O Bom Samaritano |
Recentemente, enquanto passeava
pelos canais de TV com o controle a mão, um filme deteve minha atenção. Não
havia nada de surpreendente na trama da história, que apresentava o esforço
pessoal de um menino para abrandar o amargo coração de um velho rabugento,
rejeitado por todos no pequeno vilarejo onde viviam. Diante de um acidente que
quase custou a vida do idoso, o menino foi o único a se importar com o
ocorrido. Desejava uma aproximação, que era sempre rejeitada pelo velho
ranzinza. Não recolhia sequer os alimentos deixados pelo garoto do lado de fora
de sua porta, não queria a piedade de ninguém, e em nada amenizava a grosseria
e antipatia que o descreviam bem. Os adultos aconselhavam: desista, rapaz, se
esse homem não mudou até hoje, não há nada que você possa fazer para mudar sua
mentalidade.
Claro que o menino mudou tudo.
Histórias assim têm sempre um final feliz, o milagre acontece na ficção.
Surpreendente seria ver atitude semelhante a do menino na vida real: quem ainda
acredita na capacidade de mudança do ser humano? Principalmente em se tratando
de um sujeito vivido, anti-social e com ares de vilão. A idéia que se propaga é
justamente esta: que colha o que plantou!
Não pensava assim o menino.
Olhou para o passado daquele homem, e na infância dele descobriu um histórico
de violência, tortura física e psicológica que lhe era imputada pelo próprio
pai. Cresceu assim, sem estrutura familiar, sem uma referência pela qual se
guiar. Como poderia ser, na idade adulta, julgado pela incapacidade de amar, de
dar um afeto que ele próprio nunca conheceu?
Triste realidade: a vítima de
hoje é o vilão de amanhã. Poucos nessas circunstâncias conseguem por si mesmos
quebrar o ciclo. Geralmente precisam de ajuda, mas quem se habilita? Não me
refiro somente à ajuda profissional, sugiro especialmente aquela que está
relacionada à dignidade humana: a pessoa saber-se e sentir-se alguém digno de
respeito e da atenção de outrem. Nesse aspecto nós, os bem-estruturados,
falhamos grandemente.
Claro que vem a mente a cautela
exigida pelos tempos atuais, o medo de o bom samaritano descobrir que seu
viajante ferido é na verdade um farsante, pois há quem se aproveite
justamente da bondade alheia. Porém, se os bons se recolherem em suas casas
amedrontados, a que fim estará esta humanidade fria condenada?! Ainda que o bom
senso prevaleça em situações claramente
perigosas – e deve mesmo prevalecer! – há outras nas quais podemos agir sem
risco a nossa integridade física. O menino do filme, por exemplo, escolheu seu
método: passou a escrever cartas para o idoso!
Sempre acreditei no poder da
palavra escrita. Ela vai direto ao coração. As interrupções da palavra falada
não cabem para uma carta: ela somente encerra seu recado com o ponto final,
quando tudo já foi dito. E ainda concede ao destinatário o momento precioso da
reflexão, quando as palavras escritas repetem-se mentalmente, cumprindo de vez seu
propósito. Uma visita pode até ser rejeitada, pode-se levar uma porta na cara.
Mas quem resiste a uma carta sem lê-la? A palavra escrita atrai, e se for
inspirada planta ali mesmo, naquele momento, a semente do amor!
Assim agiu o protagonista do
filme, escolheu seu método e atingiu seu alvo: derreteu um coração
aparentemente petrificado. Mas não vem da ficção meu melhor exemplo nesse assunto, e sim de uma pequena cidade ao sul de Minas
Gerais, chamada Três Corações. A mesma terra que gerou o rei Pelé e lançou-o
para o mundo, foi o berço de uma rainha que preferiu reinar no anonimato,
aliviando feridas da alma do povo tricordiano: Érica Terra. Enquanto Pelé
comandava a bola com perfeição, Érica fazia também os seus dribles com a caneta
a mão: escrevia e enviava 5 cartas por dia! Não, não havia jogada repetida para
a jovem, as cartas eram únicas e individuais, escritas sob inspiração. Escrevia
o que sentia, sem uma lista fixa estipulando quem seria o felizardo naquele
dia, simplesmente deixava a escolha ser feita por seu coração. E seu coração
naturalmente era imenso, incluía desde a mais simples e humilde conhecida até
as pessoas ilustres de seus contatos: todos eram contemplados com a inspiração
de suas palavras!
Conheci Érica pessoalmente
durante missão religiosa que realizei na cidade. Conheci também muitos dos
destinatários, abençoados com suas palavras edificantes. Eram unânimes em
declarar: as cartas pareciam mágicas, chegavam como recados dos céus, levando
paz e conforto em momentos de dificuldade, como se Érica tivesse a capacidade de
ler os corações! E tinha mesmo acesso a eles, pois levava consigo a chave
universal capaz de abri-los: amor cristão.
