Síntese de meu relato de
parto normal após 3 cesáreas
No dia 20 de abril de 2015
eu soube, através de um sonho, que o presente de Natal daquele ano
seria atípico – e o mais incrível de todos os tempos! Teríamos
um bebê, mais especificamente o bebê 4 da família.
Não houve susto, medo,
relutância. Era comum acordo entre nós, marido e eu, que teríamos
muitos filhos – tantos quantos o Senhor quisesse nos dar e
tivéssemos saúde para educar e criar. Então o Bebê do Natal, como
passamos a chamar, tornou-se bem-vindo desde antes de sequer
confirmarmos por exames a sua existência: já era amado e esperado.
Mas havia um problema: o
trio mais velho nasceu de cesárea. A primeira, considerada
tentativa frustrada de parto normal, foi na verdade uma sucessão de
erros típicos da falta de informação: ida precoce ao hospital,
antes de entrar em trabalho de parto ativo; impaciência da obstetra
para aguardar um trabalho de parto prolongado; indução com
‘sorinho’ (oxitocina); dilatação que não acompanhou o ritmo
das contrações após a indução; falta de protagonismo meu, que
deleguei tudo à equipe médica e deixei que tomassem decisões
cruciais em meu lugar.
A primeira cesárea me
conduziu a seguinte, dezoito meses depois, num parto agendado fora de
trabalho de parto. Sentenciou a médica: risco incontestável, uma
vez cesárea, sempre cesárea. Especialmente em período tão curto
entre um parto e outro. Me foi recomendado de modo algum entrar em
trabalho de parto, e acatei sem questionar. Dois anos e dois meses
depois da segunda cesárea, em outro local, com outra médica, me vi
novamente no bloco cirúrgico, tendo minhas 7 camadas cortadas e a
bebê arrancada de dentro de mim. Arrancar foi a palavra, pois nunca
fui tão desrespeitada como naquele parto, que vivi sem acompanhante
‘porque o hospital não permitia’. Jeferson havia segurado
minha mão nas cesáreas de Arthur e Gabriel, mas teve de olhar de
longe para sua princesinha Sofia quando veio ao mundo, chorando a
plenos pulmões. Um choro forte, ressentido, clamando por aqueles que
conhecia desde o ventre, mas no colo dos quais foi impedida de se
aninhar por muitas horas. Sequer a mostraram a mim, apenas a levaram,
inexistindo a necessidade visto ter ela nascido com apgar 10 e 10.
Se nas duas primeiras cirurgias tive atendimento relativamente
humanizado, fui respeitada dentro dos padrões para a época e o
local, no parto de Sofia conheci de perto a violência obstétrica e
traumatizei. Aquilo definitivamente não deveria ser a melhor forma
de nascer.
Seis anos depois, chegou o
Bebê do Natal aos nossos sonhos. Quarta cesárea, já estava
definido. Para tudo, tira o ponto final e bota uma vírgula nessa
história: a não ser que eu encontrasse equipe humanizada disposta a
me assistir numa tentativa de parto normal. Com 6 semanas de
gestação, assim que confirmei os famosos risquinhos no palitinho,
fiz a primeira postagem num grupo de mães: alguém aí pode me
indicar obstetras que priorizem o parto normal em Porto Alegre ou
região metropolitana? Foi dado o primeiro passo de uma longa,
extenuante, por vezes desanimadora, mas incrível caminhada.
É difícil pra mim resumir
tudo que aconteceu no intervalo entre essas 6 semanas e as 38, às
vésperas de meu parto, quando finalmente conheci a equipe que iria
me atender. Mas se fosse fazê-lo numa frase, essa seria: impossível,
risco incontestável. Foi o que ouvi o tempo inteiro, de todos os
médicos aos quais procurei – e o fiz por meio de consultas pelo
convênio, consultas particulares, telefone, redes sociais...
Colecionei nãos.
Por outro lado, esse período
me proporcionou encontro significativo com muitas redes de apoio,
sobretudo as virtuais. Formaram-se laços, enquanto me fortalecia
como mulher e me preparava para protagonizar o mais intenso momento
da minha vida. Claudia, amiga desde os tempos da faculdade, foi
aquela que plantou a semente, quando viveu seu vbac dois anos antes.
