sexta-feira, 1 de abril de 2016

O Puerpério e as Redes de Apoio

Imagem daqui
No post anterior, relatei alguns aprendizados agregados neste puerpério, embora seja o quarto que experimento na vida. Naturalmente, o puerpério propriamente dito já se foi, compreendeu os 40 dias após o parto. Mas, para quem vive a exterogestação, ele de certa forma se prolonga pelo primeiro trimestre de vida do bebê. Por vezes vai ainda além... Refiro-me aos sentimentos da mulher e às mudanças que ocorrem no corpo e na mente, nem sempre agradáveis e positivos como a mídia insiste em reproduzir.
Conto hoje com forte rede de apoio. Integro nem sei quantos grupos virtuais de incentivo ao parto humanizado, à amamentação, grupos de mães & bebês para trocas de ideias e experiências, enfim, estou muito bem amparada. Não quer dizer que sigo fielmente tudo que circula por ali – tenho meu filtro particular acionado. Mas reconheço a eficácia de se ter tantos recursos a mão em tempos atuais.
Refiro-me especialmente à oportunidade de desabafar. Quando tenho dificuldades para lidar com sentimentos desencontrados, trazidos pelo puerpério, num áudio ou post escancaro isso para meu círculo virtual. Em minutos vem o apoio, a experiência de outra mãe que passou pelo mesmo que eu, como lidou com a situação,  como reagiu, o que funcionou, aquilo que fez bem e o que não fez... Ou simplesmente vem a palavra amiga: não deve estar sendo fácil pra você, mas vai passar. Pronto. Dezenas de abraços virtuais salvam  meu dia, fortalecem minha autoestima um tanto abalada, e volto reconfortada para minha rotina exaustiva que é ser mãe de um recém nascido.
Que bom poder falar, abrir o jogo, soltar o verbo! Que bom ser ouvida, compreendida, fortalecida! Bem, acontece de ser mal interpretada também... Raramente nos grupos fechados, que cumprem a risca seu propósito de informar e apoiar ao invés de julgar atitudes. Mas na rede, quando vaza para o público algum desabafo, a tendência é a impiedade. E aí, quem dera nunca ter desabafado!
Polêmicas a parte, pois são poucos os casos que alcançam grande repercussão negativa, vejo uma série de benefícios no sistema de apoio virtual. Minha visão positiva desta prática advém de minha experiência pessoal em outros tempos.
Conheci o puerpério antes das redes sociais. Claro que, há 10 anos, a tecnologia já levava pessoas do outro lado do oceano instantaneamente para dentro de nossos lares, mas não existia ainda a popularização das comunidades virtuais. Ou eu não as tinha descoberto de forma plena. Passei meu primeiro e segundo puerpérios acreditando que tinha de andar descabelada e com olheiras em casa, mas forjar o sorriso de “mãe 24h do dia feliz e realizada” para o mundo. Qualquer reclamação seria o atestado de infelicidade. Acontece que a felicidade não joga para debaixo do tapete sentimentos de inexperiência e inadequação,  não mascara a verdade: administra tais momentos sem deixar-se atingir fatalmente por eles.
Quando somos jovens ou mães de primeira viagem, a insegurança faz parte da maternagem. No entanto, fomos ensinadas que o instinto materno é acionado com o primeiro chorinho e dali pra frente não se erra mais: o instinto apita na hora exata e a boa mamãe sempre, invariavelmente, sabe o que fazer. Logo descobrimos que não é bem assim, e sozinhas com um ser tão frágil nos braços, nos enchemos de culpa e de sentimentos de fracasso, pois a impressão é de que todas as outras nasceram sabendo. Menos nós.
Não sofri tanto no primeiro puerpério, tive minha mãe bastante presente e do meu jeito dei conta do recado. Logo engravidei novamente, uma gravidez desejada mas que me pegou desprevenida no que dizia respeito aos cuidados com  dois bebês em casa. Somaram-se outros fatores, dentre eles o estresse acumulado que me causara lecionar em  muitas escolas ao mesmo tempo, tendo que passar os dias pipocando de uma para a outra. Vivi um puerpério triste e solitário. Tornei-me reclusa, quieta, isolada, não queria assunto com ninguém. Em vez de desconfiarem da mudança repentina e oferecerem ajuda, maioria das pessoas se afastou criticando meu comportamento.
