Arquivo pessoal |
O
Marido/O Pai/O Companheiro
“A
maioria dos casamentos bem-sucedidos exige um elevado grau de tolerância mútua.
A vida é como uma viagem de trem à moda antiga – com atrasos, paradas, fumaça,
poeira, cinzas, solavancos e apenas ocasionalmente belas paisagens e trechos em
alta velocidade. O segredo é agradecer ao Senhor por deixar-nos fazer a viagem”
Gordon B. Hinckley
Sem equipe, passei meu
pré natal pulando de médico em médico. Fiz todos os exames, no seu devido
tempo, mas recebia a requisição de um e apresentava o resultado do exame a
outro. Precisava do convênio, então tinha de me submeter a muita conversa
fiada, que ouvia com cara de paisagem. Já tinha minha historinha montada e a
repetia sempre que necessária: vou para o hospital público ter meu bebê através
de cesariana assim que completar 39 semanas de gestação.
Jeff, o maridão, esteve
comigo em cada consulta, ecografia, exame, etc, do início ao fim da gravidez.
Assistiu comigo O Renascimento do Parto, filme muito importante para quem
deseja mergulhar no mundo da humanização. Não leu os livros que li porque não
precisou: eu lia para ele. Foi companheiro incansável e insubstituível, o
melhor que uma mulher na minha situação poderia desejar.
Se no primeiro trimestre
da gravidez ele se imaginava viúvo toda vez que eu falava em parto normal (99%
dos médicos que visitamos fazia questão de transmitir exatamente essa mensagem),
no terceiro trimestre o próprio perguntou como eu me sentia em relação ao parto
domiciliar (!!!). Não caí porque já estava sentada quando tivemos a conversa. Perguntei de onde
ele tirou autoconfiança para praticamente
propor um parto domiciliar, quando sequer equipe para parto hospitalar nós
tínhamos. E ele respondeu: “De ti! Tenho
certeza absoluta de que tu vais ter um parto normal, porque tu não desiste
daquilo que quer. Se não puder ser hospitalar, tu vais arrumar outro jeito, e
vai fazer acontecer. Teu parto normal já é uma certeza pra mim”.
Fui ao céu e voltei
naquele momento! Nenhum elogio teria tido efeito mais poderoso em mim do que
aquelas palavras do marido, recebi como
declaração de amor – a mais bela de todas – e garantia de apoio
incondicional. Jeff já era muito presente, mas a partir daquele momento
tornou-se um parceiro incrível de planos em relação ao nascimento do bebê
Felipe.
Quanto ao parto
domiciliar, estudei o suficiente para saber que quando planejado e assistido
por equipe competente, é totalmente seguro para gestantes de baixo risco.
Infelizmente não era meu caso. Embora vivesse a gravidez mais saudável de
todas, não podia desconsiderar o histórico de cesáreas prévias e agir como se
fosse loteria, dando margem à sorte ou ao azar. Tudo precisava ser
cuidadosamente avaliado e o plano deveria, obrigatoriamente, considerar a
possibilidade de alguma intercorrência e necessidade de intervenção. Por isso a
escolha do parto normal hospitalar.
Mas, confesso, em nossos
devaneios, Jeff e eu protagonizamos o mais lindo e romântico parto domiciliar,
cercados por nossos filhinhos, aos cuidados de equipe humanizada... Tivemos o
zelo de não tornar público nosso vislumbre, pois era bem capaz de sermos
advertidos do risco de meu útero romper até nos sonhos (rsrsrs)!!! Parece
engraçado, mas a visão distorcida em relação ao parto humanizado, sobretudo o
domiciliar, nos fez ouvir muitas asneiras do tipo ao longo dos 9 meses
grávidos...
A
Doula
Além do melhor
companheiro de todos os tempos, eu tinha também a melhor doula: Ana Lu. Jeff e eu a conhecemos
pessoalmente em um encontro no grupo de apoio à gestante. Dali em diante,
passamos a ter contato contínuo pela internet.
O apoio que me faltou em
termos técnicos, não faltou emocionalmente, pois Ana Lu foi suporte infatigável
a minha disposição. Nunca duvidou de minha capacidade de parir e, quando todos
me viraram as costas, ela ainda estava ali, segurando minha mão e confiando que
tudo daria certo.