Tão logo me vi grávida, escrevi pra ela, e de São Paulo vieram
informações, livros e amor. Logo depois, conheci as doulas Analu e
Thaís, ambas essenciais para o desfecho que tivemos. No final, quase
às vésperas do grande dia, um encontro com a enfermeira obstétrica
Luana Santos definiu tudo numa simples conversa: eu iria parir, ela
acreditava e eu também. Pena que ela não poderia me assistir, visto
ter a agenda cheia para o mês de dezembro... Mas foi em nossa
conversa que recebi a indicação da Dra. Guísela de Latorre, médica
humanizada que atende na cidade de Novo Hamburgo. Agendei a consulta
para a data que marcava minha entrada na 39ª semana de gestação.
O bom de chegar num
consultório médico praticamente parindo é que eles sabem que você
realmente quer parir e a essa altura está pronta pra bancar o que
vier, e você também sabe que eles só vão te aceitar como paciente
se realmente forem fazer teu parto. Ninguém enrola ninguém –
porque de enrolação eu já estava cheia, farta.
Então, em meados de
dezembro, cheguei barrigudíssima ao consultório de Dra. Guísela,
na clínica Obstare. Preciso pontuar a acolhida que tive desde o
primeiro telefonema, através das secretárias competentes e
simpaticíssimas Julia e Marcy. Também tenho nítido na mente o
sorriso de Guísela quando falou meu nome e me recebeu em sua sala.
Pequenos detalhes que fizeram toda a diferença àquela altura, para
um casal cansado de portas na cara.
Guísela avaliou nosso caso
com todos os cuidados, afinal não cai do céu uma maluca solicitando
um vba3c todos os dias. Abriu artigos, leu tudo para nós, nos deu
ciência dos riscos existentes, avaliou exames até então
realizados, solicitou novos exames, exigiu termo de responsabilidade,
condicionou o parto à presença de seu esposo, também obstetra,
para eventual necessidade de intervenção, e por fim disse SIM!!!
Bem... foi o sim mais caro da minha vida, me custou um rim e um olho
da cara, mas naquele instante de tudo ou nada, tendo eu batalhado
tanto pela possibilidade de parir, topei.
Preciso abrir um parênteses
aqui para frisar a total impossibilidade de um parto, sobretudo um
parto normal após 3 cesáreas, pelo convênio. Infelizmente o parto
humanizado torna-se caro e inacessível para maioria das mulheres,
que acaba cedendo à pressão médica e dos familiares pela cesárea
– mais prática e econômica (não deveria ser). Minha experiência
me mostrou que recorrer ao SUS seria mais viável do que sonhar com
um parto dentro das minhas expectativas pelo convênio, e certamente
seria minha opção não fossem as 3 cesáreas prévias que me
colocavam no bloco cirúrgico do hospital público, de qualquer
maneira.
A questão financeira foi
resolvida com a ajuda de uma amiga, que me emprestou os valores.
Decidimos que eu teria um parto hospitalar, internada pelo convênio
no Hospital Regina, em Novo Hamburgo, para onde me dirigiria já em
trabalho de parto ativo. Como acompanhantes, teria a doula Thays e
meu marido (doula deveria ser parte da equipe, mas infelizmente a
maioria dos hospitais a vê e trata apenas como acompanhante).
Em casa, vivíamos os
preparativos finais em família. O trio muito animado à espera do
maninho, minha mãe já de mala e cuia na cidade para me ajudar e eu
com os olhos fitos na troca de lua em pleno Natal... será?! Não
carregava a ansiedade que poderia caracterizar um atípico parto
normal depois de tantas cesáreas, pois tinha conquistado o apoio
incondicional do marido ao longo da gestação, e isso significava
muito pra mim. Juntos havíamos alcançado, através de uma bênção
do sacerdócio que ele ministrou a mim, a certeza de que tudo daria
certo e o Senhor nos abençoaria na travessia de Felipe da vida pré
mortal para a mortalidade. Após aquele momento sagrado, nada mais
temi, pois a promessa era clara e inequívoca e ressoava o tempo
inteiro em meus ouvidos: meu filho nasceria de parto natural.
