhecidos numa série de procedimentos eletivos. Fui vê-la muitas horas depois, e até hoje sinto e choro a dor daquela separação desnecessária e traumática para mim e para ela. Não merecíamos! Ficou óbvio para mim que algo estava errado e um parto não deveria acontecer daquela forma.
Naquele momento tomei a decisão: não passaria por aquilo novamente. Não permitiria que meu filho fosse levado de mim. Não aceitaria. Exigiria o respeito merecido em nossa hora sagrada!
Quando me descobri grávida, senti arrepios ao pensar numa quarta cesárea. Eu realmente não queria, não via tal cirurgia em meu caminho! Não temia a recuperação, que fora excelente nas ocasiões anteriores, mas o desrespeito em circunstâncias que me tiravam totalmente a autonomia e o protagonismo. Acreditava que havia outro caminho e que eu tinha saúde suficiente para trilhá-lo com segurança. Por isso não abriria mão de meu vba3c sem ter feito tudo, realmente tudo dentro de minhas possibilidades para torná-lo viável.

 Suzy Rhoden

4 comentários:

  1. Amiga, me emocionei com os 3 relatos! É impossível não vivenciar com vc, viajar nessa experiência de luta, decepções, mas tbm de muita perseverança! Te admiro muito, vc sabe disso. Qualquer outra teria desistido, mas não vc! Tua maturidade já conhecia, e essa tua força, que sempre suspeitei, se confirmou! Já te comparei a uma flor: delicada aos olhos, mas resistente ao sol que arde e queima! Vc não se deixou queimar pelo descaso do sistema, nem pela preguiça dos médicos, que tão bem conheço! Não é a medicina, como dizem, uma missão, um apostolado?... Tá bom! Isso fica lindo nos romances de ficção!
    Penso que os caminhos que vc teve que trilhar te fez ainda mais forte, e o final feliz com mais sabor... Vou aguardar para comprovar!

    Bjobjo!

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  2. E que legal que conseguiste o teu intento, não? bjs, tudo de bom,chica

    Lindo feriadão! chica

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  3. Oi Suzy,
    Me sinto cada vez mais emocionada com a sua trajetória , sua garra e coragem para enfrentar todo um sistema que simplesmente sai na contramão, querendo modificar e suplantar a natureza. Claro, reconheço que você também é essa pessoa esclarecida, culta (só em ler seus textos ) e seus argumentos eram fortes e verdadeiros e sabendo lutar pelo que queria, foi adiante identificando-se mais ainda com sua condição de mãe. Sua coragem foi mesmo calçada e moldada na sua grande fé em Deus e como resposta ele te presenteou lindamente com Felipe. Parabéns mais uma vez .
    bj grande.

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  4. Ah! Voltei pra dizer que a foto acima está maravilhosa, angelical. Adorei. bjs.

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