sexta-feira, 26 de abril de 2019

Protagonista

De Mãe para mãe
Katie Garner
- Suzy Luz

Há três anos, protagonizei um parto normal após três cesáreas. Parto muito desejado e batalhado, uma vez que todos os protocolos me levavam a nova cirurgia. Bati o pé contra o sistema que decidia por mim a via de nascimento. Empoderada. Foi a palavra que mais ouvi. Não consigo utilizá-la, no entanto, sem associá-la a fé que desenvolvi no período gestacional, pois estou certa de que a frente de meus desejos justos havia um Deus abrindo o caminho e preparando meu corpo para o momento sublime de dar à luz um de seus preciosos filhinhos.
Há um ano expandi a experiência, vivendo meu segundo parto normal depois das referidas cesáreas. Foi incrível, momento de protagonismo ímpar, absoluta segurança no processo, conhecimento pleno de meu corpo, intimidade com a dor que prefacia o nascimento. Entreguei-me por completo e o resultado foi um parto avassalador, presenteando-me na véspera do Dia das Mães.
Tornei-me referência para mulheres que buscavam partos respeitosos após múltiplas cesáreas. Meus relatos foram ao mundo, muitas gestantes me procuraram pedindo auxílio para lidar com a dor e administrar os medos durante o trabalho de parto.
Pensei ter chegado ao auge do protagonismo na ocasião e me senti muito grata pelo privilégio.
Mas eu não sabia de nada. Nada mesmo. Nem sequer desconfiava que aquela experiência  gerenciando a dor física me ensinaria tão perfeitamente como administrar a dor da alma que em breve conheceria.
A mesma mão que segurava a minha durante a dor em trabalho de parto foi a que me traiu e apunhalou pelas costas, causando-me dor infinitamente maior.
Quem seguraria minha mão agora, no processo doloroso e solitário da separação?
Veio o aprendizado e a certeza de que as experiências com os partos foram preparatórias para algo maior, que exigiria de mim protagonismo: decretar o fim da relação abusiva e assumir a criação de 5 filhos sob minha guarda.
Todo nascimento carrega sua dor. Significa a passagem de um estágio de vida a outro, portanto um fim e um novo início.
Renascer após o fim de um casamento não é diferente. A dor me consumiu em determinado momento. Como a dor física do primeiro parto após as cesáreas, a dor da alma me pegou desprevenida e clamei por anestesia. Não queria aceitar o processo solitário que transcorre por dentro e tira o chão, o rumo, o foco. Queria explicação, justiça, respostas, queria ter razão. Logo percebi que, como no primeiro parto, minha atitude apenas bloqueou o processo e o prolongou. Não adianta resistir a dor, ela precisa ser sentida. É a fase do luto.
Meus olhos então repousaram sobre o segundo parto. Aceitei a dor. Permiti-me senti-la, pois sabia que ela trazia para meus braços a melhor recompensa. O resultado foi um parto rápido e intenso, experimentado em toda sua grandeza.
Entendi o processo.
A dor é aliada, uma amiga. Ela traz aprendizado e bênçãos. É necessária para que a vida se renove e meu mundo em preto e branco dos abusos se encha de cores e flores.
Se a dor é inevitável, protagonismo é escolha. Posso sofrer a ação e tornar-me refém do passado, mortificada por tudo que vivi; ou posso ser ativa na aceitação do que não  pode ser mudado e converter tudo em aprendizado.
Da mesma forma que quebrei um ciclo de cesáreas desnecessárias, resgatando para mim o protagonismo daqueles momentos singulares, reassumi o comando da vida. Soltei a mão que ostentava proteger mas o tempo todo fez subjugar.
Doeu por um momento, e então veio o alívio. A paz. A recompensa.
Protagonista, agora sim! Não apenas de partos.
De mim.

quarta-feira, 3 de abril de 2019

Honestidade, um legado para muitas gerações.

