A leitura é uma de minhas atividades
favoritas, isso não é nenhuma novidade. Rendi-me cedo aos livros, desde que me
conheço por gente. Curiosamente, porém, e contrariando as estatísticas, o
estímulo não veio de casa, onde não havia sequer uma biblioteca montada.
Calma, não se apressem em julgar meus
pais, reformulo minha frase: embora não existissem livros infantis a minha
inteira disposição, o estímulo veio, sim, de casa, da família maravilhosa que
tive.
Meus pais eram humildes agricultores,
trabalhavam pelo nosso sustento, ofertando-nos o melhor e o mais saudável em
termos de alimentação. Mas pouco tinham lido na vida, sequer tinham completado
os estudos primários, por que afinal lhes passaria pela cabeça, como prioridade
absoluta, ter uma biblioteca em casa?! Entendo muito bem a visão dos meus pais
e lembro perfeitamente de seus esforços para que meus irmãos e eu estudássemos,
sempre bem nutridos e bem vestidos. Ou seja, não abriram a porta para mim, mas deram-me a chave e disseram: você pode fazê-lo.
Tive uma infância invejável. Cresci na
zona rural de um lugarzinho esquecido no mundo, bem longe do que chamam de
civilização. Um lugarzinho abençoado, onde tive espaço para ser criança,
subindo em árvores, deslizando em papelão pelos barrancos, correndo livremente
pelos campos que se estendiam convidativos até a linha do horizonte, tomando
banho de sanga... Enfim, muito brinquei nesta vida. Muito mesmo.
Além disso, se não tinha os livros
impressos, tinha-os editados diretamente das mentes férteis de meu pai e meu
avô: como contavam histórias aqueles homens! Lembro das noites à luz de velas,
quando faltava energia elétrica no interior, e os patriarcas sentavam-se conosco em roda, narrando
histórias fantasiosas de seu tempo de guri. Eu acreditava piamente em tudo:
eram heróis os meus ascendentes, exímios campeões de MMA no colégio, quando o
esporte ainda nem estava na moda. Como eu os admirava! Hoje sei que eram apenas
brigões e contadores de vantagens...
E as histórias de assombração? Essas eram
as preferidas nas noites de lua cheia. Não sei se tinham a intenção de entreter
ou apenas de manter a filharada quieta, até o retorno da energia elétrica...
Fato é que não se ouvia um pio, era só criança grudada nos adultos, com os
olhos esbugalhados. Fizeram terrorismo comigo? E deve ter dado muito certo, pois
hoje em dia pouca coisa me assusta.
Passados tantos anos daquela época, residindo no coração de uma selva de pedras, entendo
que aquela foi a primeira leitura que me foi oferecida, e a mais importante de
todas: a leitura de um mundo que me dava asas para voar. Descobri, primeiro, o
mundo. E aos seis anos, ao conhecer as letras, ganhei as asas. Saí voando por
aí, e voando estou até hoje. Minha família tem tudo a ver com isso, embora
jamais tenha me dado livros de presente.
Cresci, estudei, casei, tive filhos... De
repente, me vejo criança outra vez, empreendendo viagens inenarráveis! Mas
desta vez vou como acompanhante, ocupo o banco do carona: os aventureiros pelo
campo das letras são meus filhinhos!
Não sei se o fator é genético, mas eles amam
viajar – literariamente falando. Todos eles, os três. Tanto quanto eu, ou ainda mais...
Surpreendem-me a cada dia com suas descobertas, é como se estivessem o tempo
todo com a mochila nas costas, prontos para desbravar novos territórios. E eu,
super parceira, topo todas!
Diferentemente de mim, crescem cercados
de livros. É um excelente presente de aniversário, eles adoram! Não me preocupo
em comprar os mais caros, o foco que tento passar a eles é outro: o que
interessa são as histórias, venham elas em qualidade pop-up ou impressas em
papel reciclado.
Precisamos ler mais para nossas crianças e também ler com nossas crianças; é fundamental contar-lhes boas
histórias e permitir que nos contem sua interpretação dos fatos narrados. A
leitura e a contação de histórias são atividades para serem feitas em família!
