sexta-feira, 6 de setembro de 2019

O Tempo: Vilão ou Companheiro?

Imagem do Google

Ultimamente tenho reservado tempo para sentar e conversar com o Tempo.
Aqueles que me chamavam de A Louca terão certeza de sua intuição após esta afirmação.
Não importam as opiniões, louca ou não, tenho algo precioso a compartilhar sobre este assunto, e o farei nos parágrafos a seguir:
A corrida frenética, pelo que nem sabemos ao certo, nos afasta dos verdadeiros senhores do Tempo: nós!
Ele obedece ao nosso comando, não o oposto. Acontece que, em nossa vitimização, nós o personificamos com ares de vilão, passamos as algemas em nossos próprios pulsos e dizemos com cara de coitados: veja o que você fez comigo, estou preso e não consigo agir! Você é o culpado, você me prendeu nessa vidinha infeliz, e agora quem poderá me defender?! Ainda derramamos algumas lágrimas, bem convincentes, não fosse um único fator determinante: não conseguimos enganar a nós mesmos e no fundo sabemos que tudo ali é teatro, encenação da pior qualidade.
Meus amigos, o Tempo não é um monstro. Parem com esse vitimismo deselegante, saiu de moda, vocês não notaram?
O Tempo é o melhor de todos os amigos e se rende completamente aos nossos desígnios. Nós decidimos o que fazer com ele, e o mais interessante de tudo é que a porção foi dividida de forma igual entre nós: 24h diárias, nenhum minuto a mais pra você, nenhum minuto a menos pra mim. O Senhor de todos nós, nosso Pai Celestial, foi muito justo na distribuição das fatias terrenas. O divertido, que traz a emoção de existir, é que não sabemos por “quanto tempo” ainda receberemos a porção diária neste estágio de vida... Mais um motivo e tanto para levantarmos e fazermos algo, não é?
Soltar as algemas e reconhecer que o aprisionamento existiu apenas dentro de nossas mentes acomodadas é o princípio de tudo. Chega de drama, vamos rir um pouco de tudo? O Tempo adora uma comédia! Vamos rir com ele!
Pronto, já quebramos o gelo, rimos um pouco, agora vamos assumir nossos verdadeiros papeis nessa história toda.
Nós decidimos, isso já está claro, e ele apenas corre conosco, em nosso auxílio. Sabem a equipe de ajuda que acompanha os maratonistas? Não é muito diferente. Na maratona da vida, por vezes ficamos exaustos, e ele está ali, com o gel a mão, o copo de água pra nos hidratar. Diminuir o ritmo uns minutinhos não atrasa ninguém, quem contou essa mentira na qual acreditamos? Se pegamos a rota errada, distraídos por alguma coisa passageira, é só retomar o curso. O Tempo não nos foge, está ali, andando conosco, e sempre preparado para nos servir!
Finalmente o mais importante: não está na linha de chegada o ápice do sentimento de realização. A satisfação está no percurso! Se quisermos parar um instante para subir numa pedra e olhar de lá a paisagem, por que não? O Tempo não seguirá correndo, ele irá parar e desfrutar daquele momento conosco.
Algum dia acharemos nossa linha de chegada, e sabem de que vamos lembrar com mais carinho? Da visão do topo da pedra.
A vida não se trata de uma competição para ver quem chega primeiro.
A vida é o que fazemos ao longo do percurso.
Correr freneticamente, sentar e chorar com as algemas que nós mesmos colocamos nos pulsos, subir na pedra e apreciar a paisagem... a decisão é nossa.
O Tempo, ah, que grande companheiro!
Agora mesmo estivemos sentados lado a lado e desenvolvemos uma bela conversa enquanto eu escrevia esta crônica.


segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Pares Gêmeos


Era véspera de minha quarta prova de atletismo e eu precisava de um tênis de alta performance. Até então, vinha correndo e obtendo bons resultados com tênis doado por colega de equipe. Parecia justo, porém, destinar valores a uma nova aquisição.
Com tal objetivo, fiz o treino da manhã e fui com a camiseta da equipe para a loja escolhida. No local, fui apresentada ao tênis ideal que, da maneira mais literal, serviu como uma luva a todos os meus propósitos. Havia apenas um problema: eu não conhecia a marca, e queria correr com ele no dia seguinte. Precisava fazer de imediato o test-drive, então lá fui eu para a esteira da loja.
O que eu não imaginava era que meu par de tênis novos tinha um par gêmeo, e não estavam dispostos a ficar separados...
Uma moça linda e simpática desceu da esteira, calçando tênis idênticos aos meus, um número menor. Ao me ver com a camiseta da equipe de corrida, quis saber se eu estaria presente no evento do dia seguinte. Ela também estaria, seria sua primeira prova. Muito solícita, do alto de minha experiência de 4 provas, contei para a nova amiga os detalhes de como tudo ocorreria, me sentindo a atleta profissional do momento hahaha. O ápice de nosso diálogo se deu quando a pessoa resolveu me pedir um autógrafo, para não precisar correr atrás quando euzinha aqui ficar famosa hahaha.
Fizemos tanto sucesso na loja com nosso bom humor e compra simultânea da mesma marca de tênis, que recebemos o desafio: garantir o pódio e retornar com nossas medalhas para foto oficial, substituindo os manequins da vitrine. Para selar o desafio, registramos em foto a compra recém-feita e combinamos novos registros pré e pós prova no dia seguinte.

Foi então que os tênis gêmeos entraram em ação! Estavam dispostos a não sair da vida um do outro, e não havia o que nós, suas atuais donas, pudéssemos fazer para mudar isso...
Assim que chegamos ao evento, meu par e eu, demos de cara com Catiele e o seu. Fotografamos, conforme combinado, mas quem disse que os gêmeos desgrudavam? Ficaram juntos o tempo inteiro, alongando, dançando, aquecendo, e somente se separaram ao ser dada a largada para Catiele e seus 3 km, e logo na sequência, para mim e meus 5 km.
Tão logo quanto possível, os pares gêmeos voltaram a se encontrar, felizes por terem cumprido o desafio proposto, na expectativa pela divulgação dos resultados... Primeiro lugar na categoria para meus 5 km, segundo para os 3 km de Catiele!!! Que felicidade!!!
Meta atingida com honra, falta acertarmos a data para botar os manequins da loja a correr por um dia hahaha
Importa salientar que, motivadas por nossos pares gêmeos que não quiseram de modo algum se separar, iniciamos uma amizade que duvidamos ter começado nesta existência ou ser mero fruto do acaso, tantas as coincidências de todos os tipos em nossas vidas... Ousamos dizer que nossos pares gêmeos proporcionaram um reencontro de almas, uniram amigas que buscavam uma pela outra sem saber ao certo onde procurar. A verdade é que literalmente corremos para a vida uma da outra, e nossos pares gêmeos se encarregaram de oferecer o laço para esta nova e incrível amizade!

