sábado, 2 de julho de 2011

Aprendendo a Ler


Se me fosse solicitado citar um momento mágico e de total encantamento em minha vida, eu não hesitaria em mencionar o acontecimento do dia dezoito de março deste ano. Arthur, meu filho de 5 anos, retornou da escola com o livro que havia retirado na biblioteca. Normal, isso acontecia todas as semanas. Então sentávamo-nos juntos no sofá e eu fazia com ele a leitura da história. Nesse dia foi diferente, foi ele quem fez comigo a leitura!

Simplesmente começou a ler. Uma letra após a outra, devagar, e então formava a palavra. Pronunciava para si mesmo, aí percebia que fazia sentido, aquela palavra tinha um significado para ele! Seus olhos então se arregalavam, entre surpresos e encantados, e encontravam com os meus, a essa altura marejados de lágrimas. Ele repetia a palavra, assombrado, ao mesmo tempo exclamando e solicitando minha confirmação para sua mais recente e incrível descoberta. Diante de minha afirmativa, selecionava com seu dedo indicador a próxima palavra e repetia o processo, com o mesmo espanto e o mesmo encantamento. Para sempre lembrarei desse dia.

Se pudéssemos ler o mundo com os olhos de uma criança, haveria mais alegria em viver. Não teríamos medo do novo, do desconhecido. Simplesmente embarcaríamos numa aventura e deixaríamos cada mínima descoberta nos surpreender. Arthur ensinou-me a ler naquele dia. Um processo simples, mas que poucos conhecem, e que vale muito a pena!

Em primeiro lugar, partiu dele a iniciativa. Abriu o livro e saiu lendo. Aceitou a responsabilidade de “fazer acontecer”. Por que nós, adultos, esperamos que alguém faça primeiro? Queremos um modelo para copiar. Não saímos “lendo o mundo”, tememos, pensamos sempre que não seremos capazes, não daremos conta. Esperamos que alguém se aventure e nos convide. E essa espera pode custar uma vida inteira de apatia, quando poderíamos ter feito algo, ter transformado o mundo em um lugar melhor para se viver.

Em segundo lugar, Arthur não parou diante das dificuldades. Toda vez que se deparava com uma sílaba mais difícil, recomeçava a leitura e insistia no obstáculo até vencê-lo. Era humilde para solicitar minha ajuda em casos extremos, e confiava em minha sabedoria. E nós, como reagimos quando nos deparamos com as frustrações deste mundo? Se nos sentimos traídos, iludidos ou enganados, como tartarugas ameaçadas nos recolhemos em nossos cascos. Criamos uma redoma imaginária em nossa volta, e ali nos condicionamos a viver,  enclausurados e amedrontados. Ou então nos revestimos de rancor e, magoados, nos negamos a descobrir o que poderia haver mais adiante naquela relação, naquela amizade. Ao invés de passar por cima da sílaba difícil, suplantá-la, inventamos ali um ponto final. E não adianta os mais velhos e experientes tentarem nos aconselhar, simplesmente tampamos os ouvidos com a tola e falsa idéia de que os tempos mudaram, e portanto os princípios básicos da vida também devem ter mudado. Presunçosos, rejeitamos a ajuda.

A terceira lição reside na magia da aprendizagem. Havia surpresa em Arthur, havia alegria, havia gratidão! Raramente nos deixamos encantar pelos acontecimentos. Nossos olhos desconfiados recebem a boa notícia, já pensando em que tipo de tragédia a seguirá. Com esse pensamento, sequer conseguimos ser felizes ou gratos, pois antecipamos as tristezas. Além disso, enfiamos na cabeça que crescemos e que os adultos não sorriem, não sonham, não cantam, não se divertem. Não vivem, apenas passam os dias. Assim fazemos, deixando de dar valor às pequenas coisas, com os olhos fixos naquilo que, no exato momento, para nós é inatingível. Talvez nunca tenhamos sequer olhado para o museu de nossa cidade, mas sonhamos com o glamour de Louvre, em Paris. Ou, pior ainda, talvez tenhamos estado no dito museu milhares de vezes, mas aspirando algo mais glamouroso, sua singularidade tenha nos passado completamente despercebida.

Inesquecível tarde de março! Enquanto Arthur lia um livro pela primeira vez, eu começava a entender o processo de ler o mundo. Tal como ele, que está cada vez mais fluente na leitura, tenho me dedicado diariamente a minha aprendizagem.  Tomo a iniciativa tanto quanto possível, persevero diante das dificuldades e não permito que as decepções roubem minha capacidade de me encantar com as coisas mais simples. Quando surge alguma dúvida, sento-me ao lado de meu filho e silenciosamente o observo em sua viagem pelo mundo das palavras. Tenho a nítida impressão de que seus olhos vêem mais coisas do que os meus, neste momento, conseguem entender...

Suzy Rhoden
Gravataí, 20 de junho de 2011

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