Chegaram as 40 semanas em
21/12, e nenhum sinal do bebê chegando. Mas na manhã de 24/12,
véspera de Natal, começaram as contrações que não me abandonaram
mais até o nascimento de Felipe. Eram 5h da manhã quando tudo
começou. Passei o dia sentindo fisgadas que nasciam nas costas, mas
eram irregulares na frequência e na duração. Saí para fazer as
últimas compras de Natal, caminhei, agachei, dancei, rebolei na bola
de pilates, fiz tudo que li ser conveniente para um trabalho de parto
natural. Mas não engrenava.
Na noite de Natal, a dor
intensificou. Marido ficou de plantão ao meu lado anotando tudo e a
doula, com quem mantive contato ao longo do dia, entendeu ser a hora
de nos visitar. Suas massagens fizeram milagres! Contatamos a médica
no meio da madrugada e nos preparamos para os 40/50 minutos até o
hospital, mas para nossa surpresa e frustração as contrações, que
eram terríveis no carro, praticamente desapareceram assim que
cheguei ao hospital. Fui avaliada pelo plantonista, com autorização
minha e de Dra Guísela, e para meu desespero havia apenas 1 dedo de
dilatação!!! Passei pelo MAP, bebê estava bem e ainda alto. Eu não
estava em trabalho de parto ativo e o tão esperado momento poderia
demorar a chegar.
Na tarde do dia 25 recebi a
visita de Claudia, que acabara de chegar de São Paulo para os
festejos de Natal. Encontrou-me bem, com poucas e suportáveis
contrações. A noite, porém, não foi tão tranquila... Mas o dia
raiou sem novidades. E sem novidades dia 26 teria terminado, não
fossem aquelas contrações irregulares que roubavam completamente
minha energia e bom humor. Era o terceiro dia ininterrupto de sinais
que não engrenavam num trabalho de parto ativo, mas me desgastavam.
Thays veio para nossa casa, conforme a solicitamos, e por volta de
21h decidimos ir ao hospital para nova avaliação. Guísela nos
esperava no hospital Regina, me avaliou e deu-me a notícia: nada
além de 1 dedo dilatado!!! Aquilo era inacreditável, pois há 3
dias dores intensas me acompanhavam e nada acontecia!!! Submetida ao
MAP mais uma vez, tive a tranquilizante notícia de que os batimentos
do bebê seguiam maravilhosamente bem. Tivemos então uma conversa
séria: os pródromos que me acompanhavam podiam durar até uma
semana, não havia como prever. Se realmente queria um parto normal,
teria que suportar aquela situação. A doutora sugeriu manter-me
internada naquela noite, para me acostumar ao ambiente hospitalar e
vencer um possível bloqueio. Mas achamos melhor voltar pra casa e
aguardar o tempo do bebê, que parecia querer celebrar o ano novo
dentro da minha barriga rsrs.
Em casa, dispensei a doula e
disse ao marido que dormisse e descansasse, pois há duas noites
nenhum de nós conseguia fazê-lo. Decidi-me a dormir também, apesar
das dores, pois aquela situação poderia se prolongar por dias, e eu
não havia chegado até ali para ser vencida nos pródromos, não
faria sentido! Orei ao Senhor por forças, para que conseguisse
dormir, apesar das dores que sentia. Então vivi o que chamo de
milagre, pois adormeci e tive uma espécie de sonho do qual fui
despertada pela contração. No entanto, quando estava prestes a
acordar completamente, uma voz em minha mente orientou: aceita a dor
que ela passa. Soube que era ajuda divina, a mesma ajuda que tive o
tempo inteiro e que me dava a certeza de que no fim tudo daria certo.
Segui a orientação, mergulhei em cada contração, sentindo-a
profundamente, entregando-me a ela, até que passava e eu continuava
adormecida. Depois de duas noites em claro, finalmente, consegui
dormir por alguns minutos. Aquele descanso foi providencial,
restaurou as forças que eu precisaria para os momentos que estavam
por vir.
