Leu o e-mail e chorou.
Muitos anos haviam se passado, e Augusto ainda mexia com seus sentimentos.
Manuela não compreendia bem a insistência daquele amor, que tinha tudo para ter sido, mas nunca foi. Como um livro interrompido no meio de uma frase, assim findou seu romance: sem uma vírgula, apontando um novo caminho; sem as reticências, dando margem a continuidade da história; sem mesmo um definitivo ponto final. Uma frase que não deu certo, talvez, mas que nunca se concluiu, nem nunca disse a que veio.
Analisando friamente seu roteiro de vida, Manuela diria que ambos foram absorvidos por novas histórias, das quais viraram personagens – não autores. Aos vinte anos, seguir a correnteza das oportunidades parecia mais interessante do que projetar um futuro de meras possibilidades... Apenas foi, conforme surgiram as ofertas de trabalho, sem pensar muito, quase sem sofrer.
O sofrimento veio depois, com a compreensão de que realizações na carreira não preenchem espaços vazios no coração. Havia uma lacuna dentro dela, uma ausência diariamente sentida, que tinha nome próprio, telefone e endereço. Melhor ainda: tinha perfil nas redes sociais.
Claro que ela pensou em entrar em contato, foi quando se deparou com o status: "em um relacionamento sério com Yolanda Ferraz". Yolanda?! A branquela, magrela do colégio? Estava linda a Yolanda (Manuela fez questão de verificar, as mídias sociais existem justamente para esse fim), mas óbvio que Manuela jurou para si mesma que a colega estava horrível e completamente sem graça.
Aos vinte e cinco anos conheceu a palavra ciúmes. Logo ela, que tantos sermões deu nas amigas pregando o amor próprio, a autossuficiência emocional. Não era, por natureza, uma pessoa dependente ou carente, virou-se muito bem sozinha por muitos anos. O problema era a falta imensa que ele fazia no somar dos dias, o coração que já não tinha motivos para bater acelerado e as mãos que suavam somente devido ao calor nordestino...
Teve vontade de escrever na mesma hora, dizendo para ele acabar com aquela palhaçada e que o amor da vida dele era ela, sempre seria ela. Mas não fez nada do que pensou, controlou os impulsos, ou melhor, redirecionou a súbita sobrecarga de sentimentos: começou a escrever poemas.
Por vezes, parava no meio de um verso para rir de si mesma: quem imaginaria que a arquiteta, sempre tão exata, seria derrotada por uma equação de amor não resolvida! Se não podia resolvê-la, podia escrevê-la, com toda a subjetividade que seu trabalho sempre dispensou - mas que a vida amorosa exigiu.
Às vésperas de completar trinta anos, foi surpreendida pela notícia de que Augusto e Yolanda finalmente iriam se casar. Como assim, já não eram casados há muitos anos?! Pensava que até já tivessem filhos... "Não", respondeu por mensagem o amigo em comum, o romance não ia tão bem assim, sobreviveu devido à insistência de Yolanda. Ela venceu a apatia dele e os dois, até que enfim, iriam contrair núpcias.
Estupefata com a descoberta, Manuela decidiu que não iria silenciar mais uma vez. Abriu o email, disposta a completar o romance inacabado de sua vida de uma vez por todas, mas... na caixa de entrada, encontrou um email de Augusto!!!
Fechou os olhos, inspirou uma grande quantidade de ar - o suficiente para ter certeza de que não desmaiaria ao se deparar com o convite de casamento de seu grande amor - e abriu a mensagem. Sem maiores explicações, Augusto endereçava: "Para você" e direcionava para o arquivo, que Manuela abriu sentindo um aperto no coração.
Ao invés do convite esperado, porém, deparou-se com poemas, escritos ao longo de dez anos, falando de amor, de partida, de ausência, de espera, de solidão. Aquele tempo todo, eles sentiram o mesmo! Amaram por mais de dez anos no mais absoluto silêncio, sem uma explicação plausível para a tola espera pela iniciativa do outro. Dez anos de um amor transformado em platônico, quando o ser amado estava ao alcance das mãos. Leu o email e chorou.
Em uma semana, Manuela desceu do avião em Porto Alegre, carregando poucas malas e muitos sonhos. Pretendia fazer uma surpresa para Augusto. Mas a surpreendida foi a própria Manuela: chegou no dia do casamento de seu amor, e a noiva não era ela!
Finalmente, depois de dez anos reticentes, a frase inacabada ganharia uma vírgula. Ou um ponto final.
Suzy Rhoden
Queridos amigos, despeço-me por algum tempo da blogosfera, sem data específica para retornar... talvez antes, talvez depois do planejado... para poder acompanhar mais de perto as férias de minhas crianças.
Aproveito para desejar a todos um feliz período de festas, com as mais sinceras lembranças do Salvador Jesus Cristo em cada lar, visto ser Dele o nascimento celebrado na bela época do Natal.
E que depois venha o Ano Novo, pleno de bênçãos para todos nós!!!
Um abraço aos queridos leitores, até breve.