sábado, 2 de julho de 2011

Superação



Atraídos pelo número impressionante de indicações ao Oscar, muitos lotaram recentemente os cinemas para prestigiar O Discurso do Rei. Eu, inclusive. Filme correto, segundo as críticas, mas não bom o suficiente para merecer doze indicações. Merecido, sim, o prêmio de melhor ator, pela brilhante atuação de Collin Firth, interpretando o gago Albert George. Eu, a princípio, me deixei levar pelas críticas e concordei com a visão de um filme pouco “provocador”, mas ouvindo posteriormente o relato emocionado de uma amiga, que foi às lágrimas não somente durante, mas especialmente depois da projeção, mudei radicalmente minha opinião: o que poderia ser mais provocador do que um filme, baseado em fatos históricos e reais, que coloca o dedo na ferida de cada telespectador, mexe sutilmente nela para então, com ares de publicidade, oferecer também o bálsamo milagroso e curador?

Somos todos reis e rainhas em potencial, afetados pela disfemia. Se nosso problema não é a gagueira, existe certamente alguma outra fraqueza, fragilidade ou frustração que prejudica em maior ou menor grau nosso sucesso pessoal ou profissional. Atire a primeira pedra quem nunca teve um dia de George VI. Não nos sentimos confortáveis para arremessar pedras, pois temos o bom senso de olhar para nossa trajetória, e encontramos não apenas um, mas vários dias de luta silenciosa contra algum inimigo da alma, que tenta roubar nosso ânimo e anseio por um futuro glorioso.


 Encontramos em Albert George o rei adormecido que há em nós, o herdeiro que cogitou abdicar do trono por não se sentir capaz de fazer bom uso de suas atribuições.  Quantas vezes olhamos para nós mesmos no espelho e enxergamos a imagem do fracasso? Quantas vezes, mesmo que momentaneamente, desistimos de tudo?

Olhar para nossas próprias deficiências é a mais árdua e dolorosa tarefa que se possa requerer. Exige senso de realidade, coragem. Pois o que veremos é uma ferida aberta, sangrando... Fingir não vê-la é aparentemente bem mais fácil, porém, que ilusão! Saberemos a cada segundo que ela está ali, pois mesmo longe dos olhos ela continuará a doer. E não cicatrizará. 


Não há outro caminho, precisamos enfrentar a ferida aberta, senti-la sangrar diante de nossos olhos, pois esse é o único meio de tratá-la. Como envolvê-la em curativos sem termos uma noção exata de sua proporção? Outros podem ajudar com as ataduras, é verdade, mas cabe a nós a determinação diária de avaliar a gravidade do ferimento e prosseguir com o tratamento. Lionel chegou à vida de Bertie com o bálsamo milagroso da cura, mas coube ao rei experimentá-lo. Foi necessária disciplina, persistência, prática quase exaustiva testando os mais variados métodos.

           Sabemos como termina o filme. Assistimos a uma comovente cena de superação, quando George VI finalmente vence a disfemia, proferindo discurso confortador a sua nação diante da eclosão da II Guerra Mundial. Mas... nosso filme, como termina? A esta altura, não lembramos mais das desventuras do protagonista de O Discurso do Rei, inquietos com nossa gagueira pessoal a ser superada. Levamos para casa, com lágrimas, não as dores de um personagem: são as nossas dores, subitamente escancaradas. Para alguns, junto com as lágrimas vem a motivação para experimentar o bálsamo da fé, pagando o alto preço da determinação exigida. Para outros, do canto dos lábios brota um sorriso cúmplice, atestando silenciosamente para quem souber compreender: esses caminhos eu já cruzei. Venci o mundo quando venci a mim mesmo, hoje sou rei.

Suzy Rhoden
 Gravataí, 05 de junho de 2011

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