Suzy Luz















sexta-feira, 26 de abril de 2019

Protagonista

De Mãe para mãe
Katie Garner
- Suzy Luz

Há três anos, protagonizei um parto normal após três cesáreas. Parto muito desejado e batalhado, uma vez que todos os protocolos me levavam a nova cirurgia. Bati o pé contra o sistema que decidia por mim a via de nascimento. Empoderada. Foi a palavra que mais ouvi. Não consigo utilizá-la, no entanto, sem associá-la a fé que desenvolvi no período gestacional, pois estou certa de que a frente de meus desejos justos havia um Deus abrindo o caminho e preparando meu corpo para o momento sublime de dar à luz um de seus preciosos filhinhos.
Há um ano expandi a experiência, vivendo meu segundo parto normal depois das referidas cesáreas. Foi incrível, momento de protagonismo ímpar, absoluta segurança no processo, conhecimento pleno de meu corpo, intimidade com a dor que prefacia o nascimento. Entreguei-me por completo e o resultado foi um parto avassalador, presenteando-me na véspera do Dia das Mães.
Tornei-me referência para mulheres que buscavam partos respeitosos após múltiplas cesáreas. Meus relatos foram ao mundo, muitas gestantes me procuraram pedindo auxílio para lidar com a dor e administrar os medos durante o trabalho de parto.
Pensei ter chegado ao auge do protagonismo na ocasião e me senti muito grata pelo privilégio.
Mas eu não sabia de nada. Nada mesmo. Nem sequer desconfiava que aquela experiência  gerenciando a dor física me ensinaria tão perfeitamente como administrar a dor da alma que em breve conheceria.
A mesma mão que segurava a minha durante a dor em trabalho de parto foi a que me traiu e apunhalou pelas costas, causando-me dor infinitamente maior.
Quem seguraria minha mão agora, no processo doloroso e solitário da separação?
Veio o aprendizado e a certeza de que as experiências com os partos foram preparatórias para algo maior, que exigiria de mim protagonismo: decretar o fim da relação abusiva e assumir a criação de 5 filhos sob minha guarda.
Todo nascimento carrega sua dor. Significa a passagem de um estágio de vida a outro, portanto um fim e um novo início.
Renascer após o fim de um casamento não é diferente. A dor me consumiu em determinado momento. Como a dor física do primeiro parto após as cesáreas, a dor da alma me pegou desprevenida e clamei por anestesia. Não queria aceitar o processo solitário que transcorre por dentro e tira o chão, o rumo, o foco. Queria explicação, justiça, respostas, queria ter razão. Logo percebi que, como no primeiro parto, minha atitude apenas bloqueou o processo e o prolongou. Não adianta resistir a dor, ela precisa ser sentida. É a fase do luto.
Meus olhos então repousaram sobre o segundo parto. Aceitei a dor. Permiti-me senti-la, pois sabia que ela trazia para meus braços a melhor recompensa. O resultado foi um parto rápido e intenso, experimentado em toda sua grandeza.
Entendi o processo.
A dor é aliada, uma amiga. Ela traz aprendizado e bênçãos. É necessária para que a vida se renove e meu mundo em preto e branco dos abusos se encha de cores e flores.
Se a dor é inevitável, protagonismo é escolha. Posso sofrer a ação e tornar-me refém do passado, mortificada por tudo que vivi; ou posso ser ativa na aceitação do que não  pode ser mudado e converter tudo em aprendizado.
Da mesma forma que quebrei um ciclo de cesáreas desnecessárias, resgatando para mim o protagonismo daqueles momentos singulares, reassumi o comando da vida. Soltei a mão que ostentava proteger mas o tempo todo fez subjugar.
Doeu por um momento, e então veio o alívio. A paz. A recompensa.
Protagonista, agora sim! Não apenas de partos.
De mim.

quarta-feira, 3 de abril de 2019

Honestidade, um legado para muitas gerações.

Foto: Letícia Nogara
- Suzy Luz

Certa manhã de janeiro, minhas duas meninas e eu saímos para um passeio pela cidade. Sofia, 9 anos, empurrava alegremente o carrinho com a irmã, Esther, 9 meses. Sempre prestativa, fazia questão de conduzir a irmã.
Mas parou subitamente, chamando minha atenção: 
- Mãe, aquela senhora deixou cair esta moeda, - disse, enquanto juntava do chão uma moeda de 25 centavos - preciso ir atrás dela para devolver!
Para minha alegria, em nenhum momento ela demonstrou interesse em apossar-se da moeda que não lhe pertencia. Eram apenas 25 centavos, mas conquistados pela senhora que passara por nós apressada. Deveriam ser devolvidos.
Sofia chamou a mulher, que não ouviu o chamado e seguiu seu caminho. Minha filha decidiu ir atrás da mulher, que atravessou a rua e seguiu em ritmo acelerado. Pensei que então Sofia desistiria, mas para minha grata surpresa não hesitou e atravessou a rua também. 
A mulher entrou num estabelecimento comercial e, pensei eu, minha filha se sentiria envergonhada para entrar no local atrás dela, retornaria com a moedinha. Novamente surpreendida pela determinação de Sofia, eu a vi entrando resoluta no estabelecimento e, minutos depois, saindo dele com o semblante pleno, sem nada nas mãos. Sofia brilhava aos meus olhos, e certamente aos olhos do Pai Celestial que muito irá abençoá-la por sua prova de honestidade até nas mínimas coisas.
Meu coração transbordava alegria quando a recebi em um abraço, dizendo que fizera muito bem. Senti-me invadida pela paz de estar educando minha filha com princípios e valores, silenciosamente agradeci aos céus por aquele sinal.
Sim, foi um sinal.
Instantes depois chegamos ao banco, um de nossos destinos. E então veio sobre mim uma das maiores decepções da minha vida: os valores, frutos de meu trabalho, simplesmente haviam desaparecido. Meses e meses, anos e anos, economizando e preparando tudo para a compra da casa para nossa família. Não haveria mais casa num futuro próximo, pois não havia dinheiro. Somente dívidas de empréstimos contraídos por meios aparentemente legais, no entanto imorais, mesquinhos e injustos sob todos aspectos. 
A realidade caiu como um bloco de concreto sobre mim. Como pude confiar na pessoa errada? Como um ser trai a confiança de outro, ciente de que o futuro de 5 crianças menores de idade seria diretamente afetado por aquele ato? Nunca entenderei, pois jamais me apossaria do fruto do trabalho de outra pessoa sem me envergonhar profundamente a ponto de não conseguir me olhar no espelho.
Lágrimas começaram a se formar em meus olhos, não exatamente pelos valores desviados, mas pela traição sofrida. Porém antes que a primeira lágrima escorresse, senti um sorriso consolador repousar sobre mim, e aquele sorriso mudou tudo. Sofia sorria do alto de seus 9 anos e me dizia silenciosamente que tudo estava bem.
Não chorei. Sorri também. Os 25 centavos nos salvaram! Era nosso sinal. Era nosso convênio com o Pai que habita nos céus de que seríamos honestas em qualquer circunstância, e na integridade residiria nossa força para enfrentar a situação e recomeçar do zero se fosse preciso.
Voltamos mais pobres para casa naquele dia. Apenas materialmente. Pois sob todos os outros aspectos enriquecemos. Passamos em nosso teste de fé!
Os dias que se seguiram não foram fáceis, a traição é devastadora. Mas me permitiram experimentar uma das demonstrações mais lindas de amor que já recebi: Sofia presenteou-me com um envelope cheio de bilhetinhos. Em cada um deles, palavras inspiradoras que pareciam fluir do céu! Minha princesa ensinou-me que, quando me sentisse triste, deveria retirar um do envelope e ler. Como explicar tanta empatia em uma criança?! Sofia não escreveu bilhetes, ela trouxe o consolo do céu para dentro de um envelope!
Retirei o primeiro e li: "Te amo. Agora vai ser apenas uma vida simples mas divertida". Assim tem sido, sábia Sofia. Uma vida simples, mas de alegria.
Outro dizia: "Prefiro mil vezes você do que ser rica e ter tudo. Eu te amo."
Olhei para ela e seus irmãos e compreendi a grande lição que a vida veio me ensinar: sou rica e tenho tudo. O restante são apenas acréscimos que, com honestidade e dedicação, posso alcançar e multiplicar em alguns anos.
Então chorei. Tinha um motivo que realmente valia minhas lágrimas. Sou uma mãe abençoada.

