Lidamos com a dor de muitas maneiras. Em
recente aula, analisamos o comportamento da atriz Cissa Guimarães diante da dor
suprema que uma pessoa pode ter de enfrentar nesta vida: a morte de um filho.
Ela concentrou sua dor no trabalho: em apenas 2 semanas retornou aos palcos, de
onde extraía naquele momento uma alegria que dentro dela definitivamente não
podia existir. Falei para uma colega que essa é também minha maneira de encarar
os infortúnios da vida: torno-me produtiva ao extremo justamente no auge das dificuldades.
Mas, teorias a parte, sei bem que viver hipoteticamente uma situação é coisa
muito diferente de senti-la na própria pele... Eu não tinha como prever, mas
naquele mesmo dia uma amiga querida, e digna de toda minha admiração, viria a
perder seu filho de 22 anos, vítima de acidente automobilístico.
O fim de semana que seguiu foi trágico. O
mesmo acidente vitimou outra amiga, pessoa tão cheia de energia e disposição
que é difícil fechar os olhos e não vê-la regendo com vigor o coral de nossa
igreja. Acredito piamente que agora canta com os anjos, num coro celeste digno
de seu talento musical.
E isso não foi tudo. Partiu deste mundo
também um senhor idoso, cuja vontade de trabalhar e de fazer acontecer era a de
um menino hiperativo! Para se ter uma idéia exata de quem era esse homem, basta informar que participei de seu
casamento há 1 ano: o simples enlace de pessoas maduras? Nada disso, um
casamento lindo, tradicional, com tudo que um casal de jovens apaixonados tem direito. Pois assim viveram aquele ano
juntos, completamente enamorados!
Gostaria de encerrar aqui as notas de
falecimento desta crônica, mas no último fim de semana fomos novamente
surpreendidos por uma partida inesperada: o vizinho da casa ao lado caiu, bateu
a cabeça e não resistiu... tudo tão de repente! Desta vez não me refiro a um
senhor idoso, mas ao pai de uma menina de 2 anos, o que mexe profundamente com
minha sensibilidade.
Diante dessa sequência de acontecimentos,
impossível não olhar com outros olhos para esta passagem em nossa linha do
tempo, chamada vida. Inevitável o mergulho em profunda reflexão sobre o propósito
de tudo aqui... esta jornada que de uma hora pra outra acaba, por vezes sem qualquer
aviso prévio. Quanto ao depois, tenho
crenças firmemente estabelecidas, que me sustentam. O agora é que me interessa e que, de certa forma, me incomoda.
Passada uma semana dos funerais relatados,
meu marido e eu fizemos visita solidária
a viúva do senhor idoso. Preparei-me para aquele momento, teria de confortá-la
da melhor maneira, enxugar suas lágrimas. Embora compartilhemos da crença de
que as famílias podem ser eternas, sentia-me impotente diante da dor do
momento, do sentimento de ausência da pessoa querida, portanto confesso não
saber exatamente o que dizer...
Não foi preciso dizer nada, o melhor que
me coube fazer foi ouvir e aprender. Eu, que pretendia confortar, retornei da
visita confortada e verdadeiramente fortalecida. Passei algumas horas
insubstituíveis na sala de uma mulher madura, que falava com um sorriso sobre
as qualidades de seu amado. Conheceram-se há pouco mais de um ano, dizia ela. E
apaixonaram-se à primeira vista. Modo de dizer, claro... Não, contestou ela!
Apaixonou-se como uma adolescente, sentia o coração palpitar quando o via, até
as borboletas no estômago ela mencionou... ela por volta dos 70 e ele dos 80
anos, ambos viúvos!!! Viveram um grande amor, eterno na intensidade, a despeito dos breves 12
meses e 1 semana que lhes foram dados pela condescendência divina. Souberam
viver cada dia, e amar a cada dia, como poucos de nós mais jovens sabemos!
Prestei atenção aos detalhes de seu
relato... buscava um ponto negativo, talvez um grão de desavença. Se houve, ela
realmente não se lembra. Guardou apenas o que foi bom, o que foi digno e
verdadeiro. Dessas histórias lindas é que ela nos falou, enquanto abria
vários álbuns: uns com fotos do
casamento, outros com poemas e músicas que o amado compunha pra ela, sua musa
inspiradora. Compartilhou conosco alguns de seus preciosos segredos, como quando ele perguntou
se poderia visitá-la em sua casa, e ela de imediato respondeu: só depois que eu
participar minhas vizinhas sobre nosso
namoro, pois não quero ninguém falando de mim! Ele respeitou e ainda mais se
encantou com sua dignidade. Também falou-nos das serenatas, tão freqüentes mas
sempre surpreendentes, debaixo de sua janela. O namorado cantava e tocava pra
ela! Outras vezes, já casados, ele a acordava cantarolando Que Mulher Maravilhosa – paráfrase da canção Que Manhã Maravilhosa – entre tantos outros versos românticos
dedicados a ela.
E assim viveram dias de carinho e amor.
Para ela, dias de dedicação, pois em virtude da idade avançada ele estava
sempre às voltas com enfermidades. Eu os conheci de perto e não tive notícias
de reclamações da esposa. Muito pelo contrário, o zelo de um em relação ao
outro era visível até mesmo ao mais relapso observador. Familiares e amigos
próximos não hesitam em declarar: nunca foram tão felizes nesta existência!