Entendi na prática qual
é o trabalho da doula e, sinceramente, é o trabalho mais lindo do mundo, feito
de amor! As doulas não fazem parto – um dos absurdos que se ouve com muita
freqüência – não realizam toque, não fazem procedimentos, nem nada do tipo. Sua
função é acompanhar a gestante desde o pré parto, fornecendo informação correta
para que a mulher, munida de conhecimento, faça suas próprias escolhas. Durante
o parto, a doula auxilia com massagens, orientação relativa à respiração,
escolha da melhor posição, alternativas naturais para alívio da dor, etc. Ou
seja, fornece suporte físico e emocional. A doula ainda ressurge no pós parto
para acompanhar a puérpera na amamentação e sanar dúvidas que possam existir. É
um trabalho de completa doação, que não tem horário específico pra começar nem
terminar, e não preciso dizer que geralmente tem seu ápice em plena madrugada.
Não tive doula nas 3
primeiras gestações – nem fazia ideia de que elas existiam neste mundo. Agora que conheço seu trabalho,
minha observação é uma só: toda gestante MERECE ter uma doula!
O
Parto Normal no Hospital Público
Ana Lu foi sensacional,
o tempo todo buscando alternativas comigo e acolhendo minhas angústias. Com o
apoio dela e do marido, e sem mais ninguém, passei a considerar a ida ao
hospital público já em trabalho de parto ativo, mais especificamente durante o
expulsivo. Em outras palavras, eu chegaria parindo ao local, inviabilizando a
cirurgia.
Para avaliar melhor as possibilidades,
marido e eu fomos até o Grupo Hospitalar Conceição de Porto Alegre conhecer o
Centro Obstétrico. No local, fomos recebidos pela enfermeira Camila. Nos
apresentamos como casal gestante, mas propositadamente omitimos nosso histórico
de cesáreas prévias. Camila nos conduziu até as salas de pré parto Maria e
Conceição (sim, as salas tem nome, que fofo!) e foi amor à primeira vista!
Decidi que queria parir ali de qualquer jeito. Aquelas salas tinham tudo que
uma mulher deseja, todos os recursos para um parto humanizado inesquecível. Eu,
que até então havia conhecido apenas o bloco cirúrgico, fiquei deslumbrada!
Mas o sonho durou pouco.
Logo nos encontramos com o médico plantonista do dia – um dos tantos que
procuramos anteriormente em busca do parto humanizado – e nossa realidade veio à tona: sem chances de
passar pela salinha mágica. Eu poderia até aguardar os primeiros sinais de
nascimento do bebê, mas deveria correr para o hospital pra ser submetida à
cirurgia. E se eu chegasse parindo? Camila foi sincera ao dizer que não
empurravam o bebê de volta (achei tão engraçado rsrsrs), mas que ainda assim eu
iria direto pro bloco cirúrgico e somente poderia parir lá. Ou seja, nem sala
Maria e nem sala Conceição.
Que raiva dos partos roubados
me deu nessa hora! Tantos recursos que eu jamais conheceria nesta vida... Privilegiadas
são as primíparas, que podem parir na posição de sua escolha, com direito a
massagem, bola suíça, meia luz, playlist... E pensar que ainda assim muitas
optam pela cesárea, procedimento que nos tira toda autonomia... Coisa bem
esquisita!
Camila foi excelente
anfitriã. Se fosse minha primeira gestação e eu estivesse em dúvida entre parto
normal e cesárea, certamente iria querer parir depois daquela visita! Percebi
reflexos muitos presentes da humanização naquele setor do hospital. Uma lástima
não serem acessíveis a mim por razões já mencionadas.
De
Volta à Estaca Zero
“Empoderamento
feminino é uma das expressões em voga. Eu acho uma linda expressão, realmente,
SE não se tornar um dogma. SE não retirar da lista todos os fracassos, todos os
medos, todas as incertezas, todas as ações tortas. Para mim, uma mulher
empoderada não é a Mulher Maravilha. Ela não tem superpoderes. Ela não está
sentada sobre certezas absolutas. Ela não tem o dedo apontado pra sociedade.
Ela não usa tantos pontos finais.
(muitas
vezes, hesita)”
Claudia Pucci Abrahão
As semanas avançavam e o
contexto seguia o mesmo: sem equipe. Por volta das 34 semanas, eu estava à
beira do desespero, pois se aproximava a dpp (data prevista de parto) e eu ainda
não tinha ideia do que faria. Não me envergonho de dizer que vivi a minha hora da covardia (uma das fases do
parto) também na gestação: contatei a doula e disse que tudo estava além de
minha capacidade emocional de suportar, não havia como arcar com tudo sozinha.
Eu desistia.
