sábado, 13 de fevereiro de 2016

Parto Normal Após 3 Cesáreas (VBA3C) – Parte III

Arquivo pessoal

O Marido/O Pai/O Companheiro

“A maioria dos casamentos bem-sucedidos exige um elevado grau de tolerância mútua. A vida é como uma viagem de trem à moda antiga – com atrasos, paradas, fumaça, poeira, cinzas, solavancos e apenas ocasionalmente belas paisagens e trechos em alta velocidade. O segredo é agradecer ao Senhor por deixar-nos fazer a viagem”

Gordon B. Hinckley

Sem equipe, passei meu pré natal pulando de médico em médico. Fiz todos os exames, no seu devido tempo, mas recebia a requisição de um e apresentava o resultado do exame a outro. Precisava do convênio, então tinha de me submeter a muita conversa fiada, que ouvia com cara de paisagem. Já tinha minha historinha montada e a repetia sempre que necessária: vou para o hospital público ter meu bebê através de cesariana assim que completar 39 semanas de gestação.
Jeff, o maridão, esteve comigo em cada consulta, ecografia, exame, etc, do início ao fim da gravidez. Assistiu comigo O Renascimento do Parto, filme muito importante para quem deseja mergulhar no mundo da humanização. Não leu os livros que li porque não precisou: eu lia para ele. Foi companheiro incansável e insubstituível, o melhor que uma mulher na minha situação poderia desejar.
Se no primeiro trimestre da gravidez ele se imaginava viúvo toda vez que eu falava em parto normal (99% dos médicos que visitamos fazia questão de transmitir exatamente essa mensagem), no terceiro trimestre o próprio perguntou como eu me sentia em relação ao parto domiciliar (!!!). Não caí porque já estava sentada  quando tivemos a conversa. Perguntei de onde ele tirou  autoconfiança para praticamente propor um parto domiciliar, quando sequer equipe para parto hospitalar nós tínhamos. E ele respondeu: “De ti! Tenho certeza absoluta de que tu vais ter um parto normal, porque tu não desiste daquilo que quer. Se não puder ser hospitalar, tu vais arrumar outro jeito, e vai fazer acontecer. Teu parto normal já é uma certeza pra mim”.
Fui ao céu e voltei naquele momento! Nenhum elogio teria tido efeito mais poderoso em mim do que aquelas palavras do marido, recebi como  declaração de amor – a mais bela de todas – e garantia de apoio incondicional. Jeff já era muito presente, mas a partir daquele momento tornou-se um parceiro incrível de planos em relação ao nascimento do bebê Felipe.
Quanto ao parto domiciliar, estudei o suficiente para saber que quando planejado e assistido por equipe competente, é totalmente seguro para gestantes de baixo risco. Infelizmente não era meu caso. Embora vivesse a gravidez mais saudável de todas, não podia desconsiderar o histórico de cesáreas prévias e agir como se fosse loteria, dando margem à sorte ou ao azar. Tudo precisava ser cuidadosamente avaliado e o plano deveria, obrigatoriamente, considerar a possibilidade de alguma intercorrência e necessidade de intervenção. Por isso a escolha do parto normal hospitalar.
Mas, confesso, em nossos devaneios, Jeff e eu protagonizamos o mais lindo e romântico parto domiciliar, cercados por nossos filhinhos, aos cuidados de equipe humanizada... Tivemos o zelo de não tornar público nosso vislumbre, pois era bem capaz de sermos advertidos do risco de meu útero romper até nos sonhos (rsrsrs)!!! Parece engraçado, mas a visão distorcida em relação ao parto humanizado, sobretudo o domiciliar, nos fez ouvir muitas asneiras do tipo ao longo dos 9 meses grávidos...