Encerro este texto, compartilhando uma
experiência desta semana: refugiei-me em meu quarto para ler um livro que não
me larga – aquisição recente, na última edição da Feira do Livro de Porto
Alegre. Normalmente leio na presença dos pequenos, minha concentração me
permite espiar crianças com um olho e destrinchar capítulos com outro...
Desta vez, porém, excepcionalmente, optei
pela reclusão. Sem êxito algum, pois fui seguida. Encerrei a noite de leituras
com três companheiros, cada qual com seu livrinho, conforme sua preferência
literária, todos empilhados sobre minha
cama.
No fim das contas, fiquei confusa: não
sei se as lágrimas que vieram foram de
emoção, motivadas pela excelente obra que eu tinha em mãos, ou se de orgulho,
pelos pequenos leitores que tinha ao meu lado. Eu, particularmente, adoro
não ter privacidade alguma para minhas leituras.
Suzy Rhoden
Que lindo relato,Suzy! Teus pais te deram a chave e tu, muito bem soube gir-a-la na fechadura da porta da vida! Lino quadro mostraste ao final. Aqui se repete muito! Adoro! beijos,sempre bom ,uma delícia te ler! chica
ResponderExcluirObrigada por vir, Chica! Beijinhos.
ExcluirSuzy, incrível as "chaves" que teus pais te entregaram! Eu também não tive muitos livros em casa, nem era tão fácil assim livros infantis. Também me redescobri nas leituras infantis com meus filhos.
ResponderExcluirAh! Suas lágrimas são tudo isso! E o melhor: no aconchego da cama da mamãe.
E vou aproveitar o tema para deixar uma dica para os pequenos. O livro " A inacreditável história do diminuto senhor Minúsculo" editora SM coleção Barco a Vapor. Encanta adultos e crianças! Beijos literários.
Ana, eu adorei a dica! Adoro quando me apresentam novos livros... vou atrás desse, sim!
ExcluirBrigadão! Beijos.
Oi Susy,
ResponderExcluirPraticamente quase todos os dias passo aqui aguardando os seus textos, e hoje encontro este post maravilhoso. que me fez voltar mais uma vez ao passado.
Queria também esclarecer sobre aquela sala que citei na minha postagem sobre leitura. A sala também não era na minha casa e sim na casa de meus tios.Eles não tinham filhos e praticamente nos assumiram , a mim e aos meus irmãos. Meus pais também não tinham condições de nos oferecer tudo aquilo que comentei. E como a casa deles era bem próxima a minha escola, quase todas as tardes lá estava eu, e era realmente mágico o contato com tantos livros. Depois de ter escrito tive medo de ter passado a ideia de estar sendo esnobe, mas não foi a minha intenção, e sim relatar realmente os fatos.
Na medida do possível passei para os meus filhos este hábito à leitura, dois deles aproveitaram o máximo e vivem grudados aos livros, apenas um não se interessou muito.
Acredito que suas lágrimas,eram um misto de emoção e realização pessoal. Nada melhor do que sentir que os filhos gostam de estar em nossa companhia.Mesmo que cada um tenha o seu próprio mundinho e suas diversas escolhas. Estes momentos de paz, esta ternura, muitas vezes são tão poucos. que temos que aproveitar ao máximo.
Quero de deixar um grande abraço, na expectativa de te ler novamente.
Tenha um lindo final de semana.
Adorei.
Lourdinha, você me fortalece de um jeito que você nem imagina! Sinto à distância seu carinho, e sou grata por ele.
ExcluirSobre a sala descrita em seu post, não me pareceu nem um pouco esnobe! Muito pelo contrário, recebi a descrição, com riqueza de detalhes, como um convite para conhecer um lugar mágico do seu universo particular. Me senti próxima de seu mundo, pois assim, maravilhada, eu me sentia na minúscula biblioteca da escolinha onde fui alfabetizada. Temos tanto em comum, minha querida!!!
Beijos e mais beijos gratos!