Então despertei sem chances
de voltar a dormir: as contrações eram intensas, doía muito. Me
neguei a contá-las, pois havia feito isso em vão por duas noites e
isto só elevava minha ansiedade. Levantei da cama e passei a revezar
posições já conhecidas: agachada, em 4 apoios, banho morno,
sentada, jogada sobre a bola de pilates, banho morno, andando como
pata, banho morno, banho morno... depois de algum tempo, nem o santo
banho morno resolvia, me senti perdendo a sanidade, enlouquecendo de
tanta dor. O ápice se deu ao amanhecer, quando me vi gritando
agarrada às paredes do banheiro, me sentindo sem condições de
viver aquilo por mais um dia. Era o máximo que aguentaria, cheguei
ao limite e desistiria.
7h da manhã peguei o
celular e passei mensagens para a doula e para Cláudia. Contei-lhes
que não dava mais, iria ao Hospital Conceição para a quarta
cesárea. Sem chances de aguentar talvez mais uma semana naquelas
condições, eu me entregava. Só que não. Exatamente em meio a
mensagem na qual mencionava a desistência do parto normal, senti o
líquido escorrer pelas pernas, e logo veio a confirmação: era a
bolsa mesmo, havia rompido!!!
Fui ao céu e voltei de
tanta felicidade, pois em 4 gestações era a primeira vez que a
bolsa rompia espontaneamente, o que certamente era um bom sinal. Era
o indicativo que eu precisava de que o bebê estava vindo! Tudo isso
na manhã do dia 27/12/2015, um domingo, por coincidência justamente
a data de aniversário de Luíza, filha da Cláudia, que nascera em
um vbac dois anos antes. Felipe escolheu o mesmo dia da filhinha de
minha amiga para aniversariar, estabelecendo entre nós um laço
eterno.
Poderia dizer que corremos
para o hospital. Mas não foi assim, a maturidade me ensinou que não
se corre para o hospital, principalmente em meu caso, para evitar que
a chegada precoce conduza a uma cesárea. Havia apenas um agravante:
a ampulheta havia sido virada com o rompimento da bolsa, e passamos a
ter horas contadas. Ainda assim, bem tranquilos, partimos por volta
de 10h. Sem a doula, infelizmente, já que devido a um mau entendido
não foi feito cadastro dela no hospital a tempo, e o mesmo só
poderia ser feito em dia útil, portanto na manhã seguinte. Uma
pena, pois Thays foi muito importante em diversos momentos.
No hospital, ainda
precisaria passar pelo teste de fogo: avaliação da dilatação. Que
agonia! Olhares postos na Dra Guísela que me examinou e, após
eternos segundos, nos deu a mais desejada notícia de todos os
tempos: 7 cm dilatados!!!! Uhuuuuuu!!! EU DILATEI, descobri
que como todas as mulheres tenho, SIM, a capacidade de dilatar
e de parir meus bebês!!!
Lembrei-me
de ter lido que a maternidade aproxima a mulher da divindade. Senti
isso naquele momento. Senti-me sendo elevada. As promessas que meu
Pai Celestial me havia feito de que teria meu filho por parto natural
estavam se concretizando – Ele sempre cumpre Suas promessas!
A
partir daí, foi pura diversão. Na bola de pilates eu praticamente
dançava. Estava sem minha playlist, porque sei lá onde foram parar
o pen drive e meu celular com as músicas selecionadas, mas não
precisava: notas musicais nasciam de mim, meu coração cantarolava!
Fui
levada para a sala pré parto, onde usei o chuveiro livremente, a
bola e a banqueta. Fiquei alguns instantes sozinha, enquanto marido
cuidava da parte burocrática, mas estava bem, sabia as posições
que mais proporcionavam alívio. Em determinado momento, de súbito
veio uma contração intensa. Agachei apoiada na cama, sem conseguir
falar. Queria Jef ou Thays ali comigo. Mas antes que me sentisse
desamparada, vi Guísella se aproximar, agachar e me confortar com
voz suave, ao mesmo tempo em que massageava minhas costas com mãos
que pareciam ter o calor do fogo. De repente a dor se mesclava com
amparo e amor. Aquela dor não era exatamente isso? A passagem para
que o amor se personificasse numa nova vida que chegava.
