Imagem: arquivo pessoal |
A
Porta Escancarada
Não aconteceu de uma
hora para a outra, foi um processo. A porta escancarou-se. Eu definitivamente
desejava viver a experiência de um parto humanizado. Quando me refiro ao parto
humanizado, não descarto de vez a cesárea, mas me refiro a um parto sem
violência obstétrica, preferencialmente normal, que acontecesse sem intervenções
desnecessárias após eu entrar espontaneamente em trabalho de parto. Se o
desfecho fosse a cirurgia, queria a garantia de que ela não seria eletiva como
as anteriores e sim por real necessidade.
Meu desejo não nasceu
movido pela vaidade, como muitos pensaram. Nem foi uma adesão a modinha do momento – absurdo dizer que
mulheres que lutam para não mais serem violentadas no momento sublime de suas
vidas o fazem por modismo!!! Logo eu, que não ligo a mínima para a opinião
alheia, me deixaria levar por argumentos que não fossem sólidos e baseados em
evidências?!
Visitei muitos médicos e
todos tentaram me dissuadir de meu intento. Continuei estudando e ponderando a
respeito. Meu marido comigo em todas as consultas, ainda sem opinião
definitivamente formada. Entendemos que, dentro do plano, não conseguiríamos o
parto que eu almejava. Passamos a pagar consultas particulares e sonhar que
alguma equipe abraçaria nossa causa. Uma amiga, que prefere permanecer no
anonimato, abraçou: ofereceu-nos empréstimo dos valores, assim a questão
financeira deixou de ser problema. Um sol enorme e radiante nasceu para nós,
estávamos confiantes.
Mas a alegria não durou:
não encontramos equipe que se sentisse segura para viver tal experiência
conosco, todos com quem contatei tinham seus motivos ou então criavam desculpas para pular fora do barco furado que
aparentemente era meu vba3c. Esse contexto me acompanhou a gestação inteira,
sendo que não houve uma semana sequer em que não fiz algo para atingir meu
objetivo. Dispus-me a fazer tudo ao meu alcance e de fato o fiz, procurando
todos os profissionais de cujo nome ouvia falar, pagando diversas consultas
particulares, rodando quilômetros até os consultórios indicados, mas foi tudo
em vão.
Foi frustrante! Eu
finalmente sabia com todas as minhas forças o que queria, e estava pronta para
assumir os riscos. A porta que só abre por dentro estava escancarada. Mas do
lado de fora, ninguém. Passei a me perguntar: onde estavam aqueles que haviam
me ensinado a acreditar? Que proclamavam nas mídias sociais, em palestras, livros, a humanização do atendimento à
gestante?
A maior decepção foi, na
maioria das vezes, não obter qualquer retorno para minhas solicitações.
Escrever implorando ajuda, ou pelo menos alguma orientação, e receber o nada
como resposta. Ser ignorada por quem afirmou que iria acolher. Não seria mais
honesto conversar francamente comigo e dizer “Lamento, mas o Conselho de Medicina não me autoriza a realizar o
procedimento que você solicita” do que impor o silêncio ao meu desespero
por respostas? Não seria mais justo admitir a impotência diante do sistema e me
deixar saber que no Rio Grande do Sul não se pode parir, porque os médicos
humanizados são visados e diante de mínima intercorrência são submetidos
praticamente à fogueira em praça pública? Precisei descobrir por mim mesma o
contexto de perseguição estabelecido em meu estado, após chorar sozinha por
muitas noites, sentindo-me rejeitada e abandonada em meus anseios.
Lamentavelmente, senti
desconsiderado meu histórico e o fato de, por 3 vezes, ter sido engolida pelo sistema e ter tido
meus partos roubados. Fui empurrada, pela quarta vez, para uma cesárea que eu
não queria, mesmo sentindo que meu corpo era perfeito e estava preparado para
parir.
Meus
Porquês
Tentei viver um parto
normal há 10 anos, em minha primeira gestação. Faltou conhecimento, fui para o
hospital diante do que me parecia os primeiros sinais de trabalho de parto. Não
havia dilatação. Fui logo para a ocitocina. Quase 24h depois das primeiras
contrações, havia dilatado apenas 3 cm mas já não suportava as dores que
sentia. Passaria dias naquele ritmo... Eu não aguentaria (consequência da
indução!), de modo que aceitei de imediato a cesárea quando me foi proposta.
Nasceu meu primogênito sem que eu soubesse o que é de fato um trabalho de
parto: Arthur veio ao mundo durante os pródromos, as contrações de treinamento!
E eu ganhei um rótulo que carreguei por quase toda a vida: não dilato. Vim com
defeito de fábrica. Sou a sem dilatação.
