Lembro de minha vida de universitária com saudades. São
muitos os episódios memoráveis, dentro e fora de sala de aula. Quando chegavam
as férias, a cidade universitária ficava deserta, permanecendo ali somente os
bolsistas envolvidos em pesquisas. Era o meu caso e o de alguns amigos. Para
não surtar, elaborávamos programas alternativos para o fim de semana, incluindo
boa dose de aventura e adrenalina.
Numa dessas ocasiões, decidimos subir a Serra de Santa Maria
e explorar as diversas cachoeiras existentes na região. Enchemos uma caixa
térmica com carne para o churrasco, outra com bebidas, e mais algumas mochilas
com água e lanche. E lançamo-nos à aventura.
O passeio ia muito bem, as cachoeiras eram incrivelmente
lindas! Tão lindas que nos estimulavam a pensar nas mais ousadas poses para
fotos... Uma delas, fizemos de mãos dadas de um a outro lado do rio, sobre a
represa improvisada poucos metros acima da queda das águas. Tenho vontade de
gritar de pavor quando relembro a cena em minha mente, pois bastaria o
desequilíbrio de um de nós, para todos cairmos e sermos engolidos pelas
violentas águas a nossa frente. Se o trágico desfecho não se deu conosco,
tivemos a demonstração exata do que aconteceria quando a caixa de bebidas
escapou das mãos de Giovano e precipitou-se cachoeira abaixo... Assistimos de
longe à explosão das latas quando se chocavam com a água, após a queda.
Mas a aventura ainda não estava completa: faltava chover. E
choveu, apesar do sol com o qual deixamos o centro de Santa Maria. As escadarias que ligavam uma cachoeira a
outra, antes seguras, agora eram lisas e escorregadias. Um passo em falso e
seríamos lançados no precipício. Sem nossas bebidas, tínhamos também o
churrasco comprometido em função do mau tempo. Ainda assim, confiantes numa
passageira chuva de verão, avançamos.
Finalmente chegamos a um afluente do rio principal, e
decidimos nos aventurar por ele, com água ora pela canela, ora pelo pescoço. Ao
longo do rio, encontramos bifurcações, para as quais fazíamos escolhas ao
acaso. Depois de algumas horas, alguém se lembrou de perguntar: para onde
exatamente estamos indo? E como retornamos? Então veio a brilhante constatação:
estávamos perdidos!
Não tínhamos a menor ideia de nossa localização. A aventura
começou a ganhar ares de filme de terror, só faltava a mansão mal assombrada...
Não faltava mais, acabamos de vê-la! Bem a nossa frente, imponente, num ponto
alto da serra. Atraídos por ela, alcançamos a margem do rio e subimos na
direção da casa de pedras. Matos crescidos em volta davam indícios de abandono,
como se nenhuma alma habitasse ali. Ou, pior, de que talvez somente as almas se sentissem à vontade
naquele lugar...
Corajosamente avançamos. A construção era impecável, no
melhor estilo medieval, o que causava sobre nós fascínio absoluto. Recoberta
por pedras grandes, apresentava torres nas suas laterais, simulando um castelo
dos contos-de-fadas. As janelas ogivais não deixavam dúvidas quanto à inspiração no
estilo gótico, embora o vidro transparente insinuasse a influência
renascentista. Curiosos, contemplamos a mobília, numa vã tentativa de precisar
há quanto tempo não era utilizada. Meses, anos, talvez décadas? Assim
deliberávamos, até sermos interrompidos pelo grito abafado de Danni, pálida,
apontando para o alto da escada...
Era um caixão, não havia dúvidas! Na parte superior da casa,
mas perfeitamente visível para nós, que nesse momento tínhamos os rostos
colados ao vidro. Não ousávamos falar, sufocados tanto pelo medo, quanto pela
adrenalina do momento. Muitas vezes ouvíramos histórias sobre casas
mal-assombradas, e todas incluiam um caixão. Mas nunca levamos a sério,
discerníamos perfeitamente bem realidade e ficção. Agora tudo parecia confuso,
como se tivéssemos sido subitamente projetados em um filme de terror.