Ana Lu me respeitou em
minha escolha, não exerceu qualquer pressão, e ainda agiu com empatia. Entendia o quanto as coisas se tornaram
difíceis para mim, pois toda porta que se abria, logo adiante se fechava bem na
minha cara! Era um teste de resistência que nunca acabava. Então cansei.
Quero dizer, pensei que
havia cansado. Pois as palavras diziam uma coisa para a doula, e o coração
gritava outra. No fundo, nunca desisti de fato. Apenas me distanciei
momentaneamente como quem se afasta para tomar fôlego, e então retorna com
energias renovadas, para seu melhor performance. Voltei mais determinada do que
nunca. Tal determinação mostrou-se fundamental para enfrentar o novo desafio
que apareceria em meu caminho...
36 semanas e uma
revelação aterradora: Ana Lu, por motivo pessoal, de força maior, não poderia
mais me doular e acompanhar no parto. Entendi perfeitamente a necessidade de
Ana Lu, e sua incapacidade de me assistir por mais que desejasse de todo
coração fazê-lo. Mas foi como tirar o chão debaixo dos pés de uma mulher que,
àquela altura, só tinha o chão e mais nada! Comecei a rir de minha situação, que mais
poderia fazer?!
Para completar o desastre
das semanas finais, a médica que acompanhava meu pré natal informou que aquela
era nossa última consulta, já que na segunda-feira seguinte eu deveria me
apresentar no hospital para a cesariana. Argumentei que nessa data eu estaria recém
entrando nas 38 semanas, e ela disse que era justamente esse o problema, eu já
deveria ter ido para o hospital (!!!). Claro que ela não queria mais me ver
(medo de responsabilização caso algo acontecesse comigo e o último nome na
carteirinha fosse o dela?), despediu-se e me deixou a pensar o que fazer na
reta final, quando precisava de acompanhamento semanal para monitorar o bebê,
mas em qualquer lugar que chegasse, tanto pelo convênio quanto pelo SUS, seria
encaminhada de imediato para cesárea. Seria o fim da linha???
Suzy Rhoden
Estou acompanhando contigo e vivendo tuas emoções...E foram tantas! De tooooooooooooooodos os tipos, não? beijos, chica
ResponderExcluirPARABÉNS SUZY PELA TUA ESCOLHA E MUITO OBRIGADA POR COMPARTILHAR TUDO ISSO COM NÓS!!!
ResponderExcluirNO AGUARDO DA PARTE IV DE SUA MARAVILHOSA HISTORIA!
;)
ResponderExcluirSuzy linda história!!!! Mas acabar assim no melhor da história com climão de suspense,(embora eu saiba que o Felipe nasceu lindo, saudável e que tu está viva!!!!! rsrsrsrs)é pra matar as amigas leitoras ávidas e vorazes!!!!! Mania de escritora tu já tem (acabar no auge da história). Bjos lindonaaaaaa
Oi Suzy,
ResponderExcluirLi suas últimas 3 postagens e só posso
concluir que vc é muito corajosa e determinada
afinal encontrar aliados (nesse caso específico),
não é fácil.
Consigo entender a posição e a preocupação dos médicos,
assim como entendi sua decisão e percepção
acerca de ter um parto normal após 3 cesáreas.
Sei que seu relato sobre esse tema ainda não terminou,
e eu estou aguardando o desfecho!
Ah e quanto as doulas, acho tão bonito o trabalho delas.
Na minha cidade (Sorocaba/SP), desde o ano passado existe uma lei municipal onde as maternidades da rede pública ou privada, são obrigadas a ter doulas durante o trabalho de parto e no pós parto também, desde que seja solicitada pela parturiente. Mas daí (ouvindo relatos), pude perceber que a maioria das pessoas, desconhece o trabalho dessas profissionais e o suporte que elas oferecem.
Bom fim de semana :)
Beijos!
Suzy minha amiga querida, nos dê notícias!!!
ResponderExcluirComo você está? O que foi resolvido afinal???
Vi nos comentários que seu filho nasceu lindo, mas afinal, como foi???
Que seja muito bem-vindo o Felipe e que vocês dois estejam bem e com saúde.
Bjs amiga querida.
Leila
Parece que estou diante de uma tela de cinema. A sua narração é tão emocionante quanto de fato é emocionante a sua saga, por que somente uma mulher de muita fé e coragem chegaria até onde chegou. Parabéns querida amiga. Só agora pude voltar aqui, mas já estou seguindo para o outro episódio, com o coração batendo forte. Bendito o amor verdadeiro, que sempre nos salva,
ResponderExcluir