Naqueles
instantes finais rumo a dilatação total, em vez de ir quase à
loucura como imaginava, sentia-me abraçada e acolhida pelo momento.
Não havia violência obstétrica, não havia verticalidade na
relação obstetra-paciente, ninguém me censurando por minhas
escolhas, nem exigindo silêncio. Havia paz interna e externamente.
Havia humanização no real sentido da palavra. Assim, nesse clima,
dilatei dos 8 aos 10 cm e senti meu bebê avisando que chegava.
Estava
na banqueta quando vieram os primeiros puxos, isto é, aquela
vontade involuntária de fazer força. Era outro nível de dor, era a
certeza de que meu Felipe estava ali, querendo sair para o mundo de
amor que preparamos pra recebê-lo. Jeff chamou a médica, disse que
estava nascendo, Guísela veio correndo. Convidou-nos para
deslocarmos até outra sala, mas eu não queria ir, sentia o neném
chegando e não queria sair de jeito nenhum de onde estava nem eu sei
porquê (rsrs). A obstetra me avaliou e disse que ainda não havia
coroado, teríamos tempo para andar até a sala.
Amparada
por Jeff, cheguei a um local cuidadosamente preparado pra eu dar à
luz em total segurança. Não era uma sala de parto normal, como eu
imaginava que seria, mas nem percebi naquele momento. Mais tarde,
entendi que estava no bloco cirúrgico, com mesa preparada para
qualquer intervenção. Em meu braço, acesso para a eventualidade de
precisar ser medicada às pressas. Várias pessoas na sala, dentre
elas o obstetra Fabiano, responsável pela organização do local,
motivo pelo qual eu mal o tinha visto até então: estava garantindo
que meu parto fosse o mais seguro de todos. Aquelas pessoas compunham
a equipe de enfermagem do hospital, caso evoluíssemos para uma
cesárea. Tudo cuidadosamente preparado.
Se
fiquei constrangida com toda aquela gente na sala? Eu sinceramente
não enxergava ninguém, só queria saber de meu bebê, que estava
vindo! Mas senti a vibração positiva daquela equipe, a torcida para
que tudo corresse de acordo com meus sonhos mais íntimos.
Lembro
de como me senti quando entrei no local: acolhida mais uma vez,
respeitada. Fui levada até uma banqueta, posição com a qual já
tinha me identificado e de certa forma escolhido para parir. Meu
sonho mesmo era usar banheira, mas um vba3c me chamava à realidade,
lembrando que a água retardaria a intervenção, caso fosse
necessária. Escolhemos ser prudentes.
Jeff
sentou-se em um banco atrás de mim, de onde me apoiava e fortalecia.
Guísela a minha frente, sentada no chão, com o sorriso mais
encorajador deste mundo! Como me fez bem aquele sorriso, cuja
mensagem inequívoca era: você vai parir, confio integralmente em
ti!
Também
recordo do ambiente a meia luz e da música animada tocando ao fundo.
Mas que música era mesmo? Não faço a menor ideia, embora na hora
tenha adorado e pensado: que bom ouvir esse som! Alguém perguntou:
quer que desligue a música? Respondi que não, de modo algum. Queria
música, me fazia bem.
Os
puxos continuavam, quando vinham eu me agarrava em Jeff e
gritava a plenos pulmões. No intervalo entre eles, conversava e
recebia orientação, estava totalmente consciente e presente.
Não
sei quanto tempo ficamos nessa situação, o tempo inexiste para uma
mulher vivendo o expulsivo. De repente, um desejo muito grande de
fazer força e o bebê coroou. Estava esperando pelo círculo de
fogo, mas essa sensação ficou para o bebê 5, pois não
identifiquei a queimação sobre a qual havia lido. Ao invés disso,
sentia a presença do bebê e a urgência em fazer força.