A cidade não ostenta uma
estátua de Érica como a dedicada ao rei, na Praça Pelé, mas estou certa de que como
ele, ela passou dos 1000 gols. Coleciona vitórias nos sorrisos que brotaram de
cada carta lida. Formou não apenas um time, mas uma legião de amigos gratos pela
sua presença fortalecedora em suas vidas. Incluo-me nesse grupo, tendo sido eu
mesma contemplada com suas doces palavras e gentilezas. Foi Érica quem, no dia
de meu aniversário e também minha despedida
da cidade, preparou um bolo enorme e organizou para mim linda festa surpresa.
Isso depois de escrever suas 5 cartas naquele dia, sem qualquer dúvida.
Exemplos como esse me dão uma
certeza: não há justificativa para a
apatia, temos sempre pelo menos uma oportunidade de fazer o bem. Se não tenho
dinheiro sobrando para doá-lo a uma instituição de caridade, tenho meu tempo e
posso utilizá-lo fazendo algo de útil por alguém. Se não tenho o dom da escrita
para as 5 cartas de Érica, posso simplesmente dizer um sonoro e alegre bom dia
ao morador de rua, do qual desvio constrangida na calçada. Será que ele sabe
que é alguém? Se eu não disser isso a ele, ele talvez nunca saiba... Nem eu
saberei quem é Jesus Cristo, e o que Ele sentiu toda vez que fez o bem.
Suzy Rhoden
Suzy, muito apropriado tudo o que você abordou nesse texto maravilhoso. Realmente colocamos em dúvida se as pessoas que se dizem necessitadas, merecem, de fato, uma ajuda. O nosso olhar cristão fica mesmo, muitas vezes, embaçado pelo medo da farsa e violência dos dias de hoje. Mas precisamos lembrar que poderíamos estar do outro lado, dependendo e esperando o auxílio de alguém. E há tantas coisas que podemos fazer pelos outros, como você disse, um sorriso, um cumprimento, isso não custa nada e pode até tirar alguém do fundo do poço.
ResponderExcluirBeijos
Lindo e reflexivo teu texto,Susy! E tanta verdade nele! Que tenhamos possibilidades de ver muitas ÉRICAS assim em nossas vidas e que possamos reconhecer sempre o bem...
ResponderExcluirum lindo dia,beijos,chica
Linda Suzy, tua palavra escrita vai direto para o coração. Belo ensinamento nos traz hoje, o que prova que o impossível é apenas mais difícil de realizar, mas nunca impossível. Tu fazes a diferença nos dias de hoje... oxalá mais pessoas "ouçam" tua voz e se prontifiquem em uma mudança de atitude que também faça diferença na busca de um mundo melhor. Beijos, Moran
ResponderExcluirOi Suzy!
ResponderExcluirBoa tarde!
Você brindou seus leitores com uma linda reflexão.
Adorei a história da Érica.
Agiu no anonimato,mas fez a diferença na vida de muitas pessoas.
Que iniciativa linda e interessante a dela,nunca soube de uma história semelhante a essa.
Sentir se digno da atenção de alguém,faz um bem imensurável...
Bjs!
Oi, Suzy! Belo texto, sim. Tenho um apreço muito especial por voluntários, seja para que destino for. São pessoas cujo coração se importa com o semelhante. São pessoas especiais, que perdoam, que se integram e que realmente fazem a diferença na sociedade. Pensam em fazer o bem, não importa a quem.
ResponderExcluirSabe... nesta data - Natal -, infelizmente os sentimentos de solidariedade e de amor afloram. Digo infelizmente porque eles são embalados pelas circunstâncias, pela emoção que contagia a todos. Esta data é a única que tem a capacidade de contagiar, de fazer com que o ódio desapareça um pouco, levando os bons sentimentos a todos os lugares. Porém, depois do 1º do Ano, as coisas vão para os seus devidos lugares e esta mesma solidariedade e amor passam a ocupar um dos últimos lugares dando vaga ao egoísmo e tantos outros sentimentos que vêm junto.
Mas este tipo de gente que narras é especial, são verdadeiros independente de data. Estas são as pessoas iluminadas, que fazem e que se preocupam. Admiro muitíssimo e tenho por elas um carinho especial, embora não as conheça. Mas só em saber o que lhes vai na alma, já conquista meu coração e meu respeito.
Grande beijo, amiga!
Tais Luso
Suzy, voltei para lhe desejar também um Feliz Natal! Tenho certeza, apesar do pouco tempo que nos conhecemos, que Deus está muito presente na sua vida. Que Ele conceda felicidade, muita paz e saúde a você e à sua linda família.
ResponderExcluirBeijos