Enfim, dezembro. Aproxima-se o
Natal, e com ele ressurgem os bons sentimentos ignorados o ano inteiro. Quem
nunca fez caridade, agora se lembra dos pobres, separa brinquedos velhos para
doação; prepara, quem sabe, alguma cesta com alimentos não perecíveis; ou
qualquer coisa que o faça se sentir digno do espírito natalino. O que não pode
é dezembro passar em branco. A apatia social dos 11 primeiros meses é
facilmente apagada por um ato de amor, um único ato, desde que seja amplamente
divulgado – e as redes sociais estão aí para isso!
Mas há ainda um problema: o que
fazer com os desafetos, colecionados primorosamente ao longo do ano? Foram
cuidadosamente alimentados com palavras mordazes, rigorosamente alfinetados de
tempos em tempos, um trabalho perfeito de terror. Mas aproxima-se o Natal e o discurso não muda,
fala-se sempre em perdão. E agora, como driblar essa situação? Seria possível
um acordo temporário de paz? Ignorar a criatura é opção descartada, pois
desafeto que honra o título é colega de
trabalho, membro da família ou alguém do círculo inevitável de convivência
diária. Não é pessoa distante, da qual se pode livrar facilmente. É alguém
próximo, é parente, é ‘amigo’.
O desencargo de consciência em
relação aos pobres é coisa prática,
dá-se um jeito. Mas um desafeto causa muita dor de cabeça nesta época do ano.
Quem agüenta receber o ano novo ‘de mal’ com alguém? Dá azar, do pior tipo! E o
Natal, então, quando são relembrados cada um dos atributos de Cristo, com
ênfase especial para Sua capacidade de perdoar até mesmo os algozes que o
crucificaram! É desesperador passar o Natal com um desafeto, é garantia
inequívoca de crise existencial, de dramas de consciência e terrível sensação
de fracasso. É muito triste ver chegar a noite de Natal e, ao invés do Ho ho ho!
do Papai Noel, ouvir o riso sarcástico do desafeto deixando claro que ele é o
próprio presente grego da noite, incansável, dentro de nossa consciência
pesada.
Pensando em tudo isso, e em
outros Natais, neste me antecipo e mando um recado aos meus desafetos:
queridos, neste ano vocês não me atormentarão, não roubarão nem um segundo
sequer da minha paz! E sabem por quê? Simplesmente porque vocês não
existem! Pela primeira vez em minha
vida, considerando a fase adulta, termino o ano zerada nesse quesito! Nenhuma mágoa mal resolvida, nenhuma história
inacabada. Tudo em ordem, ficha limpa, só esperando o Natal!
Logicamente não foi sempre
assim. Mas a gente cresce, amadurece e tem a obrigação de aprender. Quando
recebi minhas rasteiras, pensei que
nunca fosse superar; que jamais fosse perdoar aqueles que me traíram. Mesmo já
bem crescidinha, minha reação imediata foi tola e imatura: excluí todos que me
fizeram sofrer de meus contatos virtuais. Foi um ato simbólico indicando que
estavam igualmente excluídos de minha vida. Hoje, ao invés da opção pela exclusão,
vejo a rede social sendo utilizada como meio para atingir publicamente os
desafetos. A roupa suja já não é lavada em casa, mas na lavanderia social
diante de todos os olhos. Não basta
resolver o problema ‘cara a cara’, é preciso garantir o rol de testemunhas online. Excluir pra quê?!
Melhor é atormentar. E então 500 contatos lêem 500 vezes no dia o que deveria
ser dito a uma única pessoa, na página dela...
Voltando ao meu caso, é claro
que eu afirmava que tudo estava bem e que aquelas pessoas não faziam falta a minha vida. Declarava minha indiferença a elas, que estava bem, estava
feliz. Mas quem acredita nisso? Ilusão de magoado é assim, engana a si mesmo fingindo
que indiferença é solução em relação a um desafeto. Não é verdade. Enquanto
não acontece o perdão, toda noite, antes de dormir, tiramos as
ataduras e colocamos o dedo na ferida. Ninguém vê ou sabe, mas é assim dentro
de nós. Mais corrosiva do que a própria
traição, é a mágoa que nos envenena.
Mudei minha visão e minha vida
quando um amigo inspirado, ciente de minha situação, me ensinou através de um
relato bíblico. Relembrou a história de Caim e Abel. O primeiro matou o
segundo, embora fossem irmãos. O que somos todos nós aqui nesta terra? Exato,
somos irmãos. Quando eliminamos alguém de nossa vida, motivados pelo orgulho,
seguimos o princípio de Caim e ‘matamos’ nosso irmão. Ouvir isso foi como levar
um choque! Não consegui parar de pensar... Eu fazia mal a mim mesma guardando
tanto rancor, sentia-me de fato uma assassina! Sabia que precisaria me esforçar muito para trazer de boa vontade
aquelas pessoas de volta ao meu convívio, mas decidi que iria me empenhar
nesse sentido. Se era um ato de caridade, eu o fazia por mim, pela minha paz. Queria de volta a minha liberdade!
Na mesma noite, mandei convite para
todos, trazendo-os de volta aos meus contatos nas redes sociais. Voltamos pouco
a pouco a interagir, e eu nada cobrei em relação ao passado. Alguns perceberam o quanto erraram e me pediram perdão,
outros nunca se retrataram. Que importa? Não estava neles a cura para minha
ferida, estava em mim mesma! Quando decidi vencer meu orgulho e realmente
perdoar e esquecer o que tanto me feriu, a ferida cicatrizou. Tudo ficou para
trás e nunca mais me incomodou. Junto com a capacidade de perdoar, recebi a
capacidade de suportar ofensas, críticas e injúrias sem deixar que elas me
atinjam. Não significa que sofro tudo calada: reivindico meus direitos,
exijo sempre justiça. Mas sofrer com a imperfeição dos outros? Não, eu não
sofro. Aprendi de certa forma, e em certos aspectos, a ser inabalável.