"A esperteza um dia é descoberta e vira vergonha. A honestidade se transforma em exemplo para as próximas gerações. Uma corrompe a vida; a outra enobrece a alma." (Chico Xavier) 

Bilhete de Sofia

quarta-feira, 13 de março de 2019

A Vítima Viva

Imagem Op9
Após repercussão da postagem denunciando a relação abusiva na qual vivi por 14 anos, recolhi-me em profunda reflexão por alguns dias. Porque o aprendizado é o grande propósito de tudo, e particularmente desejo saber o que tenho a aprender e contribuir devido às circunstâncias que me foram permitidas experimentar nesta vida terrena. Trago verdades.
A vítima morta, choca. A vítima viva, incomoda. 
Explico: quando nos deparamos com aquelas notícias do tipo capa de jornal, com a vítima assassinada, compartilhamos com emoji lacrimejante e revolta escancarada, reclamando do comportamento inaceitável do ser humano. Ficamos chocados. Mas por um segundo apenas, pois, para nosso alívio, já morreu mesmo e o problema agora é das autoridades na resolução do inquérito policial. Ah, claro que ainda cobramos a prisão dos assassinos. Cobrança virtual, da comodidade dos nossos iphones. E isso é tudo que podemos fazer.
Com a vítima viva não é assim. A vítima viva incomoda. Coloca o dedo na ferida social da omissão. Nos obriga a agir e reagir, porque quando a vítima viva chega ao extremo de denunciar publicamente é porque, sem dúvidas, ela já percorreu o longo e sofrido caminho do silêncio por anos. Ou vocês acham que a vítima tem como plano para o ápice da carreira o status de "a espancada que sobreviveu"? 
A vítima viva incomoda, faz todos olharem para o chão e silenciarem. Olhar de "o problema não é meu", "é briga de casal, não vou me meter", "é apenas uma criança querendo chamar a atenção, não precisa ser levado a sério", não é mesmo, Bernardo? Mas quem tem a coragem de olhar nos olhos da vítima e falar isso para ela? Ninguém. Porque falta a coragem de encarar a vítima viva e dizer o que realmente pensam: "não me importo com tuas dores, só me importam as minhas". 
A vítima viva é julgada e desqualificada. Ela mereceu. A vovozinha da semana, estuprada pelo genro aos 101 anos, não está sendo acusada de estar apaixonada pelo abusador e ter consentido a relação? Sim, há quem se levante para defender e apoiar o ato. Há quem se levante para apoiar tudo e qualquer coisa, quando a vítima esteve perto da morte mas sobreviveu para contar sua história. Se quer credibilidade, ela que apareça morta da próxima vez.
A vítima viva só quer chamar a atenção. Sim! Quer mesmo! Tem todo o direito e entende que tem o dever de fazer exatamente isso. Sente que lhe cabe a obrigação de denunciar e auxiliar outras nas mesmas circunstâncias para que identifiquem o ciclo do abuso e saiam dele enquanto há tempo. 
A vítima viva desnuda a realidade por trás do mundo virtual. "Como assim, e aquelas fotos lindas de família feliz?! Não me importa se você encheu o rosto de maquiagem para encobrir o olho roxo, se estava mancando por causa de ferimentos de chutes nas pernas, quero as fotos que enganam e te fazem "merecer" participar do meu grupo de ostentação, onde somos todos lindos, prósperos e felizes". "Se escancarou a verdade, sai do meu grupo, não te conheço mais, que vergonha, o que meus amigos de aparência vão dizer de mim?" O que não pode é desmantelar o mundo virtual dourado de ninguém.
A vítima viva, quando denuncia, está apenas querendo vingança sem pensar nos filhos, que acabam sendo expostos também - dizem por aí. Não importa se esses mesmos filhos viram, mais do que uma vez, o pai asfixiando a própria mãe, basta que ninguém saiba disso e teremos crianças preservadas, não é? Porque o que incomoda mesmo é o denunciar, não a violência vivida ou presenciada. Sufoquemos as vozes que insistem em se erguer com os mesmos travesseiros macios nos quais dormimos nosso sono com consciência não tão limpa quanto fazemos parecer (perdoem o trocadilho, não resisti). 
A vítima viva incomoda, porque quando ela denuncia o crime do agressor, ela aponta também a covardia e a omissão social, ela força a sociedade a reagir, e esse é o momento em que todas as máscaras caem e as pessoas mostram quem elas realmente são e aquilo que defendem. 
A vítima viva incomoda, sim. Muito. Que bom!

sexta-feira, 8 de março de 2019

Violência Doméstica: quando recomeçar é necessário!


Das Dores, frente ao espelho, viu-se realmente bela pela primeira vez. O terno preto, discreto como pedia a ocasião, caía-lhe perfeitamente bem. Tinha os cabelos presos em trança embutida lateral, penteado que aprovou com um sorriso. Acessórios cuidadosamente escolhidos completavam o elegante visual. Estava linda, não havia dúvidas! Sentia-se plena, o que de fato importava.

Com o dedo indicador, roçou a pele na altura dos lábios, onde encontrou, encoberta pela maquiagem, uma cicatriz. Não podia vê-la, mas sabia que estava ali. Suplantada, vencida, sobrepujada. Era o símbolo externo daquilo que  lhe ia por dentro: tal qual a maquiagem em relação às imperfeições da pele, sentia a alegria curar as feridas da alma. A felicidade era seu trunfo, sua mais solene vitória!

Mas faltava algo, um último confronto. Não diziam que os piores medos são dissipados após o enfrentamento? Ali estava ela, corajosamente disposta a enfrentar-se no espelho. Precisava daquele supremo momento de retorno ao passado, mergulhou na linha do tempo.

Em questão de segundos, os olhos vivos e radiantes repousaram sobre uma pobre e acuada criatura: Maria das Dores, moça humilde do interior. Casara-se cedo, com o primeiro namorado, um homem mais velho e muito vivido. Logo viu-se grávida e, portanto, impedida de prosseguir com os estudos. Uma pena, diziam as professoras, pois sempre fora muito inteligente, uma espécie de mente inquieta. Que se aquietou, contudo, quando o marido começou a proferir aos brados quem é que mandava em casa. Maria das Dores anulou-se, passou a viver em função dele. 