Foto: Letícia Nogara
- Suzy Luz

Certa manhã de janeiro, minhas duas meninas e eu saímos para um passeio pela cidade. Sofia, 9 anos, empurrava alegremente o carrinho com a irmã, Esther, 9 meses. Sempre prestativa, fazia questão de conduzir a irmã.
Mas parou subitamente, chamando minha atenção: 
- Mãe, aquela senhora deixou cair esta moeda, - disse, enquanto juntava do chão uma moeda de 25 centavos - preciso ir atrás dela para devolver!
Para minha alegria, em nenhum momento ela demonstrou interesse em apossar-se da moeda que não lhe pertencia. Eram apenas 25 centavos, mas conquistados pela senhora que passara por nós apressada. Deveriam ser devolvidos.
Sofia chamou a mulher, que não ouviu o chamado e seguiu seu caminho. Minha filha decidiu ir atrás da mulher, que atravessou a rua e seguiu em ritmo acelerado. Pensei que então Sofia desistiria, mas para minha grata surpresa não hesitou e atravessou a rua também. 
A mulher entrou num estabelecimento comercial e, pensei eu, minha filha se sentiria envergonhada para entrar no local atrás dela, retornaria com a moedinha. Novamente surpreendida pela determinação de Sofia, eu a vi entrando resoluta no estabelecimento e, minutos depois, saindo dele com o semblante pleno, sem nada nas mãos. Sofia brilhava aos meus olhos, e certamente aos olhos do Pai Celestial que muito irá abençoá-la por sua prova de honestidade até nas mínimas coisas.
Meu coração transbordava alegria quando a recebi em um abraço, dizendo que fizera muito bem. Senti-me invadida pela paz de estar educando minha filha com princípios e valores, silenciosamente agradeci aos céus por aquele sinal.
Sim, foi um sinal.
Instantes depois chegamos ao banco, um de nossos destinos. E então veio sobre mim uma das maiores decepções da minha vida: os valores, frutos de meu trabalho, simplesmente haviam desaparecido. Meses e meses, anos e anos, economizando e preparando tudo para a compra da casa para nossa família. Não haveria mais casa num futuro próximo, pois não havia dinheiro. Somente dívidas de empréstimos contraídos por meios aparentemente legais, no entanto imorais, mesquinhos e injustos sob todos aspectos. 
A realidade caiu como um bloco de concreto sobre mim. Como pude confiar na pessoa errada? Como um ser trai a confiança de outro, ciente de que o futuro de 5 crianças menores de idade seria diretamente afetado por aquele ato? Nunca entenderei, pois jamais me apossaria do fruto do trabalho de outra pessoa sem me envergonhar profundamente a ponto de não conseguir me olhar no espelho.
Lágrimas começaram a se formar em meus olhos, não exatamente pelos valores desviados, mas pela traição sofrida. Porém antes que a primeira lágrima escorresse, senti um sorriso consolador repousar sobre mim, e aquele sorriso mudou tudo. Sofia sorria do alto de seus 9 anos e me dizia silenciosamente que tudo estava bem.
Não chorei. Sorri também. Os 25 centavos nos salvaram! Era nosso sinal. Era nosso convênio com o Pai que habita nos céus de que seríamos honestas em qualquer circunstância, e na integridade residiria nossa força para enfrentar a situação e recomeçar do zero se fosse preciso.
Voltamos mais pobres para casa naquele dia. Apenas materialmente. Pois sob todos os outros aspectos enriquecemos. Passamos em nosso teste de fé!
Os dias que se seguiram não foram fáceis, a traição é devastadora. Mas me permitiram experimentar uma das demonstrações mais lindas de amor que já recebi: Sofia presenteou-me com um envelope cheio de bilhetinhos. Em cada um deles, palavras inspiradoras que pareciam fluir do céu! Minha princesa ensinou-me que, quando me sentisse triste, deveria retirar um do envelope e ler. Como explicar tanta empatia em uma criança?! Sofia não escreveu bilhetes, ela trouxe o consolo do céu para dentro de um envelope!
Retirei o primeiro e li: "Te amo. Agora vai ser apenas uma vida simples mas divertida". Assim tem sido, sábia Sofia. Uma vida simples, mas de alegria.
Outro dizia: "Prefiro mil vezes você do que ser rica e ter tudo. Eu te amo."
Olhei para ela e seus irmãos e compreendi a grande lição que a vida veio me ensinar: sou rica e tenho tudo. O restante são apenas acréscimos que, com honestidade e dedicação, posso alcançar e multiplicar em alguns anos.
Então chorei. Tinha um motivo que realmente valia minhas lágrimas. Sou uma mãe abençoada.

"A esperteza um dia é descoberta e vira vergonha. A honestidade se transforma em exemplo para as próximas gerações. Uma corrompe a vida; a outra enobrece a alma." (Chico Xavier) 

Bilhete de Sofia

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