Encontrei naquele casal uma lição de como
viver bem. Lição que eles próprios vieram a aprender já amadurecidos pela vida.
Isso explica minhas reflexões acerca do agora... intrigada, me questiono: por
que precisamos esperar os 80 anos para colocar em prática o que sabemos que
funciona, que dá certo? Por que nos apegamos a detalhes tolos do dia-a-dia para
amar menos e desprezar oportunidades de demonstrar amor? Banalidades nos
desviam do foco, como a toalha molhada sobre a cama ou a porta do armário
esquecida aberta... Permitimos facilmente que as coisas adquiram valor maior do
que o das pessoas a nossa volta, e por esse erro de julgamento nos perdemos,
deixamos de expressar o valor que a pessoa ao lado tem para nós.
É dura, mas real a constatação: um dia
qualquer será o último, para nós ou para alguém que amamos muito. No mesmo fim
de semana, perdi um amigo de 22 e outro
de 80 anos. Onde encontrar consolo nessas horas? Na vida bem vivida. Estou
certa de que aí está o conforto. Na paz de consciência, na certeza de que cada
dia valeu a pena. O agora é a
resposta, exatamente como sentenciou Renato Russo há vários anos: É preciso amar as pessoas como se não
houvesse amanhã!!! O amor demonstrado no tempo certo previne as lágrimas do
tempo incerto...
A voz mansa da senhora viúva ainda ressoa
em meus ouvidos. Suas histórias são músicas que embalam meus dias desde então; seus
álbuns são documentos que atestam a realidade do amor, em qualquer tempo, em
qualquer idade. A morte passou e não a devastou, de modo que, apesar da saudade,
ela vive como se o companheiro querido não tivesse partido: ele apenas mudou de
aposento, mas sua presença é muito viva e continua enchendo de alegria aquela
casa.
Suzy Rhoden
Muito bonito o que escreveste, essas perdas machucam a gente, verdade.até uma vizinha te deixou assim..bom exemplo o da Cissa G., admiro quem tira forças depois de uma perda, eu sou muito mole pra isso. Nossa, nem posso imaginar perder um filho* é um pedaço de nós que se vai, dói muito.
ResponderExcluirQue Deus nos proteja e nos livre de todo o mal...beijinhos.
Mery*
Diante das perdas, que nos pegam de surpresa ou não, ficamos quase mudas.
ResponderExcluirE é por isso que temos que aproveitar, dar carinho aos que nos rodeiam a cada dia, pois de repente, não o poderemos fazer mais. Nunca sabemos se amanhã estaremos ou eles estarão. Incrível isso. Que linda história de amor trouxeste.
Força pra todos, beijos, linda semana, bem boa e alegre!!Chega de perdas,né? chica
Oi Suzy !
ResponderExcluirComo dói a perda...
E cada pessoa lida com isso de um jeito.
Admiro muito as pessoas que conseguem se recuperar rápido,(da dor insuportável) de perder quem se ama.
Acho que só pessoas que estão no auge do amadurecimento emocional
conseguem agir dessa maneira.
Adorei sua crônica do começo ao fim.
E essa frase sua,precisa ser colocada em prática a todo momento:
'O amor demonstrado no tempo certo previne as lágrimas do tempo incerto...'
Bjs e ótima semana :)
Suzy, o seu relato dos recentes e trites acontecimentos nos faz pensar no quanto precisamos valorizar cada momento da vida, perceber os detalhes que pela correria passam despercebidos. A morte de pessoas queridas sempre nos dá uma chacoalhada, a vida é tão efêmera e temos perdido tanto tempo com vaidades e mesquinharias.
ResponderExcluirTenho que lhe agradecer pelo texto tão reflexivo, você está prestando um grande serviço à vida!
Beijos
Suzy, a narrativa muito emocionada, me fez ver porém este trecho aqui:
ResponderExcluir'Por que nos apegamos a detalhes tolos do dia-a-dia para amar menos e desprezar oportunidades de demonstrar amor? Banalidades nos desviam do foco...'
Isso acima, amiga, é o que mais importa em nossas vidas. Geralmente as pessoas casam com mil planos de compras, linda casa, carro, casa mobiliada com inúmeras prestações etc, etc. Quando o que importa é algo bem diferente que se conquista de graça: com carinho, amor. Esta é a vida, veja bem, este casal idoso encontrou a felicidade pura, sem rabiscos. E veio a fatalidade que pode vir para um casal de 30 anos. A vida prega peças, sempre. E não adianta choro nem vela. O negócio é ser feliz dentro da simplicidade e da sua verdade. Da verdade de cada um. Não sabemos a nossa hora...
Beijo grande. História triste, mas fica o exemplo.
Tais
Que lindo testemunho! Precisamos aprender a viver cada dia como se fosse o último. Amei seu texto, um bj!
ResponderExcluirmuito especial Suzy... com esperança em reecontrar nossos entes e amados queridos...e não podemos perder tempo com coisas mesquinhas aqui na terra..
ResponderExcluirRafael Oliveira