Não demorou para começarem as agressões. Primeiro psicológicas, depois físicas, num ciclo intercalado por momentos de falso arrependimento e hábil manipulação. Dependente do marido de muitas maneiras, Das Dores viveu uma fase de negação. Dizia a si mesma que ele havia perdido o controle por um momento, mas aquilo não voltaria a acontecer; que era um homem bom, não teria agido daquela maneira se não estivesse sob a influência do álcool. Os abusos continuavam, contudo, por motivos banais, com ou sem bebida. Das Dores não contou a ninguém, sentia vergonha. Optou por vida cada vez mais reclusa, afastou-se até dos familiares e amigos próximos para não ter de explicar a origem de  hematomas que surgiam misteriosamente em seu corpo.

Por que aceitava e se submetia daquela maneira ao seu agressor? Não sabia. Não naquela época. Mas agora entendia que não se pode esperar conduta diversa de mulher fragilizada, em situação de completa  vulnerabilidade. Quando se está dentro do ciclo de abuso, a violência torna-se naturalizada e a vítima perde o discernimento, não entende a proporção e a gravidade de tudo e, principalmente, ainda que se dê conta, não tem condições psicológicas de quebrar o ciclo. 

Sentia-se só e realmente não via a quem recorrer. Como falar de algo tão íntimo pra alguém? Chamar a polícia significaria a rua inteira diante de sua porta... Como olhar para os vizinhos depois do espetáculo? Vergonha. E medo também. Medo do futuro incerto, com suas crianças ainda pequenas... Se denunciasse o companheiro, teria obrigatoriamente que se separar dele. Para onde ir? Como sustentar seus 2 filhos? Aos 25 anos, nada tinha que lhe pertencesse, nenhum ofício que lhe garantisse o pão de cada dia, nem qualquer perspectiva profissional. Estava presa, definitivamente atrelada ao seu agressor.

Os dias passavam e a situação de Das Dores só piorava. Tratada como objeto, a mulher vivia para satisfazer as vontades de seu possuidor.  No lugar de marido, tinha um dono, a quem devia subserviência. Não ousava erguer a voz para ele, pois no fundo se sentia culpada e responsável por tudo: não se casara por amor e sim para fugir de um lar onde a mãe vivia em sistema de escravidão enquanto o pai gozava de plenos poderes, inclusive o de maltratar a esposa quando lhe parecesse conveniente – de preferência, humilhá-la na frente das visitas. Das Dores jurava que sua história seria diferente, que havia escolhido um bom homem. Em menos de um ano, porém, quando as máscaras caíram, a pobre mulher viu que os personagens haviam mudado, mas o enredo era exatamente o mesmo e, o que era pior, ela não via qualquer possibilidade de um “final feliz”.  Aceitou a amarga sina, resignou-se dizendo pra si mesma que seu destino fora traçado no dia em que a mãe, prevendo lágrimas, declarou perante o escrivão: Maria das Dores Silveira. E assim foi.

Mas houve um momento em que todos os limites foram ultrapassados e Das Dores viu-se obrigada a agir! Fora atingida na altura dos lábios, por objeto arremessado por seu companheiro durante  ataque violento. O sangue jorrou abundante, manchando a parede, e ela em choque começou a gritar. Os vizinhos acudiram, chamaram a polícia, e os policiais levaram-na ao hospital. Onde estava o valentão naquele momento crucial? Ficara ali para cantar de galo e justificar sua atitude para a polícia? De modo algum, fugiu pelos fundos de casa, saltando muros e rastejando como rato pelas propriedades alheias. Sabia que seu ato era, sob qualquer circunstância, injustificável, e que seu destino seria a prisão caso fosse encontrado em flagrante delito. Fugiu, experimentando por sua vez o medo que por anos  incutiu na mente frágil e inocente de Das Dores.

Conduzida a delegacia, Das Dores registrou Boletim de Ocorrência, através do qual solicitou medidas protetivas e demonstrou seu desejo de representar contra o agressor. Não sentia o chão debaixo dos pés, seu mundo havia desabado. Ao mesmo tempo em que sentia o alívio –como alguém mantido por anos em cárcere privado sente ao reencontrar a liberdade – experimentava a incerteza, a confusão de sentimentos, a absoluta falta de perspectiva para o futuro. Sentia-se fracassada, uma incompetente, que não soube escolher um companheiro digno de seu amor, nem um pai decente para seus filhos. Estava machucada por fora e destruída por dentro, duvidava que para ela pudesse existir um amanhã.

A dor extrema por vezes é justamente o impulso necessário para o recomeço. Das Dores pensou em suas crianças e viu ali um ponto de partida, ao invés do ponto final. Por eles, ela renasceria; encontraria forças para redirecionar sua vida. Pensou também nas outras mulheres, vítimas silenciosas das mesmas agressões que por tanto tempo ela sofreu calada e desejou fazer algo... Não percebeu na época, mas foi ali, naquele exato instante, que ela tomou as rédeas da própria vida e começou a moldar seu destino do jeito que ele deveria ser.

Nem tudo são flores para a mulher que rompe o ciclo de violência doméstica. Para falar a verdade, a primeira etapa é marcada apenas por espinhos. Há  necessidade de reconstrução em todos os setores da vida. Das Dores precisou de coragem, muita coragem! Pois, passado o primeiro momento, ressurgiu o marido dissimulado tentando reconciliação. Ofereceu todos os motivos para o retorno, fez promessas, implorou por perdão. Como não obteve êxito, mudou a estratégia: passou a ameaçar, impôs a ela implacável perseguição.

No princípio, ela acreditou que com a denúncia todos seus problemas estariam resolvidos. Não funciona assim. Aprendeu com a experiência que, apesar da boa vontade de maioria dos servidores, os recursos que o Estado disponibiliza para a mulher nessas condições  são limitados. E muito dependia dela, de sua atitude. Foi inflexível, não se deixou levar pelas lisonjas do ex  companheiro nem pelas ameaças que vieram na sequência, mas precisou redobrar os cuidados. Enfrentou o julgamento de pessoas próximas que, na hora em que mais precisou, simplesmente desapareceram. Uns porque não queriam se meter, outros porque, carregados de machismo, diziam aos quatro ventos: alguma ela certamente aprontou! Poucos de fato entendem que, perante a le e os céus, não há justificativa aceitável para a agressão a mulher: será sempre um crime e uma covardia.

Avaliando a sociedade machista na qual foi criada, Das Dores entendeu porque muitas mulheres silenciam como ela se silenciou por anos. Medo e vergonha são os principais fatores. Dependência emocional também, pois o agressor utiliza-se  da intimidação e da manipulação. Algumas mulheres dão os primeiros passos, mas perdem sua força diante da ineficiência do Estado e do despreparo de alguns servidores, e acabam voltando para os braços de seu algoz. A mente inquieta de Das Dores, livre do cárcere, voltou a questionar a sociedade e não se conformou com o que viu: retomou os estudos, formou-se em Direito.