Finalmente, o silêncio foi rompido. Considerando a tensão na
qual nos encontrávamos, ouvir algo foi um alívio... Até darmo-nos conta de que
nenhum de nós havia falado! Como numa coreografia ensaiada, giramos nossas
cabeças na direção da voz inquiridora, e nos deparamos com um homem em pé entre
as hortênsias, a fitar-nos com seriedade.
Há quanto tempo nos observava? Ou teria se materializado ali naquele
instante? Um calafrio percorreu-nos a espinha enquanto ele repetia, com voz que
parecia vir de outro século, a pergunta intimidadora: “O que vocês procuram
aqui?”
- Não procuramos nada não, senhor! Apenas nos perdemos de
nossa trilha, mas não se preocupe que já estamos indo.
E fomos. Em disparada, sem olhar pra trás. Talvez porque o
olhar do homem não fosse muito amistoso... Ou porque ele parecesse tão antigo
quanto as pedras do local. Seria ele o caseiro? Ou quem sabe o dono do
caixão... Definitivamente, não queríamos saber a resposta: há momentos em que a
dúvida é o melhor que se tem.
Pelo menos para algo serviu o episódio com o homem:
encontramos rapidamente o rumo de casa. A partir de então, toda vez que alguém
teve a ideia de me convidar pra subir a Serra, respondi com convicção: Eu
adoraria, mas sabe como é vida de bolsista da faculdade, muita pesquisa pra
fazer... Vai você, depois me conta como foi!
Suzy Rhoden
rsrsrs, Suzy, esta é uma história macabra, mas muito bem contada, nos leva em suspense do começo ao fim, e daquelas que eu jamais gostaria de passar. Não gosto de rios, mares, muito mato... coisas assim, que muitas vezes não dão pé. Gosto da certeza; de jardins, bosques...
ResponderExcluirDiria que estas tuas férias foram um pesadelo. Sei bem como são estas escadas que ligam os rios ou cachoeiras. Esta tua narrativa de férias, amiga, é uma história de terror... Imagine teus filhos numa enrascada destas! Como te conheço, sei que nem imaginas.
Dar de cara com uma casa destas e um homem que parece ter surgido do além... credo. Desculpe, mas tenho de rir das tuas trapalhadas! Deves conhecer aquele teleférico de Canela, não? Pois amiga, eu gritava e ria sem parar. Não sentia o chão. Que horror.
Olha, tuas histórias são meio apavorantes, ainda lembro daquela da estrada... Mas por favor, não meta mais a mão em cumbuca escura. Fique mais quietinha. rsrs
Grande beijo
Tais Luso
Pôxa! Que experiência arrepiante Suzy, cheguei a ouvir o barulho da porta rangendo, rsrs. Todos já tivemos uma idade em que o gosto pela aventura não nos deixa ver os riscos que corremos. Tempos depois é que vamos nos dar conta disso, mas sempre é muito bom lembrar, rir ou chorar desses momentos únicos.
ResponderExcluirUma delícia de ler o seu texto, perfeito!
Beijos
Oi Suzy :)
ResponderExcluirEssa história daria um filme muito legal:cheio de aventuras,muita adrenalina e terror!!!rsrs
Adorei a crônica.
(Quem seria o tal senhor hein?!)
Bjs!
Boa semana!
Noooooossa, que história,Suzy! Contada com riqueza de detalhes nos coloca lá, juntinho,Ui!!!
ResponderExcluirAdorei e tu sabes prender o leitor... beijos,tuudo de bom,chica( exames do Kiko deram ruim novamente ontem.Agora iniciaremos a radioterapia!Hora de pensar mais positivo ainda!)
beijso,chica
Olá,Suzy!!!
ResponderExcluirQuanta aventura e principalmente que susto em?!!rsrsr
Bah!Tenho horror de casas antigas!!!rsrs
beijos!