Por isso comemoro este Natal
que se aproxima. Ofender-se é uma escolha – não é a minha! Prefiro a sabedoria
de compreender que vivo entre seres imperfeitos, que ora erram comigo, ora eu
erro com eles. Alguns até se esforçam, eu percebo, pra encabeçarem minha lista
de desafetos. Mas respondo com um sorriso e muitas vezes com o silêncio.
Funciona, pois segue em branco minha lista.
Para os que não sabem o que
fazer com seus inimigos nesta época do ano, fica aqui minha dica: nada poderia ser pior para um
desafeto do que perder o título pelo qual tanto se esforçou ao longo do ano,
com suas pitadas de maldade. Perdem o chão e a força quando se transformam
subitamente em ‘afeto’. Afogam-se sozinhos no próprio veneno. E nós ganhamos a
paz, curamos a ferida.
Que venha o Natal!
Suzy Rhoden
querida amiga maravilhosa tua crônica me vi ali....parecia minha história bjs sucesso[
ResponderExcluirGenial tua crônica e modo de resolver problemas.
ResponderExcluirNão tenho desafetos também ou se tenho, não sei e então ignoro e assim também está resolvido.
Gostei muito ,mais uma vez, de te ler!
Um beijo e boa preparação para o Natal que desejo desde já, seja lindo!
chica
Oi Suzy, lidar com desafetos é uma arte, convenhamos! Todos temos uma história ou outra para contar de pessoas que chegam para abalar nossas estruturas, geralmente, por motivos tão fúteis quanto elas. Para tais a minha atitude é o silêncio, ofensas quando não revidadas, apagam-se como brasas na água.
ResponderExcluirÉ muito bom chegar nessa época e estar com a consciência tranquila, não ter que correr em busca de perdão antes que os sinos dobrem e anunciem o dia 25. Perdoar deveria ser tarefa diária e não podemos esquecer, acumular mágoa só faz mal a quem sente.
O seu texto é um presente de Natal a todos que te leem Suzy, obrigada!
Beijos
Oi Suzy!
ResponderExcluirCrônica apropriada para a data que estamos.
Liberar perdão para os desafetos,não é tarefa fácil (pelo menos pra mim).
Mas sempre valerá a pena.
Quando eu ajo dessa maneira,faço de coração mesmo.Nem tanto pelos meus desafetos...mas por mim mesma!E como sinto-me feliz por isso...
Tenho paz e isso basta :)
Afinal feridas dóem,mas cicatrizam-se.
E que venha o Natal né Suzy?!rs
Bjs!
Ohhhhhhhhhh, Suzy!
ResponderExcluirGenial!
É como eu sempre digo, caráter a gente não compra ou não pega emprestado.
Gostei!
Ou bate ou não bate, como dizia Clarice Lispector...
Teve horas que eu ri um pouco na narrativa, pois ela era suave e gostosa com toques de pimenta...e teve momentos que foi pra valer, gosto disso!
Parabéns!
De alguma forma esses desafetos devem servir pra alguma coisa...kkkkkk
Bjs,
Suzy, fiquei feliz por voltar a me seguir, não tô livre daquela moça, não"...
ResponderExcluir*Você, no texto, fala em "desafetos"...eu já me aborreci muito,ficava triste com aqueles que não gostavam de mim*, hoje estou mais serena; a ingratidão e a inveja*, se eu percebo, ainda dói muito¨¨)
Gostei dos comentários da Néia "estar com a consciência tranquila"...*
"e não devemos acumular mágoas":)
Beijos pra ti, ótimos dias de dezembro*, muita paz* no teu coração; adorei vir aqui>>
Mery*))
Oh, amiga... esta crônica é mais do que real, linda. Conta a verdade. Quem não tem seus desafetos? Exatamente, guardar mágoa reverte em doenças. O que eu puder perdoar, sem dúvidas, e o que não der, tento esquecer, afinal existem pessoas que não sabem o que é lealdade, solidariedade, amizade. Vivem como uma cobra, loucas para darem o bote e introduzirem o seu veneno. Destas, me afasto, afinal, o que me acrescentarão?
ResponderExcluirJá vivemos um num mundo turbinado pelo egoísmo, pela inveja e por tantas maldades. Penso que quando pressentimos que algo não é bom, antes do bote, cair fora! Lógico que isso não conseguimos de uma hora pra outra, levam anos de aprendizado... Anos! Machuca muito, mas acabamos aprendendo. Amiga, disseste bem: nada vale nossa paz! Tento zerar os meus desafetos...
Como sempre, te superas! Isso acontece com pessoas lindas e bem estruturadas.
Meu beijo deixo aqui, e com muito afeto!
Bom dia,Suzy!!
ResponderExcluirUma crônica maravilhosa!!!!
Ótima para refletir!!!
É bem verdade que a maioria só faz caridade no final do ano, e só fermenta desafetos o ano todo...é triste isso né?!
Ainda bem que aprendemos!
Graças à Deus não tenho desafetos.
Beijos pra ti!!!
Querida Suzy,
ResponderExcluirO Natal mexe no coração da gente, muito bonito o que ele te faz sentir. "Logicamente não foi sempre assim. Mas a gente cresce, amadurece e tem a obrigação de aprender." Isso é tudo e tudo é isso.
Um beijo
Denise