Para completar meu desespero, o amado bebezinho que chegou foi diagnosticado com refluxo, o que exigiu de mim muitos cuidados extra. Precisava dobrar a atenção à noite, quando ele vomitava e podia engasgar. Muitas e muitas madrugadas passei em claro trocando lençóis e as roupinhas de Gabriel, chorando enquanto ele também chorava. Sentia-me tão impotente para aliviar meu menino do sofrimento que o refluxo lhe causava, e aquilo me consumia.
Foi horrível ter silenciado meus medos. Foi péssimo não ter pedido ajuda. Foi desgastante cuidar de dois pequenininhos quando eu precisava também ser cuidada! O marido? Lógico que a relação degringolou. Eu não explicava o que sentia – nem eu mesma sabia definir o que era aquilo – e ele não tinha a menor ideia de como proceder diante de minha depressão. Adoecemos os dois. Quase afundamos.
Olho para trás e vejo ajuda insuficiente à disposição. Muita crítica e pouco amparo. Falta de conhecimento sobre o puerpério de minha parte, pois não se falava nisso. As mães tinham a obrigação de ser felizes e ponto final.
Faltou justamente a rede de apoio que tenho hoje! Pois o problema não foi dar conta de duas crianças – hoje tenho 4, e atravessei meu pós parto gargalhando. O problema foi não estar preparada para lidar com sentimentos que inevitavelmente viriam e acreditar que a incompetente e fracassada era eu naquelas circunstâncias. Não apareceu ninguém para me contar a verdade. Porque essas coisas não se falavam, era feio, seria uma declaração de menos mãe – ah, como detesto essa expressão! Mas é exatamente como seria definida a mulher que ousasse expor seus verdadeiros sentimentos.
Entre erros e acertos, ultrapassei meu puerpério e superei a fase de sentimentos desencontrados. Por pouco não caí numa depressão pós parto. O casamento balançou mas resistiu. Os meninos foram crescendo lindos e inteligentes e logo ganharam uma maninha. Veio então nova fase, vi a fênix que há em mim ressurgir das cinzas e alcançar voos elevados justamente quando andava com 3 pequenos pendurados na barra da saia. Afinal, aquilo que não mata, fortalece. Eu não morri, robusteci.
Cheguei aos tempos atuais muito segura, senhora de mim. Mas isso não me isentou de dias extremamente cansativos, de tardes em que só queria dormir ou chorar, de madrugadas tão exaustivas que adoraria deletar. Porque tudo isso faz parte do pacote maternagem, vem de brinde no puerpério. Está relacionado a hormônios.
Não é a toa que se fala em resguardo nessa fase, porque a mulher precisa se resguardar, se recolher, ela se volta naturalmente para dentro de si e transborda desorganizadamente o que sobeja em seu íntimo. A mulher amparada dá conta de tudo, sobrepuja sua montanha russa de sentimentos sem prejuízo da sanidade.  A mulher desamparada flerta com a depressão pós-parto.
Integro com prazer os grupos de apoio – para acolher e para ser acolhida. A mãe que desabafa não precisa de julgamentos e sim de orientação ou simplesmente de empatia. É um chamado divino, é sagrado e é lindo. Justamente por isso é desafiador, porque lapida a mulher natural transformando-a no diamante mais valioso. Diz a escritura: “Mulher virtuosa quem achará? O seu valor muito excede ao de rubis” (Provérbios 31: 10).
Há muita mulher virtuosa  chorando em segredo sem desconfiar de seu valor e de sua capacidade. Precisamos achá-las e encorajá-las. Precisamos substituir os espelhos de nossas vidas por janelas, para melhor enxergarmos umas às outras.

“Amor significa abrir um espaço em sua vida para outra pessoa”
Neil F. Marriott




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