Mas sua missão  não estava cumprida: não lhe bastava advogar em favor de mulheres em condição de extrema vulnerabilidade, queria ser a responsável pela elucidação dos fatos, trazê-los à tona, para levá-los ao juiz  embasados em provas concretas contra os agressores. Queria poder dizer, através de ação diária, que carregava a causa das mulheres vítimas, sem dar-se ao luxo de julgar os casos, mas dando voz a todas elas para que tivessem a oportunidade de quebrar o ciclo de violência em seus lares. Queria também servir de exemplo para aquelas que, fragilizadas, se sentiam incapazes de olhar para o futuro e sonhar; queria mostrar que todas têm seu valor e que podem, a qualquer tempo, tomar as rédeas da própria vida e realmente viver, trabalhar, estudar, vencer!

Das Dores, frente ao espelho, viu-se como de fato sempre foi: mulher guerreira, valente, disposta a enfrentar as agruras da vida com cabeça erguida, consciente de seu valor. A mãe não estava errada, as dores fariam parte de sua existência... mas apenas como lembrete, para que  nunca se acomodasse, e então aprendesse que amor próprio e felicidade não caem do céu: são conquistas a serem feitas diariamente!

Com olhar firme, despediu-se de Maria das Dores através do espelho. Seu nome agora era Maria Vitória, Delegada de Polícia, lotada na Delegacia de Atendimento à Mulher. Virou as costas e andou com passos resolutos na direção da porta. Havia muito a comemorar naquela noite de formatura.