A Doula

Além do melhor companheiro de todos os tempos, eu tinha também a melhor  doula: Ana Lu. Jeff e eu a conhecemos pessoalmente em um encontro no grupo de apoio à gestante. Dali em diante, passamos a ter contato contínuo pela internet.
O apoio que me faltou em termos técnicos, não faltou emocionalmente, pois Ana Lu foi suporte infatigável a minha disposição. Nunca duvidou de minha capacidade de parir e, quando todos me viraram as costas, ela ainda estava ali, segurando minha mão e confiando que tudo daria certo.
Entendi na prática qual é o trabalho da doula e, sinceramente, é o trabalho mais lindo do mundo, feito de amor! As doulas não fazem parto – um dos absurdos que se ouve com muita freqüência – não realizam toque, não fazem procedimentos, nem nada do tipo. Sua função é acompanhar a gestante desde o pré parto, fornecendo informação correta para que a mulher, munida de conhecimento, faça suas próprias escolhas. Durante o parto, a doula auxilia com massagens, orientação relativa à respiração, escolha da melhor posição, alternativas naturais para alívio da dor, etc. Ou seja, fornece suporte físico e emocional. A doula ainda ressurge no pós parto para acompanhar a puérpera na amamentação e sanar dúvidas que possam existir. É um trabalho de completa doação, que não tem horário específico pra começar nem terminar, e não preciso dizer que geralmente tem seu ápice em plena madrugada.
Não tive doula nas 3 primeiras gestações – nem fazia ideia de que elas existiam  neste mundo. Agora que conheço seu trabalho, minha observação é uma só: toda gestante MERECE ter uma doula!

O Parto Normal no Hospital Público

Ana Lu foi sensacional, o tempo todo buscando alternativas comigo e acolhendo minhas angústias. Com o apoio dela e do marido, e sem mais ninguém, passei a considerar a ida ao hospital público já em trabalho de parto ativo, mais especificamente durante o expulsivo. Em outras palavras, eu chegaria parindo ao local, inviabilizando a cirurgia.
Para avaliar melhor as possibilidades, marido e eu fomos até o Grupo Hospitalar Conceição de Porto Alegre conhecer o Centro Obstétrico. No local, fomos recebidos pela enfermeira Camila. Nos apresentamos como casal gestante, mas propositadamente omitimos nosso histórico de cesáreas prévias. Camila nos conduziu até as salas de pré parto Maria e Conceição (sim, as salas tem nome, que fofo!) e foi amor à primeira vista! Decidi que queria parir ali de qualquer jeito. Aquelas salas tinham tudo que uma mulher deseja, todos os recursos para um parto humanizado inesquecível. Eu, que até então havia conhecido apenas o bloco cirúrgico, fiquei deslumbrada!
Mas o sonho durou pouco. Logo nos encontramos com o médico plantonista do dia – um dos tantos que procuramos anteriormente em busca do parto humanizado – e  nossa realidade veio à tona: sem chances de passar pela salinha mágica. Eu poderia até aguardar os primeiros sinais de nascimento do bebê, mas deveria correr para o hospital pra ser submetida à cirurgia. E se eu chegasse parindo? Camila foi sincera ao dizer que não empurravam o bebê de volta (achei tão engraçado rsrsrs), mas que ainda assim eu iria direto pro bloco cirúrgico e somente poderia parir lá. Ou seja, nem sala Maria e nem sala Conceição.
Que raiva dos partos roubados me deu nessa hora! Tantos recursos que eu jamais conheceria nesta vida... Privilegiadas são as primíparas, que podem parir na posição de sua escolha, com direito a massagem, bola suíça, meia luz, playlist... E pensar que ainda assim muitas optam pela cesárea, procedimento que nos tira toda autonomia... Coisa bem esquisita!
Camila foi excelente anfitriã. Se fosse minha primeira gestação e eu estivesse em dúvida entre parto normal e cesárea, certamente iria querer parir depois daquela visita! Percebi reflexos muitos presentes da humanização naquele setor do hospital. Uma lástima não serem acessíveis a mim por razões já mencionadas.

De Volta à Estaca Zero

“Empoderamento feminino é uma das expressões em voga. Eu acho uma linda expressão, realmente, SE não se tornar um dogma. SE não retirar da lista todos os fracassos, todos os medos, todas as incertezas, todas as ações tortas. Para mim, uma mulher empoderada não é a Mulher Maravilha. Ela não tem superpoderes. Ela não está sentada sobre certezas absolutas. Ela não tem o dedo apontado pra sociedade. Ela não usa tantos pontos finais.
(muitas vezes, hesita)”

