É
engraçado. Até metade do ano, aproximadamente, o alvo de nossa fúria era o
clima e suas intempéries. Quantas vezes reclamos do inverno inclemente,
lastimamos as calorias que ele nos acrescentou, o bom humor que nos roubou e a
liberdade que nos subtraiu? Como se fosse ele o responsável por nossas escolhas
covardes, o ameaçador Monstro das Neves, capaz de nos amarrar, amordaçar e
impor sua vontade. Agora, nesta época do ano, temos novo alvo, e é contra ele
que lançamos nossos dardos inflamados: o tempo.
Quem
nunca foi parado na rua por um sujeito que se dizia apressado e, contudo,
abusou de nossos preciosos minutos com frases do tipo: “Que correria! Estou sem
tempo para nada!”, “Que loucura, já é outubro! Daqui a pouco é Natal! Este ano
voou...”, “Não vi este ano passar, e já estamos praticamente em dezembro!”? E
segue a lista dos desavisados, apavorados com a velocidade do tempo, que,
insistem em dizer, aumentou nesta metade do ano. Será?!
Não.
O tempo segue seu curso, como sempre. Mas para alguns, até julho têm-se a
impressão de se ter tempo de sobra... E tarefas se acumulam para a metade
seguinte. Quando ela chega, que susto! Tanta coisa para fazer, e as mesmas 24h
de sempre. A pessoa surta. E o surtado não se conforma sem espalhar seu pânico,
sendo capaz de parar outros na rua para dar a notícia: Veja, agora, graças a mim,
você também está atrasado para seu compromisso.
A
‘falta de tempo’ tornou-se comprovadamente a doença da sociedade moderna. Ela é
real e atinge a todos. Confessemos: o surtado nos infectou. Voltamos para casa
apavorados, com a sensação de o ano estar acabando e nada de útil termos feito,
nenhuma realização significativa. Para curar a depressão causada pela falta de
tempo, corremos então para as salas virtuais de bate-papo e ali choramos nosso
drama, expomos nosso dilema, sendo rapidamente confortados com a idéia de que
isso acontece com todos e que não devemos nos preocupar exageradamente, temos
que aproveitar a vida fazendo aquilo de que gostamos. E voltamos ao ócio
desavergonhadamente, até o encontro casual com o próximo surtado.
Em
questão de tempo, é isso mesmo o que acontece: alguns se desesperam, outros se
acomodam julgando-se impotentes diante das horas que passam. Poucos de fato se
organizam, estabelecem prioridades e têm a coragem de eliminar de sua vida as
distrações, verdadeiras parasitas que se alimentam de nossos segundos mais
ricos e preciosos. Ian S. Ardern, líder eclesiástico, alertou-nos recentemente
acerca dos ventos da procrastinação, que nos impelem de uma atividade desperdiçadora
de tempo para outra. E aquilo que realmente importa vai ficando para quando não
tivermos mais forças nem energia. Nesse momento é que surgem os estressados.
Sabem que precisam dar conta daquela tarefa, ou administrar tal situação, porém
não conseguem fazê-lo eficientemente, pressionados pelos prazos esgotados e
emocionalmente fragilizados.
O
problema das distrações é que elas não se apresentam de ‘cara lavada’ diante de
nós. São dissimuladas e persuasivas. Em nenhum momento dão a entender seu
vínculo com o ócio, o disfarce habitual é o de produtividade. Porém, ledo
engano. Um exemplo clássico é a televisão. Quantas mães de família chegam exaustas
do trabalho e se concedem o direito de assistir a novela, dizendo para si
mesmas que merecem, que é seu único lazer. De lá saem perto da meia-noite,
quando se encerra a última transmissão. Os filhos já dormindo, e ela nesse
momento se culpando por nem sequer ter perguntado como foi a escola, não ter
conseguido auxiliar nos temas e ainda ter a casa para organizar. No dia
seguinte, a rotina é a mesma, pois é preciso saber o desfecho da cena de
suspense que encerrou a novela no capítulo anterior. E o vício, disfarçado de
entretenimento merecido, finca suas raízes.
Pior
do que o exemplo clássico é o moderno: quantos de nós trabalhamos conectados na
internet, interagindo as tardes inteiras nas redes sociais? Um olho no
trabalho, outro na mensagem que chega. Meio da tarde, hora do lanche, mas não
saímos do lugar sem antes atualizarmos nosso status: intervalo. Quando
retornamos, mais alguns minutos são gastos para compartilhar a nova informação:
voltei! E assim passa nosso dia, com o mundo inteiro sabendo quantas vezes tomamos
água, enquanto trabalho se acumula sobre nossa mesa e estresse garantido se aloja
em nossas mentes assoberbadas. Ninguém poderá dizer que estivemos ociosos, mas
será que dormimos tranqüilos à noite, com a agradável sensação do dever
cumprido, tendo a certeza de termos sido produtivos? Fazer algo
ininterruptamente não é garantia de que algo realmente útil e importante foi
feito.