Lindas lembranças. Tanto aquelas lá do interior como essas aqui fresquinhas, da semana que passou. Leitura tem um papel fundamental na vida de uma criança, por conta dos trabalhos na imaginação. Mas você mostrou que quando fica inviável adquirir livros, existem outras maneiras de se trabalhar a imaginação, como as histórias que ouvia de seu pai e avô.
ResponderExcluirFoi ótimo ter trabalho esse tema, Suzy, porque mostrou que os pais têm suas limitações e isso não é culpa deles. E mesmo assim eles têm muito a nos oferecer, fazem de tudo para que a realidade do filho seja melhor que a deles. E isso é lindo.
Parabéns pelos três filhos, que a gente conheceu melhor nessa e na postagem anterior, e parabéns pelo incentivo que faz muito bem!
Abraços!
Luís Fellipe, é isso! Você captou muito bem a questão das limitações, que não servem como desculpa, pois sempre existirão outros meios de estimular nossos filhos. Se não podemos levá-los para viagens fantásticas, por exemplo, podemos ler para eles, contra-lhes histórias e fazer com que eles viajem sem sair do lugar. Sei que essa fala é clichê, contudo é verdadeira.
ExcluirObrigada pelo comentário, rapaz! Sempre bem-vindo!!!
Lindo tudo!
ResponderExcluir"De livros encham-se as casas
Eis um conselho excelente
Pois um livro aberto em asas
Põe asas n´alma da gente"
Linda você, Tina! Obrigada!
ExcluirLimerique
ResponderExcluirUma cronista que ama leitura
Pois sabe que estultice tem cura
Os livros não têm segredos
E banem todos os medos
E, de quebra, aumentam a cultura.
É isso aí! Muito grata, Jair.
ExcluirOi Suzy :)
ResponderExcluirMais uma crônica fantástica!
O incentivo é tudo...
Meus pais nunca foram chegados em leitura,entretanto cresci recebendo incentivos e livros!
E isso fez e faz uma grande diferença em minha vida,pois amo ler.
Livros,desde sempre foi meu presente favorito!
Bjs \o/
Livros são meus presentes favoritos também, Clau! Peço sempre nos amigos secretos rsrsrsrs
ExcluirObrigada pela presença, beijão!
OI SUZY!
ResponderExcluirTALVEZ NÃO ACREDITES NO QUE VOU TE DIZER AGORA, MAS, ONTEM PENSEI EM TI E NO QUANTO TEMPO NÃO NOS VISITÁVAMOS, SÓ NÃO FUI AO TEU BLOG POR ESTAR BASTANTE ATRASADA COM MEUS RETORNOS AOS BLOGS AMIGOS, SENÃO TERIA SIDO EU A IR PRIMEIRO.
SUZY, TUA HISTÓRIA DE VIDA É MUITO PARECIDA COM A MINHA, CLARO EM ÉPOCAS DIFERENTES POIS MEUS FILHOS JÁ SÃO ADULTOS COMO BEM SABES, MAS, MUITO DO QUE FALAS NESTE TEXTO, EU VIVI.
TAMBÉM HOJE RESIDO NA CAPITAL, MAS MINHAS RAÍZES SÃO PROFUNDAS E A GENTE NUNCA ESQUECE.
O QUE FAZES COM TEUS FILHOS FIZ COM OS MEUS, LI MUITO PARA ELES E INVENTEI MUITA HISTÓRIA, COMO HOJE TENTO FAZER COM MEU NETO, SÓ QUE A CONCORRÊNCIA ESTÁ MEIO DESLEAL, COMPETIR COM PCS, TABLETS ETC., É DIFICIL, MAS ELE GOSTA DE MINHAS INVENÇÕES E EU E MEU MARIDO OPTAMOS SEMPRE POR LHE DAR LIVROS DE PRESENTE.
COMO SEMPRE, NÃO SÓ LEIO TEUS TEXTOS, MAS, OS "CURTO" E ADMIRO, SEMPRE.
ABRÇS
http://zilanicelia.blogspot.com.br/
Lani, a concorrência é mesmo desleal em tempos presentes! Por isso me sinto realizada em perceber que, apesar de todos os eletrônicos, meus garotinhos reservam tempos para a leitura e contação de histórias... Tenho certeza de que seu neto saberá valorizar esses momentos, mesmo que isso aconteça mais plenamente na fase adulta.