Porém,
cadê minhas energias? Me sentia fraca diante do tamanho da missão,
a cabecinha que estava coroada voltou! Precisei aguardar o próximo
puxo e fazer força novamente, para que coroasse outra vez.
Mas parecia tudo tão distante no tempo, como se estivéssemos há
horas ali e meu neném entalado. Em algum momento, verbalizei que me
sentia sem forças, não conseguiria. Fabiano, ao meu lado,
estimulou: “ele está aqui, já está nascido! Vamos lá, você
consegue!” Guísella conduziu minha mão até a cabecinha dele,
senti uns fiapos de cabelos e aquilo me renovou!
Orei
ao Senhor, pedi que Ele me ajudasse, proferindo algumas palavras em
voz alta. Lembro de ter pensado na Expiação do Salvador Jesus
Cristo naquele momento de dor e agonia. Assim como Cristo padeceu
para nos dar de presente a ressurreição e vida eterna, sentia-me
padecendo por algo maior, pela vida que nasceria do sofrimento de um
momento. Tudo, simplesmente tudo valia a pena!
Com
tal sentimento, fiz a força mais comprida que consegui, mantendo o
esforço até que Felipe veio à luz, lindo de viver! Meu mundo
parou, o relógio congelou, as pessoas passaram a se mover em câmera
lenta como se estivessem num outro plano, distantes de mim. Só tinha
olhos e emoções para meu bebê, meu Felipe, que veio no mesmo
instante para meus braços.
Se
alguém me falasse em dor, que dor?! Tudo simplesmente desapareceu,
transformou-se para sempre. Ao meu lado, Jeff compartilhava da minha
emoção. Ele, que foi meu apoio o tempo inteiro, tanto emocional
quanto fisicamente. Estávamos extasiados, admirando, cheirando e
amando nossa cria! Juntos, em sintonia, na mesma inesquecível
emoção, oxitocinados!
Felipe
nasceu com uma circular de cordão, coisa que não atrapalha e nem
impede em nada um parto normal – inclusive um parto atípico como o
meu, após 3 cesáreas. Logo depois, nasceu a placenta. Tão rápido,
que não senti qualquer contração, ela simplesmente veio seguindo o
bebê. E era enorme a árvore que nutriu nosso garotinho por 40
semanas e 6 dias! Em poucos minutos, parou de pulsar o cordão e
coube ao papai a honra de cortá-lo.
Soube
então que eram apenas 13h52 quando nasceu Felipe. Pra mim, pareceu
uma eternidade, mas o relógio contestou minhas sensações: tudo
acontecera num ritmo sensacional desde nossa entrada no hospital.
O
parto foi natural do início ao fim, sem nenhuma intervenção. Não
houve indução de nenhum tipo. Não recebi e nem sequer pensei em
pedir anestesia. Não fui submetida a episiotomia (aquele corte de
rotina, totalmente desnecessário). Sofri pequena laceração, embora
tenha realizado exercícios preventivos de fortalecimento do períneo,
e recebi alguns pontos que em nada me atrapalharam, nem causaram dor
posterior – nada que se compare ao desconforto causado pela episio
ou cesárea, por exemplo.
O
parto foi inteiramente meu e eu o vivi intensamente em cada detalhe.
Trabalhava comigo o parceiro perfeito: meu bebê, no seu ritmo, no
seu momento. Nossos corpos juntos, abrindo caminho. O papai nos
amparando, para que não duvidássemos de nossa capacidade. Mostramos
que mamãe sabe parir e bebê sabe nascer. Vivemos a travessia do
útero para a vida fora dele da maneira mais digna possível, como
todo bebê merece ser recebido neste mundo.
A
amamentação foi iniciada no primeiro momento, no primeiro colo, mas
bebê estava cansado do esforço e parecia querer mais descansar do
que se alimentar. Isso não foi problema, logo depois mostrou que
entendia bem do assunto e exigiria mamãe a sua completa disposição.