Identificar
as distrações que nos fazem perder tempo é o primeiro passo. Depois é preciso
mudar aquele velho conceito de que o tempo é um cavalo veloz, passando por nós
em disparada. Pensamos que o segredo é montar nele e utilizar as rédeas. Isso
não existe, o tempo não altera ou diminui seu ritmo. O que chamamos de domínio
do tempo, segundo o jornalista Jean-louis Servan-Schreiber, só pode querer
dizer controle de nós mesmos em relação ao tempo: a capacidade de dominar
coisas que nos roubam tempo precioso ao invés de sermos dominados por elas. E
isso, em seu prólogo o escritor já enuncia, não se aprende na escola – bem como
todas as coisas importantes da vida. A experiência, o esforço contínuo e a
disposição real de sacrificar tudo que não é prioritário garantem o sucesso na
área, e isso pode significar uma vida inteira de aprendizado e raros casos de
mestria. Não ceder aos impulsos, portanto, é o segredo.
Lembro
do dia em que fui solicitada a dar um treinamento no assunto – uso sábio do tempo
– em Montes Claros, Minas Gerais. Quando me foi passada a palavra, pus-me a
organizar papeis sobre a mesa, cuidar de detalhes, reler meus apontamentos,
conduzindo minha platéia a semelhante desperdício de tempo: começaram a
conversar, perderam o foco da reunião, distraídos de seu propósito ali. Percebi
que o único impaciente era o líder que me havia incumbido do treinamento, então
me dirigi a ele: Quanto tempo tenho para o treinamento? Ele educadamente, mas
enfático, transmitiu a mensagem: 5 minutos a menos. Agradeci sua participação
perfeitamente adequada em minha demonstração e tratei de mostrar que em 5
minutos desperdiçados muitas vezes se perde o foco e o propósito de uma reunião.
E quem sabe até de uma existência.
Sendo
o tempo a própria trama da vida, é sábio fazer uso consciente dele. Que bobagem
atacá-lo com nossos murmúrios! Que tolice trocar o papel de protagonistas pelo
de platéia passiva, permitindo que outros assumam o controle de nosso bem mais
precioso. Precisamos gerenciá-lo nós mesmos, ocupando-nos zelosamente em nobres
causas, substituindo aquilo que vicia pelo que edifica, especialmente em nossas
merecidas horas de entretenimento. Para os que ainda estão confusos quanto ao
seu aproveitamento pessoal do tempo, fica a dica de Jean de La Bruyère, clara e
precisa:
“Os
que usam mal o seu tempo são os primeiros a queixar-se de sua brevidade”.
Suzy Rhoden
Gravataí,
08 de outubro de 2011
Que maravilha.Falaste bem e basta nos organizar internamente, o saberemos usar muito melhor e produtivamente... beijos,lindo fds!chica
ResponderExcluirOlá Suzy, penso que é preciso tanto cuidado para não usar o nosso tempo de um jeito qualquer, fazer dele algo precioso e aproveitar cada instante de forma organizada deve ser um objetivo constante.
ResponderExcluirBom fim de semana, beijos.
Voltei pra agradecer e desejar uma linda nova semana! beijos,chica
ResponderExcluirSuzy, um dia ouvi de uma pessoa ultra organizada: 'quanto mais coisas temos pra fazer, mais tempo sobra para fazermos mais!' É que a pessoa que produz, é organizada. E organizando nosso tempo, as coisas dão certo.
ResponderExcluirTambém já estive pensando nisso, num tal de 'tempo curto'. Na verdade nós é que encurtamos, nós é que nos estressamos sozinhos, por não conseguirmos fazer o que nos propomos.
Quando você falou nas novelas, na Internet... é a pura verdade; tem gente que senta e não levanta mais, veem de tudo; quando sentam no computador querem conexão com o mundo inteiro e quanto mais amigos, melhor. É claro que assim não dá.
Mas o ser humano reclama de tudo: do calor, do frio, da falta de tempo, da ociosidade. Estou esperando chegar o verão para ver as criaturas reclamarem do calor, na descida do elevador.
Adorei este texto.
Grande beijo, amiga.
tais