ExcluirSobre as visitas, também estou suuuuuuper atrasada! Inclusive, tenho textos teus para buscar, não quero ficar sem lê-los... são poesias encantadoras, adoro todas! Bom que a gente se entende, não esquece uma da outra, e quando pode aparece para um mate (olha o gauchês, conterrânea rsrsrsrs). Beijão!
Suzy, sua infância foi, praticamente, idêntica à minha, até parece a mesma história rsrs. A condição social, a pouca escolaridade dos pais, a ausência de livros, mas a riqueza das narrativas que, também tenho certeza, incentivara-me a leitura. E que coisa boa os seus rebentos serem assim, quer coisa melhor para uma mãe que ama os livros? Senti mesmo foi chegar ao final do seu texto, deu uma vontade continuar lendo, tipo aqueles livros bons que não queremos terminar nunca!
ResponderExcluirTenha um lindo fim de semana!
Beijos
Néia, você é adorável! Obrigada pelo carinho, pelo precioso incentivo. Também me identifico com muitas histórias suas, provavelmente em razão de termos tido nossa infância no interior, em contato com a natureza, com o simples e belo... Obrigada mesmo por vir!
ExcluirPara você, um final de semana igualmente especial! Beijão.
O caminho foi mostrado basta seguir...
ResponderExcluirBeijo Lisette
Isso aí, Lisette! Fazendo minha parte de mamãe... rsrsrs Beijão, grata pela sua presença!
ExcluirOi Suzy,
ResponderExcluirSomente agora pude retornar para ler esta crônica, que vi quando estive aqui mais cedo. Naquele momento, minha sobrinha me ligou que viria para cá com os meus sobrinhos-netos (minhas paixões). Tive que sair correndo para comprar guloseimas ao gosto deles, coisas que não tenho o hábito de manter aqui em casa, pois somos somente eu e meu marido. Meu sobrinho-afilhado acordou hoje batendo o pé que queria vir para cá e cheguei a ouvir seu choro pelo telefone. Claro que renunciei à atividade programada para hoje, pois ficar com eles é tudo de bom.
Coincidentemente, passei a tarde contando histórias, pois ele não pode me ver que já vai pedindo histórias e presente. Culpa minha quanto ao presente, pois toda vez que vou vê-los levo um presentinho. Por coincidência também, indaguei hoje da mãe deles se ela tem lido para eles e recomendei-lhe incentivá-los ao máximo com os livros. O mais novo, de três anos, já gosta de um livro, mas o mais velho, de cinco anos, somente se liga a histórias contadas.
Minha infância foi muito parecido com a sua. A diferença é que minha mãe, por não ter tido a oportunidade de estudar, queria ver todos os filhos formados e comprava, embora com sacrifício, várias coleções de livros, tendo formado uma boa biblioteca em casa. Meu pai, por sua vez, entendia que filhas mulheres não precisavam de estudo, e foi com muita luta que minha mãe saiu vitoriosa nesta batalha. No final, meu pai era só orgulho ao desfilar com cada filha nos bailes de formatura.
Posso imaginar sua emoção nesta leitura em família. Para uma amante das letras como você, ver os filhos seguindo o mesmo caminho é muito gratificante. Obra sua, da mãe zelosa que é.
Perfeita a sintonia da imagem com a crônica. Até o cachorro se liga na leitura em família-rsrs.
Ah! Os contos de assombração também fizeram parte da minha infância. Ficávamos reunidos em volta do meu pai, ouvindo histórias incríveis e assustadoras. Eu e meus irmãos morríamos de medo, mas adorávamos.
Beijão, querida. (Não sigo atualizações, por isso nem sempre chego por aqui quando a crônica ainda está quentinha-rsrs).
Lindas lembranças! Lindos momentos vividos atualmente! Obrigada por compartilhar conosco Suzy! Amei demais este post! E tomo a liberdade de compartilha-lo em minha rede social! Adorei! Bj grande!!!
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