terça-feira, 24 de outubro de 2017

A Chegada do Bebê do Natal


Síntese de meu relato de parto normal após 3 cesáreas

No dia 20 de abril de 2015 eu soube, através de um sonho, que o presente de Natal daquele ano seria atípico – e o mais incrível de todos os tempos! Teríamos um bebê, mais especificamente o bebê 4 da família.
Não houve susto, medo, relutância. Era comum acordo entre nós, marido e eu, que teríamos muitos filhos – tantos quantos o Senhor quisesse nos dar e tivéssemos saúde para educar e criar. Então o Bebê do Natal, como passamos a chamar, tornou-se bem-vindo desde antes de sequer confirmarmos por exames a sua existência: já era amado e esperado.
Mas havia um problema: o trio mais velho nasceu de cesárea. A primeira, considerada tentativa frustrada de parto normal, foi na verdade uma sucessão de erros típicos da falta de informação: ida precoce ao hospital, antes de entrar em trabalho de parto ativo; impaciência da obstetra para aguardar um trabalho de parto prolongado; indução com ‘sorinho’ (oxitocina); dilatação que não acompanhou o ritmo das contrações após a indução; falta de protagonismo meu, que deleguei tudo à equipe médica e deixei que tomassem decisões cruciais em meu lugar.
A primeira cesárea me conduziu a seguinte, dezoito meses depois, num parto agendado fora de trabalho de parto. Sentenciou a médica: risco incontestável, uma vez cesárea, sempre cesárea. Especialmente em período tão curto entre um parto e outro. Me foi recomendado de modo algum entrar em trabalho de parto, e acatei sem questionar. Dois anos e dois meses depois da segunda cesárea, em outro local, com outra médica, me vi novamente no bloco cirúrgico, tendo minhas 7 camadas cortadas e a bebê arrancada de dentro de mim. Arrancar foi a palavra, pois nunca fui tão desrespeitada como naquele parto, que vivi sem acompanhante ‘porque o hospital não permitia’. Jeferson havia segurado minha mão nas cesáreas de Arthur e Gabriel, mas teve de olhar de longe para sua princesinha Sofia quando veio ao mundo, chorando a plenos pulmões. Um choro forte, ressentido, clamando por aqueles que conhecia desde o ventre, mas no colo dos quais foi impedida de se aninhar por muitas horas. Sequer a mostraram a mim, apenas a levaram, inexistindo a necessidade visto ter ela nascido com apgar 10 e 10. Se nas duas primeiras cirurgias tive atendimento relativamente humanizado, fui respeitada dentro dos padrões para a época e o local, no parto de Sofia conheci de perto a violência obstétrica e traumatizei. Aquilo definitivamente não deveria ser a melhor forma de nascer.
Seis anos depois, chegou o Bebê do Natal aos nossos sonhos. Quarta cesárea, já estava definido. Para tudo, tira o ponto final e bota uma vírgula nessa história: a não ser que eu encontrasse equipe humanizada disposta a me assistir numa tentativa de parto normal. Com 6 semanas de gestação, assim que confirmei os famosos risquinhos no palitinho, fiz a primeira postagem num grupo de mães: alguém aí pode me indicar obstetras que priorizem o parto normal em Porto Alegre ou região metropolitana? Foi dado o primeiro passo de uma longa, extenuante, por vezes desanimadora, mas incrível caminhada.
É difícil pra mim resumir tudo que aconteceu no intervalo entre essas 6 semanas e as 38, às vésperas de meu parto, quando finalmente conheci a equipe que iria me atender. Mas se fosse fazê-lo numa frase, essa seria: impossível, risco incontestável. Foi o que ouvi o tempo inteiro, de todos os médicos aos quais procurei – e o fiz por meio de consultas pelo convênio, consultas particulares, telefone, redes sociais... Colecionei nãos.
Por outro lado, esse período me proporcionou encontro significativo com muitas redes de apoio, sobretudo as virtuais. Formaram-se laços, enquanto me fortalecia como mulher e me preparava para protagonizar o mais intenso momento da minha vida. Claudia, amiga desde os tempos da faculdade, foi aquela que plantou a semente, quando viveu seu vbac dois anos antes. Tão logo me vi grávida, escrevi pra ela, e de São Paulo vieram informações, livros e amor. Logo depois, conheci as doulas Analu e Thaís, ambas essenciais para o desfecho que tivemos. No final, quase às vésperas do grande dia, um encontro com a enfermeira obstétrica Luana Santos definiu tudo numa simples conversa: eu iria parir, ela acreditava e eu também. Pena que ela não poderia me assistir, visto ter a agenda cheia para o mês de dezembro... Mas foi em nossa conversa que recebi a indicação da Dra. Guísela de Latorre, médica humanizada que atende na cidade de Novo Hamburgo. Agendei a consulta para a data que marcava minha entrada na 39ª semana de gestação.
O bom de chegar num consultório médico praticamente parindo é que eles sabem que você realmente quer parir e a essa altura está pronta pra bancar o que vier, e você também sabe que eles só vão te aceitar como paciente se realmente forem fazer teu parto. Ninguém enrola ninguém – porque de enrolação eu já estava cheia, farta.
Então, em meados de dezembro, cheguei barrigudíssima ao consultório de Dra. Guísela, na clínica Obstare. Preciso pontuar a acolhida que tive desde o primeiro telefonema, através das secretárias competentes e simpaticíssimas Julia e Marcy. Também tenho nítido na mente o sorriso de Guísela quando falou meu nome e me recebeu em sua sala. Pequenos detalhes que fizeram toda a diferença àquela altura, para um casal cansado de portas na cara.
Guísela avaliou nosso caso com todos os cuidados, afinal não cai do céu uma maluca solicitando um vba3c todos os dias. Abriu artigos, leu tudo para nós, nos deu ciência dos riscos existentes, avaliou exames até então realizados, solicitou novos exames, exigiu termo de responsabilidade, condicionou o parto à presença de seu esposo, também obstetra, para eventual necessidade de intervenção, e por fim disse SIM!!! Bem... foi o sim mais caro da minha vida, me custou um rim e um olho da cara, mas naquele instante de tudo ou nada, tendo eu batalhado tanto pela possibilidade de parir, topei.
Preciso abrir um parênteses aqui para frisar a total impossibilidade de um parto, sobretudo um parto normal após 3 cesáreas, pelo convênio. Infelizmente o parto humanizado torna-se caro e inacessível para maioria das mulheres, que acaba cedendo à pressão médica e dos familiares pela cesárea – mais prática e econômica (não deveria ser). Minha experiência me mostrou que recorrer ao SUS seria mais viável do que sonhar com um parto dentro das minhas expectativas pelo convênio, e certamente seria minha opção não fossem as 3 cesáreas prévias que me colocavam no bloco cirúrgico do hospital público, de qualquer maneira.
A questão financeira foi resolvida com a ajuda de uma amiga, que me emprestou os valores. Decidimos que eu teria um parto hospitalar, internada pelo convênio no Hospital Regina, em Novo Hamburgo, para onde me dirigiria já em trabalho de parto ativo. Como acompanhantes, teria a doula Thays e meu marido (doula deveria ser parte da equipe, mas infelizmente a maioria dos hospitais a vê e trata apenas como acompanhante).
Em casa, vivíamos os preparativos finais em família. O trio muito animado à espera do maninho, minha mãe já de mala e cuia na cidade para me ajudar e eu com os olhos fitos na troca de lua em pleno Natal... será?! Não carregava a ansiedade que poderia caracterizar um atípico parto normal depois de tantas cesáreas, pois tinha conquistado o apoio incondicional do marido ao longo da gestação, e isso significava muito pra mim. Juntos havíamos alcançado, através de uma bênção do sacerdócio que ele ministrou a mim, a certeza de que tudo daria certo e o Senhor nos abençoaria na travessia de Felipe da vida pré mortal para a mortalidade. Após aquele momento sagrado, nada mais temi, pois a promessa era clara e inequívoca e ressoava o tempo inteiro em meus ouvidos: meu filho nasceria de parto natural.
Chegaram as 40 semanas em 21/12, e nenhum sinal do bebê chegando. Mas na manhã de 24/12, véspera de Natal, começaram as contrações que não me abandonaram mais até o nascimento de Felipe. Eram 5h da manhã quando tudo começou. Passei o dia sentindo fisgadas que nasciam nas costas, mas eram irregulares na frequência e na duração. Saí para fazer as últimas compras de Natal, caminhei, agachei, dancei, rebolei na bola de pilates, fiz tudo que li ser conveniente para um trabalho de parto natural. Mas não engrenava.
Na noite de Natal, a dor intensificou. Marido ficou de plantão ao meu lado anotando tudo e a doula, com quem mantive contato ao longo do dia, entendeu ser a hora de nos visitar. Suas massagens fizeram milagres! Contatamos a médica no meio da madrugada e nos preparamos para os 40/50 minutos até o hospital, mas para nossa surpresa e frustração as contrações, que eram terríveis no carro, praticamente desapareceram assim que cheguei ao hospital. Fui avaliada pelo plantonista, com autorização minha e de Dra Guísela, e para meu desespero havia apenas 1 dedo de dilatação!!! Passei pelo MAP, bebê estava bem e ainda alto. Eu não estava em trabalho de parto ativo e o tão esperado momento poderia demorar a chegar.
