Vivi momentos de introspecção nos últimos dias, lendo muito sobre muitas coisas.
É interessante, a leitura me leva por novos caminhos, acrescenta saberes, imagens, paisagens. Não canso de me deslumbrar com um Brasil que até então não tinha conhecido, por exemplo, com seu povo e sua história, sua cultura, sua tradição. Outras vezes, vou ao exterior, falo novas línguas, conheço nova gente... Tudo tão diferente daqui, do meu país, e ao meu alcance: nada além do folhear de algumas páginas ou do navegar por outros mares, via internet.
Saboreio essa experiência, vou realmente além do saber, transformo tudo em vivência. Sinto aquilo que leio. Choro emocionada, outras vezes me indigno. Faço ares de chocada, impressionada, extasiada! Depende da qualidade da aventura...
Confesso que às vezes desisto do passeio, porque ele não vale a pena. Afinal, ser sedento e ávido por conhecimento não significa aceitar tudo: muito pelo contrário, pessoas com essa especificação tornam-se muito mais exigentes. Gosto do novo, mas não tolero a vulgaridade. Se o trajeto me leva para o que é medíocre, tenho a coragem de fechar o livro. Sou cuidadosa com minha mente, uma vez que vivo tudo que chega até ela: evito que seja utilizada como depósito de lixo.
Recentemente, me embrenhei pelo sertão, junto com uma ‘caravana do bem’. São os voluntários do Instituto Brasil Solidário, representados pelo Dr. Wolber Campos em seu blog Crônicas de um Brasileiro. Não sei explicar o quanto seu trabalho de amor, junto com sua equipe, preencheu meu coração. A palavra ‘preencher’ cabe muito bem, de fato, pois é esse o sentimento. Como se antes houvesse uma lacuna, algo ainda em branco dentro de mim. Já não há. Vivi com eles a alegria de servir o povo brasileiro, nos lugares mais remotos. Entendi algo que só quem empreende semelhante viagem consegue captar: população desprovida de certos recursos não significa, exatamente, população pobre ou infeliz. Vi alegria nas fotos, uma alegria que saiu da tela e se projetou em cheio sobre mim. Um povo sofrido, sim, sob certos aspectos, mas que muitas vezes vive a vida com muito mais sabedoria do que eu, metropolitana, priorizando o contato com a natureza e a presença real (e não apenas virtual) dos amigos e da família.
De fato, a leitura me leva por novos caminhos. Mas às vezes também me leva de volta a estradas já percorridas... Ah, como é bom ler algo que me faça sentir saudades! Um bom livro sempre nos conduz por lembranças, proporciona reencontros, traz de volta os elos perdidos no tempo e na distância...
Por isso leio. Leio muito. Leio sempre. Quero rever amigos nas páginas de um bom livro! E brincar de novo como brincava quando era criança. Faço isso exatamente quando leio, e curioso, a brincadeira ainda tem o mesmo gosto e até o mesmo cheiro! Mas explicar isso é complicado, não vou tentar fazê-lo... Afinal, um verdadeiro leitor sabe exatamente sobre o que estou falando e dispensa minha explicação.
O mesmo blog já mencionado me levou de volta a um lugar amado, uma cidade chamada Montes Claros, no norte de Minas Gerais. Trabalhei lá como voluntária em uma missão religiosa, cujo propósito era tornar as coisas em que acreditamos conhecidas de toda população, mas antes de tudo servir essa gente, assim como serviu a todos o nosso exemplo perfeito, o próprio Salvador Jesus Cristo. Essa era nossa missão.
E num desses dias inspirados, quando recebemos novos colchões para nossa casa de missionárias, tivemos o desejo de levar um dos antigos colchões para uma família, composta por uma mãe e seis filhinhos menores de oito anos. Pouco sabíamos de sua história, eram há poucos dias nossos conhecidos. Mas que importava? O colchão lhes serviria bem, tínhamos certeza.
Ao chegar a casa, encontramos apenas o filho mais velho com alguns de seus irmãozinhos, a mãe saíra mas logo retornaria. Tivemos a idéia de surpreendê-la, organizando a casa para aquela atarefada mãe, já deixando o colchão no seu devido lugar e a cama feita. Mas que surpresa tivemos nós! Não havia colchão naquela cama, nada além de alguns papelões, sobre o qual as crianças dormiam. Partiu-se nosso coração! E com lágrimas terminamos nossa tarefa, deixando tanto quanto conseguimos aquela casa mais alegre e harmoniosa.
Pouco depois, retornou a mãe. Os filhos, todos felizes, sentados sobre a cama, onde ela também se sentou, para ouvir o hino que cantamos para eles. Havia lágrimas em todas as faces, mas também sorrisos!
E isso ainda não é o fim da história: condoída pela chegada dos dias frios, a mãe não suportou mais ver os filhos dormindo sobre papelões e foi à casa de um familiar solicitar um colchão, naquele dia, naquele horário. O dono da casa, que tinha um colchão sem utilização, negou a doação ou mesmo o empréstimo justificando que nunca se sabe quando chegarão as visitas. E a mãe voltou triste para casa.
Quem, senão aquele que naquela missão representávamos poderia ter feito o milagre e nos inspirado a levar o colchão para a família? Todos tivemos, naquele dia, a certeza de que existe um Deus e um Salvador, Seu filho Jesus Cristo. E Eles olham por nós, ouvem nossa súplica e providenciam socorro a seu tempo. Nem todos os leitores desta crônica compartilham dessa crença, eu sei. Mas o que senti e o testemunho pessoal que recebi da presença divina naquele momento é algo que permanece dentro de mim, independente do que os outros, neste mundo democrático, pensam ou sentem.
Agora sim vem o fim da história: vivi tudo isso outra vez. Lendo. Sendo remetida a lembranças doces, comoventes, inesquecíveis. Sentindo a mesma emoção daquele dia. Ah, o que seria de mim sem os livros?! Realmente pobre e desprovida de qualquer recurso que uma pessoa precisa para viver.
Suzy Rhoden
Gravataí, 31 de agosto de 2011