Gabriel nasceu 1 ano e 7
meses depois. Fui ensinada que, uma vez
cesárea, sempre cesárea, e também que meu útero romperia se me rebelasse e
tentasse parto normal antes de 2 anos da cesárea anterior! Bastava de
argumentos para uma leiga, agendei a cirurgia. Olhando para trás, vejo em mim uma mulher se afogando em mitos por pura falta
de informação correta! Simplesmente segui a correnteza, sem entender e sem
questionar os procedimentos... Meu filho nasceu quase prematuro, enquanto
mulheres bem informadas estavam vencendo o sistema e parindo seus bebês pouco
mais de um ano após suas cesáreas, pois isso se comprovou perfeitamente
possível para a grande maioria das mulheres.
Contudo, nada se compara
ao parto de Sofia! Sem qualquer aviso prévio a respeito, meu marido, que
assistiu as 2 primeiras cesáreas, foi impedido de me acompanhar no parto de
nossa princesa. Fui conduzida sozinha para o bloco cirúrgico, de lá para a sala
de recuperação, e finalmente para o quarto, sem acompanhante algum. Sentia-me
tensa e fragilizada sem a esperada presença de meu esposo, por isso não
consegui relaxar durante a anestesia. Por causa disso fui xingada. Depois ainda
tive de ouvir piadas da anestesista em relação ao número de filhos, enquanto
fazia o procedimento.
Nessas condições
lamentáveis, nasceu minha menina e, quando pensei que iria vê-la e tocá-la, lá
se foi ela chorando desesperadamente nos braços do pediatra sem sequer
sentirmos o cheiro uma da outra, sem nos olharmos nos olhos, sem nos
conhecermos! Ela, que nasceu com apgar 10 e 10, foi inexplicavelmente roubada
de mim, levada para longe e esfregada por desconhecidos numa série de procedimentos
eletivos. Fui vê-la muitas horas depois, e até hoje sinto e choro a dor daquela
separação desnecessária e traumática para mim e para ela. Não merecíamos! Ficou
óbvio para mim que algo estava errado e um parto não deveria acontecer daquela
forma.
Naquele momento tomei a
decisão: não passaria por aquilo novamente. Não permitiria que meu filho fosse
levado de mim. Não aceitaria. Exigiria o respeito merecido em nossa hora
sagrada!
Quando me descobri
grávida, senti arrepios ao pensar numa quarta cesárea. Eu realmente não queria,
não via tal cirurgia em meu caminho! Não temia a recuperação, que fora
excelente nas ocasiões anteriores, mas o desrespeito em circunstâncias que me
tiravam totalmente a autonomia e o protagonismo. Acreditava que havia outro
caminho e que eu tinha saúde suficiente para trilhá-lo com segurança. Por isso
não abriria mão de meu vba3c sem ter feito tudo, realmente tudo dentro de
minhas possibilidades para torná-lo viável.
Suzy Rhoden
Amiga, me emocionei com os 3 relatos! É impossível não vivenciar com vc, viajar nessa experiência de luta, decepções, mas tbm de muita perseverança! Te admiro muito, vc sabe disso. Qualquer outra teria desistido, mas não vc! Tua maturidade já conhecia, e essa tua força, que sempre suspeitei, se confirmou! Já te comparei a uma flor: delicada aos olhos, mas resistente ao sol que arde e queima! Vc não se deixou queimar pelo descaso do sistema, nem pela preguiça dos médicos, que tão bem conheço! Não é a medicina, como dizem, uma missão, um apostolado?... Tá bom! Isso fica lindo nos romances de ficção!
ResponderExcluirPenso que os caminhos que vc teve que trilhar te fez ainda mais forte, e o final feliz com mais sabor... Vou aguardar para comprovar!
Bjobjo!
E que legal que conseguiste o teu intento, não? bjs, tudo de bom,chica
ResponderExcluirLindo feriadão! chica
Oi Suzy,
ResponderExcluirMe sinto cada vez mais emocionada com a sua trajetória , sua garra e coragem para enfrentar todo um sistema que simplesmente sai na contramão, querendo modificar e suplantar a natureza. Claro, reconheço que você também é essa pessoa esclarecida, culta (só em ler seus textos ) e seus argumentos eram fortes e verdadeiros e sabendo lutar pelo que queria, foi adiante identificando-se mais ainda com sua condição de mãe. Sua coragem foi mesmo calçada e moldada na sua grande fé em Deus e como resposta ele te presenteou lindamente com Felipe. Parabéns mais uma vez .
bj grande.
Ah! Voltei pra dizer que a foto acima está maravilhosa, angelical. Adorei. bjs.
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