Na tarde do dia 25 recebi a visita de Claudia, que acabara de chegar de São Paulo para os festejos de Natal. Encontrou-me bem, com poucas e suportáveis contrações. A noite, porém, não foi tão tranquila... Mas o dia raiou sem novidades. E sem novidades dia 26 teria terminado, não fossem aquelas contrações irregulares que roubavam completamente minha energia e bom humor. Era o terceiro dia ininterrupto de sinais que não engrenavam num trabalho de parto ativo, mas me desgastavam. Thays veio para nossa casa, conforme a solicitamos, e por volta de 21h decidimos ir ao hospital para nova avaliação. Guísela nos esperava no hospital Regina, me avaliou e deu-me a notícia: nada além de 1 dedo dilatado!!! Aquilo era inacreditável, pois há 3 dias dores intensas me acompanhavam e nada acontecia!!! Submetida ao MAP mais uma vez, tive a tranquilizante notícia de que os batimentos do bebê seguiam maravilhosamente bem. Tivemos então uma conversa séria: os pródromos que me acompanhavam podiam durar até uma semana, não havia como prever. Se realmente queria um parto normal, teria que suportar aquela situação. A doutora sugeriu manter-me internada naquela noite, para me acostumar ao ambiente hospitalar e vencer um possível bloqueio. Mas achamos melhor voltar pra casa e aguardar o tempo do bebê, que parecia querer celebrar o ano novo dentro da minha barriga rsrs.
Em casa, dispensei a doula e disse ao marido que dormisse e descansasse, pois há duas noites nenhum de nós conseguia fazê-lo. Decidi-me a dormir também, apesar das dores, pois aquela situação poderia se prolongar por dias, e eu não havia chegado até ali para ser vencida nos pródromos, não faria sentido! Orei ao Senhor por forças, para que conseguisse dormir, apesar das dores que sentia. Então vivi o que chamo de milagre, pois adormeci e tive uma espécie de sonho do qual fui despertada pela contração. No entanto, quando estava prestes a acordar completamente, uma voz em minha mente orientou: aceita a dor que ela passa. Soube que era ajuda divina, a mesma ajuda que tive o tempo inteiro e que me dava a certeza de que no fim tudo daria certo. Segui a orientação, mergulhei em cada contração, sentindo-a profundamente, entregando-me a ela, até que passava e eu continuava adormecida. Depois de duas noites em claro, finalmente, consegui dormir por alguns minutos. Aquele descanso foi providencial, restaurou as forças que eu precisaria para os momentos que estavam por vir.
Então despertei sem chances de voltar a dormir: as contrações eram intensas, doía muito. Me neguei a contá-las, pois havia feito isso em vão por duas noites e isto só elevava minha ansiedade. Levantei da cama e passei a revezar posições já conhecidas: agachada, em 4 apoios, banho morno, sentada, jogada sobre a bola de pilates, banho morno, andando como pata, banho morno, banho morno... depois de algum tempo, nem o santo banho morno resolvia, me senti perdendo a sanidade, enlouquecendo de tanta dor. O ápice se deu ao amanhecer, quando me vi gritando agarrada às paredes do banheiro, me sentindo sem condições de viver aquilo por mais um dia. Era o máximo que aguentaria, cheguei ao limite e desistiria.
7h da manhã peguei o celular e passei mensagens para a doula e para Cláudia. Contei-lhes que não dava mais, iria ao Hospital Conceição para a quarta cesárea. Sem chances de aguentar talvez mais uma semana naquelas condições, eu me entregava. Só que não. Exatamente em meio a mensagem na qual mencionava a desistência do parto normal, senti o líquido escorrer pelas pernas, e logo veio a confirmação: era a bolsa mesmo, havia rompido!!!
Fui ao céu e voltei de tanta felicidade, pois em 4 gestações era a primeira vez que a bolsa rompia espontaneamente, o que certamente era um bom sinal. Era o indicativo que eu precisava de que o bebê estava vindo! Tudo isso na manhã do dia 27/12/2015, um domingo, por coincidência justamente a data de aniversário de Luíza, filha da Cláudia, que nascera em um vbac dois anos antes. Felipe escolheu o mesmo dia da filhinha de minha amiga para aniversariar, estabelecendo entre nós um laço eterno.
Poderia dizer que corremos para o hospital. Mas não foi assim, a maturidade me ensinou que não se corre para o hospital, principalmente em meu caso, para evitar que a chegada precoce conduza a uma cesárea. Havia apenas um agravante: a ampulheta havia sido virada com o rompimento da bolsa, e passamos a ter horas contadas. Ainda assim, bem tranquilos, partimos por volta de 10h. Sem a doula, infelizmente, já que devido a um mau entendido não foi feito cadastro dela no hospital a tempo, e o mesmo só poderia ser feito em dia útil, portanto na manhã seguinte. Uma pena, pois Thays foi muito importante em diversos momentos.
No hospital, ainda precisaria passar pelo teste de fogo: avaliação da dilatação. Que agonia! Olhares postos na Dra Guísela que me examinou e, após eternos segundos, nos deu a mais desejada notícia de todos os tempos: 7 cm dilatados!!!! Uhuuuuuu!!! EU DILATEI, descobri que como todas as mulheres tenho, SIM, a capacidade de dilatar e de parir meus bebês!!!
Lembrei-me de ter lido que a maternidade aproxima a mulher da divindade. Senti isso naquele momento. Senti-me sendo elevada. As promessas que meu Pai Celestial me havia feito de que teria meu filho por parto natural estavam se concretizando – Ele sempre cumpre Suas promessas!
A partir daí, foi pura diversão. Na bola de pilates eu praticamente dançava. Estava sem minha playlist, porque sei lá onde foram parar o pen drive e meu celular com as músicas selecionadas, mas não precisava: notas musicais nasciam de mim, meu coração cantarolava!
Fui levada para a sala pré parto, onde usei o chuveiro livremente, a bola e a banqueta. Fiquei alguns instantes sozinha, enquanto marido cuidava da parte burocrática, mas estava bem, sabia as posições que mais proporcionavam alívio. Em determinado momento, de súbito veio uma contração intensa. Agachei apoiada na cama, sem conseguir falar. Queria Jef ou Thays ali comigo. Mas antes que me sentisse desamparada, vi Guísella se aproximar, agachar e me confortar com voz suave, ao mesmo tempo em que massageava minhas costas com mãos que pareciam ter o calor do fogo. De repente a dor se mesclava com amparo e amor. Aquela dor não era exatamente isso? A passagem para que o amor se personificasse numa nova vida que chegava.
Naqueles instantes finais rumo a dilatação total, em vez de ir quase à loucura como imaginava, sentia-me abraçada e acolhida pelo momento. Não havia violência obstétrica, não havia verticalidade na relação obstetra-paciente, ninguém me censurando por minhas escolhas, nem exigindo silêncio. Havia paz interna e externamente. Havia humanização no real sentido da palavra. Assim, nesse clima, dilatei dos 8 aos 10 cm e senti meu bebê avisando que chegava.
Estava na banqueta quando vieram os primeiros puxos, isto é, aquela vontade involuntária de fazer força. Era outro nível de dor, era a certeza de que meu Felipe estava ali, querendo sair para o mundo de amor que preparamos pra recebê-lo. Jeff chamou a médica, disse que estava nascendo, Guísela veio correndo. Convidou-nos para deslocarmos até outra sala, mas eu não queria ir, sentia o neném chegando e não queria sair de jeito nenhum de onde estava nem eu sei porquê (rsrs). A obstetra me avaliou e disse que ainda não havia coroado, teríamos tempo para andar até a sala.
Amparada por Jeff, cheguei a um local cuidadosamente preparado pra eu dar à luz em total segurança. Não era uma sala de parto normal, como eu imaginava que seria, mas nem percebi naquele momento. Mais tarde, entendi que estava no bloco cirúrgico, com mesa preparada para qualquer intervenção. Em meu braço, acesso para a eventualidade de precisar ser medicada às pressas. Várias pessoas na sala, dentre elas o obstetra Fabiano, responsável pela organização do local, motivo pelo qual eu mal o tinha visto até então: estava garantindo que meu parto fosse o mais seguro de todos. Aquelas pessoas compunham a equipe de enfermagem do hospital, caso evoluíssemos para uma cesárea. Tudo cuidadosamente preparado.
Se fiquei constrangida com toda aquela gente na sala? Eu sinceramente não enxergava ninguém, só queria saber de meu bebê, que estava vindo! Mas senti a vibração positiva daquela equipe, a torcida para que tudo corresse de acordo com meus sonhos mais íntimos.
Lembro de como me senti quando entrei no local: acolhida mais uma vez, respeitada. Fui levada até uma banqueta, posição com a qual já tinha me identificado e de certa forma escolhido para parir. Meu sonho mesmo era usar banheira, mas um vba3c me chamava à realidade, lembrando que a água retardaria a intervenção, caso fosse necessária. Escolhemos ser prudentes.