Tenho
algumas queixas do atendimento pediátrico dispensado a Felipe, ele
passou por intervenções desnecessárias. Infelizmente, atingir a
perfeição num parto hospitalar, considerando os protocolos
utilizados como padrão nesses hospitais, requer briga constante, e
eu já havia brigado, tanto, mas taaaanto, que estava exausta e me
permiti ser plenamente feliz com a vitória alcançada: o primeiro
parto normal planejado após 3 cesáreas do qual se tem relato no Rio
Grande do Sul. Vencemos lindamente o sistema atuante, colocamos um
enorme ponto de interrogação na frase pronta dos cesaristas: uma
vez cesárea, sempre cesárea??? NÃO!!! Quebrei o ciclo de
cesáreas em minha história, dilatei, meu útero não rompeu, meu
corpo funcionou perfeitamente, PARI MEU BEBÊ!
Sempre
ouvi histórias de parto associadas à transformação e libertação.
Tinha curiosidade em saber como se daria a minha história, se algo
mudaria de verdade dentro de mim ou se aquilo era força de
expressão. Chegou o meu momento!
A
transformação, pra mim, assim como o empoderamento, não se deu
apenas na hora do parto como num passe de mágica. Começou antes.
Foi um processo. Fui me transformando conforme aprendia e entendia
que aquilo fazia sentido, que havia respaldo científico, baseado em
evidências. Meu pensamento foi mudando e, conforme eu mudava, meu
companheiro se transformava também. Se o único benefício fosse a
mudança para melhor em nosso casamento, já teria valido a pena.
Refiro-me à parceria que começou com as massagens diárias nos pés
inchados e se estendeu ao ápice da dor, quando Jeff me deu o suporte
exato que eu precisava, tanto físico quanto emocional. Nos tornamos
“um” no mesmo propósito, e então não houve quem nos
convencesse de que não seria possível - embora muitos tenham
tentado.
Transformei-me
durante os 3 dias de dores, que suportei resignadamente. Precisava
exercer paciência e aceitar que não sou senhora do tempo. Mas sou
senhora de mim e poderia, sim, aguentar firme aqueles momentos
preparatórios. Foi o que fiz. Não fossem os pródromos desta
gestação, não saberia com certeza absoluta que meu primogênito
nasceu durante as contrações de treinamento, esclarecendo porque na
época não dilatei.
Libertei-me
quando expurguei todos os meus fantasmas e enfrentei meus medos,
sozinha na madrugada, sem saber que tinha entrado em trabalho de
parto. Descobri a força que possuo, a capacidade fenomenal de
resistir, não à dor que vinha me trazer meu maior presente, mas
resistir ao medo de sentir dor que envolve toda mulher nas minhas
circunstâncias. Dilatei 7 cm em poucas horas, tendo adquirido
conhecimento suficiente pra comandar meu próprio corpo ao invés de
bloqueá-lo. Aprendi a abraçar a dor e andar com ela, porque era ela
que me guiava.
Por
fim, renasci. Eu, que por três vezes havia celebrado o nascimento de
meus filhos praticamente beijando as mãos dos médicos que os
trouxeram ao mundo, desta vez não fui plateia que assiste ao maior
espetáculo da vida imaginando o que acontece por trás das cortinas.
Fui para o palco: gritei, chorei, dancei, sorri, me contorci, sofri,
vivi! A história era minha e exigi escrever lucidamente o desfecho
dela! Coadjuvantes ali eram os médicos, a equipe, e sabiam disso, se
alegravam nisso. Porque assim, evento fisiológico e familiar, os
partos devem ser.
Pela
primeira vez pude nascer junto com meu filho, alcançando profundezas
do que antes para mim era apenas superfície. Não se trata apenas de
empoderamento, se não existisse a aprovação do Pai Celestial nada
do que vivi teria sido possível. Foi o Senhor dos céus e da terra
quem me concedeu viver a experiência mais linda e sagrada do que
qualquer outra: trazer um de Seus filhinhos a este mundo,
recepcionando-o com respeito e amor.
“Não
existem limites para o que uma mulher com coração de mãe pode
realizar. Mulheres dignas mudaram o curso da história e continuam a
fazê-lo, e sua influência se espalhará e se multiplicará através
das eternidades.”
Julie
B. Beck