Claudia Pucci Abrahão

As semanas avançavam e o contexto seguia o mesmo: sem equipe. Por volta das 34 semanas, eu estava à beira do desespero, pois se aproximava a dpp (data prevista de parto) e eu ainda não tinha ideia do que faria. Não me envergonho de dizer que vivi a minha hora da covardia (uma das fases do parto) também na gestação: contatei a doula e disse que tudo estava além de minha capacidade emocional de suportar, não havia como arcar com tudo sozinha. Eu desistia.
Ana Lu me respeitou em minha escolha, não exerceu qualquer pressão, e ainda agiu com empatia.  Entendia o quanto as coisas se tornaram difíceis para mim, pois toda porta que se abria, logo adiante se fechava bem na minha cara! Era um teste de resistência que nunca acabava. Então cansei.
Quero dizer, pensei que havia cansado. Pois as palavras diziam uma coisa para a doula, e o coração gritava outra. No fundo, nunca desisti de fato. Apenas me distanciei momentaneamente como quem se afasta para tomar fôlego, e então retorna com energias renovadas, para seu melhor performance. Voltei mais determinada do que nunca. Tal determinação mostrou-se fundamental para enfrentar o novo desafio que apareceria em meu caminho...
36 semanas e uma revelação aterradora: Ana Lu, por motivo pessoal, de força maior, não poderia mais me doular e acompanhar no parto. Entendi perfeitamente a necessidade de Ana Lu, e sua incapacidade de me assistir por mais que desejasse de todo coração fazê-lo. Mas foi como tirar o chão debaixo dos pés de uma mulher que, àquela altura, só tinha o chão e mais nada!  Comecei a rir de minha situação, que mais poderia fazer?!

Para completar o desastre das semanas finais, a médica que acompanhava meu pré natal informou que aquela era nossa última consulta, já que na  segunda-feira seguinte eu deveria me apresentar no hospital para a cesariana. Argumentei que nessa data eu estaria recém entrando nas 38 semanas, e ela disse que era justamente esse o problema, eu já deveria ter ido para o hospital (!!!). Claro que ela não queria mais me ver (medo de responsabilização caso algo acontecesse comigo e o último nome na carteirinha fosse o dela?), despediu-se e me deixou a pensar o que fazer na reta final, quando precisava de acompanhamento semanal para monitorar o bebê, mas em qualquer lugar que chegasse, tanto pelo convênio quanto pelo SUS, seria encaminhada de imediato para cesárea. Seria o fim da linha???
Suzy Rhoden

6 comentários:

  1. Estou acompanhando contigo e vivendo tuas emoções...E foram tantas! De tooooooooooooooodos os tipos, não? beijos, chica

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  2. PARABÉNS SUZY PELA TUA ESCOLHA E MUITO OBRIGADA POR COMPARTILHAR TUDO ISSO COM NÓS!!!
    NO AGUARDO DA PARTE IV DE SUA MARAVILHOSA HISTORIA!
    ;)

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  3. Suzy linda história!!!! Mas acabar assim no melhor da história com climão de suspense,(embora eu saiba que o Felipe nasceu lindo, saudável e que tu está viva!!!!! rsrsrsrs)é pra matar as amigas leitoras ávidas e vorazes!!!!! Mania de escritora tu já tem (acabar no auge da história). Bjos lindonaaaaaa

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  4. Oi Suzy,
    Li suas últimas 3 postagens e só posso
    concluir que vc é muito corajosa e determinada
    afinal encontrar aliados (nesse caso específico),
    não é fácil.
    Consigo entender a posição e a preocupação dos médicos,
    assim como entendi sua decisão e percepção
    acerca de ter um parto normal após 3 cesáreas.
    Sei que seu relato sobre esse tema ainda não terminou,
    e eu estou aguardando o desfecho!
    Ah e quanto as doulas, acho tão bonito o trabalho delas.
    Na minha cidade (Sorocaba/SP), desde o ano passado existe uma lei municipal onde as maternidades da rede pública ou privada, são obrigadas a ter doulas durante o trabalho de parto e no pós parto também, desde que seja solicitada pela parturiente. Mas daí (ouvindo relatos), pude perceber que a maioria das pessoas, desconhece o trabalho dessas profissionais e o suporte que elas oferecem.
    Bom fim de semana :)
    Beijos!

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  5. Suzy minha amiga querida, nos dê notícias!!!

    Como você está? O que foi resolvido afinal???
    Vi nos comentários que seu filho nasceu lindo, mas afinal, como foi???
    Que seja muito bem-vindo o Felipe e que vocês dois estejam bem e com saúde.

    Bjs amiga querida.
    Leila

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  6. Parece que estou diante de uma tela de cinema. A sua narração é tão emocionante quanto de fato é emocionante a sua saga, por que somente uma mulher de muita fé e coragem chegaria até onde chegou. Parabéns querida amiga. Só agora pude voltar aqui, mas já estou seguindo para o outro episódio, com o coração batendo forte. Bendito o amor verdadeiro, que sempre nos salva,

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