Jeff sentou-se em um banco atrás de mim, de onde me apoiava e fortalecia. Guísela a minha frente, sentada no chão, com o sorriso mais encorajador deste mundo! Como me fez bem aquele sorriso, cuja mensagem inequívoca era: você vai parir, confio integralmente em ti!
Também recordo do ambiente a meia luz e da música animada tocando ao fundo. Mas que música era mesmo? Não faço a menor ideia, embora na hora tenha adorado e pensado: que bom ouvir esse som! Alguém perguntou: quer que desligue a música? Respondi que não, de modo algum. Queria música, me fazia bem.
Os puxos continuavam, quando vinham eu me agarrava em Jeff e gritava a plenos pulmões. No intervalo entre eles, conversava e recebia orientação, estava totalmente consciente e presente.
Não sei quanto tempo ficamos nessa situação, o tempo inexiste para uma mulher vivendo o expulsivo. De repente, um desejo muito grande de fazer força e o bebê coroou. Estava esperando pelo círculo de fogo, mas essa sensação ficou para o bebê 5, pois não identifiquei a queimação sobre a qual havia lido. Ao invés disso, sentia a presença do bebê e a urgência em fazer força.
Porém, cadê minhas energias? Me sentia fraca diante do tamanho da missão, a cabecinha que estava coroada voltou! Precisei aguardar o próximo puxo e fazer força novamente, para que coroasse outra vez. Mas parecia tudo tão distante no tempo, como se estivéssemos há horas ali e meu neném entalado. Em algum momento, verbalizei que me sentia sem forças, não conseguiria. Fabiano, ao meu lado, estimulou: “ele está aqui, já está nascido! Vamos lá, você consegue!” Guísella conduziu minha mão até a cabecinha dele, senti uns fiapos de cabelos e aquilo me renovou!
Orei ao Senhor, pedi que Ele me ajudasse, proferindo algumas palavras em voz alta. Lembro de ter pensado na Expiação do Salvador Jesus Cristo naquele momento de dor e agonia. Assim como Cristo padeceu para nos dar de presente a ressurreição e vida eterna, sentia-me padecendo por algo maior, pela vida que nasceria do sofrimento de um momento. Tudo, simplesmente tudo valia a pena!
Com tal sentimento, fiz a força mais comprida que consegui, mantendo o esforço até que Felipe veio à luz, lindo de viver! Meu mundo parou, o relógio congelou, as pessoas passaram a se mover em câmera lenta como se estivessem num outro plano, distantes de mim. Só tinha olhos e emoções para meu bebê, meu Felipe, que veio no mesmo instante para meus braços.
Se alguém me falasse em dor, que dor?! Tudo simplesmente desapareceu, transformou-se para sempre. Ao meu lado, Jeff compartilhava da minha emoção. Ele, que foi meu apoio o tempo inteiro, tanto emocional quanto fisicamente. Estávamos extasiados, admirando, cheirando e amando nossa cria! Juntos, em sintonia, na mesma inesquecível emoção, oxitocinados!
Felipe nasceu com uma circular de cordão, coisa que não atrapalha e nem impede em nada um parto normal – inclusive um parto atípico como o meu, após 3 cesáreas. Logo depois, nasceu a placenta. Tão rápido, que não senti qualquer contração, ela simplesmente veio seguindo o bebê. E era enorme a árvore que nutriu nosso garotinho por 40 semanas e 6 dias! Em poucos minutos, parou de pulsar o cordão e coube ao papai a honra de cortá-lo.
Soube então que eram apenas 13h52 quando nasceu Felipe. Pra mim, pareceu uma eternidade, mas o relógio contestou minhas sensações: tudo acontecera num ritmo sensacional desde nossa entrada no hospital.
O parto foi natural do início ao fim, sem nenhuma intervenção. Não houve indução de nenhum tipo. Não recebi e nem sequer pensei em pedir anestesia. Não fui submetida a episiotomia (aquele corte de rotina, totalmente desnecessário). Sofri pequena laceração, embora tenha realizado exercícios preventivos de fortalecimento do períneo, e recebi alguns pontos que em nada me atrapalharam, nem causaram dor posterior – nada que se compare ao desconforto causado pela episio ou cesárea, por exemplo.
O parto foi inteiramente meu e eu o vivi intensamente em cada detalhe. Trabalhava comigo o parceiro perfeito: meu bebê, no seu ritmo, no seu momento. Nossos corpos juntos, abrindo caminho. O papai nos amparando, para que não duvidássemos de nossa capacidade. Mostramos que mamãe sabe parir e bebê sabe nascer. Vivemos a travessia do útero para a vida fora dele da maneira mais digna possível, como todo bebê merece ser recebido neste mundo.
A amamentação foi iniciada no primeiro momento, no primeiro colo, mas bebê estava cansado do esforço e parecia querer mais descansar do que se alimentar. Isso não foi problema, logo depois mostrou que entendia bem do assunto e exigiria mamãe a sua completa disposição.
Tenho algumas queixas do atendimento pediátrico dispensado a Felipe, ele passou por intervenções desnecessárias. Infelizmente, atingir a perfeição num parto hospitalar, considerando os protocolos utilizados como padrão nesses hospitais, requer briga constante, e eu já havia brigado, tanto, mas taaaanto, que estava exausta e me permiti ser plenamente feliz com a vitória alcançada: o primeiro parto normal planejado após 3 cesáreas do qual se tem relato no Rio Grande do Sul. Vencemos lindamente o sistema atuante, colocamos um enorme ponto de interrogação na frase pronta dos cesaristas: uma vez cesárea, sempre cesárea??? NÃO!!! Quebrei o ciclo de cesáreas em minha história, dilatei, meu útero não rompeu, meu corpo funcionou perfeitamente, PARI MEU BEBÊ!
Sempre ouvi histórias de parto associadas à transformação e libertação. Tinha curiosidade em saber como se daria a minha história, se algo mudaria de verdade dentro de mim ou se aquilo era força de expressão. Chegou o meu momento!
A transformação, pra mim, assim como o empoderamento, não se deu apenas na hora do parto como num passe de mágica. Começou antes. Foi um processo. Fui me transformando conforme aprendia e entendia que aquilo fazia sentido, que havia respaldo científico, baseado em evidências. Meu pensamento foi mudando e, conforme eu mudava, meu companheiro se transformava também. Se o único benefício fosse a mudança para melhor em nosso casamento, já teria valido a pena. Refiro-me à parceria que começou com as massagens diárias nos pés inchados e se estendeu ao ápice da dor, quando Jeff me deu o suporte exato que eu precisava, tanto físico quanto emocional. Nos tornamos “um” no mesmo propósito, e então não houve quem nos convencesse de que não seria possível - embora muitos tenham tentado.
Transformei-me durante os 3 dias de dores, que suportei resignadamente. Precisava exercer paciência e aceitar que não sou senhora do tempo. Mas sou senhora de mim e poderia, sim, aguentar firme aqueles momentos preparatórios. Foi o que fiz. Não fossem os pródromos desta gestação, não saberia com certeza absoluta que meu primogênito nasceu durante as contrações de treinamento, esclarecendo porque na época não dilatei.
Libertei-me quando expurguei todos os meus fantasmas e enfrentei meus medos, sozinha na madrugada, sem saber que tinha entrado em trabalho de parto. Descobri a força que possuo, a capacidade fenomenal de resistir, não à dor que vinha me trazer meu maior presente, mas resistir ao medo de sentir dor que envolve toda mulher nas minhas circunstâncias. Dilatei 7 cm em poucas horas, tendo adquirido conhecimento suficiente pra comandar meu próprio corpo ao invés de bloqueá-lo. Aprendi a abraçar a dor e andar com ela, porque era ela que me guiava.
Por fim, renasci. Eu, que por três vezes havia celebrado o nascimento de meus filhos praticamente beijando as mãos dos médicos que os trouxeram ao mundo, desta vez não fui plateia que assiste ao maior espetáculo da vida imaginando o que acontece por trás das cortinas. Fui para o palco: gritei, chorei, dancei, sorri, me contorci, sofri, vivi! A história era minha e exigi escrever lucidamente o desfecho dela! Coadjuvantes ali eram os médicos, a equipe, e sabiam disso, se alegravam nisso. Porque assim, evento fisiológico e familiar, os partos devem ser.
Pela primeira vez pude nascer junto com meu filho, alcançando profundezas do que antes para mim era apenas superfície. Não se trata apenas de empoderamento, se não existisse a aprovação do Pai Celestial nada do que vivi teria sido possível. Foi o Senhor dos céus e da terra quem me concedeu viver a experiência mais linda e sagrada do que qualquer outra: trazer um de Seus filhinhos a este mundo, recepcionando-o com respeito e amor.

Não existem limites para o que uma mulher com coração de mãe pode realizar. Mulheres dignas mudaram o curso da história e continuam a fazê-lo, e sua influência se espalhará e se multiplicará através das eternidades.”
Julie B. Beck

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